domingo, 4 de maio de 2025

Victor Hugo - Os Miseráveis: Cosette, Livro Quinto - Para Caçada Tenebrosa Matilha Silenciosa / X - Onde se explica como Javert bateu o monte e não encontrou caça

Victor Hugo - Os Miseráveis

Segunda Parte - Cosette

Livro Quinto — Para Caçada Tenebrosa Matilha Silenciosa

X - Onde se explica como Javert bateu o monte e não encontrou caça
     
      Os acontecimentos de que acabamos de ver, para assim dizer, o reverso, tinham-se realizado nas condições mais simples. 
     Quando Jean Valjean, na própria noite do dia em que Javert o prendeu junto do leito mortuário de Fantine, fugiu da cadeia Municipal de Montreuil-sur-mer, a polícia supôs que o forçado evadido se deveria dirigir para Paris. Paris é um pego em que tudo se perde; tudo desaparece naquele centro do mundo como no meio do oceano.
     Floresta alguma oculta um homem como aquela multidão; e não há fugitivo de espécie nenhuma que não o saiba. Vão para Paris como para um sorvedouro; há sorvedouros que salvam. A polícia sabe-o também e por isso é em Paris que vai procurar o que perdeu noutra parte. Assim, foi ali procurar o ex-maire. Javert foi chamado a Paris a fim de esclarecer as pesquisas. Javert contribuiu poderosamente, com efeito, para que se encontrasse Jean Valjean; o seu zelo nesta ocasião foi notado pelo senhor Chaboillet, secretário da prefeitura, no tempo do conde de Angles.
     O senhor Chabouillet, que já por vezes protegera Javert, fez com que ele ficasse servindo na prefeitura de Paris. Ali tornou-se Javert, de diversos modos, digamo-lo, ainda que a frase pareça inesperada para semelhantes serviços, honrosamente útil.
     Não pensara mais em Jean Valjean esta espécie de cães sempre à caça, esquecem o lobo de ontem pelo de hoje quando em Dezembro de 1843, leu um periódico, ele que nunca lia periódicos; mas Javert, homem monárquico, tivera interesse em conhecer os pormenores da entrada triunfal do «príncipe generalíssimo» em Bayona. Quando chegava ao fim do artigo que o interessava, a atenção foi-lhe atraída por um nome que se lhe deparou no fim da página; era o nome de Jean Valjean. O periódico anunciava a morte do forçado Jean Valjean e publicava o fato em termos tão precisos que não podiam deixar a Javert a mínima dúvida. Limitou-se a dizer: aquilo é que era têmpera.
     E pondo o periódico de parte não pensou mais em semelhante coisa.
     Sucedeu que algum tempo depois apareceu uma nota da polícia transmitida pela prefeitura de Seine-et-Oise à prefeitura de Paris, sobre o roubo de uma criança, que fora efetuado, segundo diziam, em circunstâncias particulares, no concelho de Montfermeil. Uma rapariguinha de sete a oito anos, dizia a nota, confiada por sua mãe a um estalajadeiro daqueles sítios fora roubada por um desconhecido; esta pequena tinha o nome de Cose e e era filha de uma meretriz chamada Fantine, falecida no hospital, não se sabia quando nem onde. Esta nota foi vista por Javert e tornou-o pensativo.
     O nome de Fantine era-lhe muito conhecido. Recordara-se de que Jean Valjean lhe provocara o riso, a ele, Javert, pedindo-lhe uma espera de três dias para ir buscar a filha daquela criatura. Recordou-se de que Jean Valjean fora preso em Paris no momento em que subia para a diligência de Montfermeil.
     Algumas indicações tinham mesmo feito pensar, naquela época, que era a segunda vez que ele entrava para a mesma diligência e que já na véspera tinha efetuado uma excursão pelos arredores da aldeia, por isso que não o tinham visto no povoado. O que ia ele fazer a Montfermeil? Ninguém o podia adivinhar, Javert, em presença da nota da polícia, compreendeu tudo. Era ali que estava a filha de Fantine.
      Jean Valjean ia procurá-la. Ora, esta criança fora roubada por um desconhecido; quem poderia ele ser? Seria Jean Valjean? Mas Jean Valjean morrera. Sem dizer coisa alguma a ninguém, Javert tomou lugar na carruagem do Prato de estanho, no beco sem saída da Planchette, e dirigiu-se a Montfermeil.
     Esperava encontrar ali grandes esclarecimentos, mas só achou trevas.
     Durante os primeiros dias, os Thenardier, despeitados, tinham dado à língua. O desaparecimento da Cotovia causara sensação na aldeia. Tinham-se divulgado logo em seguida muitas versões da história, que acabava pelo roubo de uma criança.
     Fora de tudo isto que resultara a nota da polícia. Entretanto, passada a primeira impressão, Thenardier, com o seu admirável instinto, compreendera rapidamente que não havia nunca a mínima u filidade em incomodar o procurador-régio, e que as suas queixas acerca do rapto de Cose e teriam por primeiro resultado o atraírem sobre ele, Thenardier, e sobre muitos dos seus negócios intrincados, os penetrantes olhos da justiça.
     A primeira coisa que os mochos não querem é que lhes apresentem a luz. E depois, como se sairia ele da história dos mil e quinhentos francos que recebera?
     Recuou, pois, pôs uma mordaça na boca de sua mulher e passou a mostrar-se muito admirado quando lhe falavam da criança roubada. Não percebia nada: sem dúvida tinha se queixado no primeiro momento de que lhe roubassem tão cedo aquela querida criancinha; quisera, pelo amor que lhe consagrava, tê-la ainda consigo dois ou três dias; mas fora seu avô quem muito naturalmente a levara. A isto tinha ele acrescentado que o avô fizera muito bem.
     Foi esta a história que Javert encontrou quando chegou a Montfermeil. Aquele avô fazia desaparecer Jean Valjean.
     Javert, contudo, quais sondas, mergulhou algumas perguntas na história contada por Thenardier:

— Quem era o tal avô? Como se chamava?

      Thenardier respondeu com a maior simplicidade:

— É um lavrador muito rico: eu vi-lhe o passaporte e parece-me que se chama Guilherme Lambert.

     Lambert era um nome de homem de bem e que não tinha nada de suspeito.
     Javert voltou para Paris.

 «Sou um alarve», disse ele consigo. «Jean Valjean morreu com efeito».

      E tornara a esquecer-se de toda aquela história, quando, no decurso de Março de 1824, ouviu falar dum personagem extravagante que morava na freguesia de S. Médard, e a quem apelidavam o pobre que dava esmolas. Este personagem, segundo diziam, era um rendeiro, cujo nome ninguém sabia ao certo, que tinha na sua companhia uma rapariguinha de sete a oito anos, a qual não sabia também dizer senão que viera de Montfermeil. Montfermeil! Este nome, tornando assim a aparecer, desafiou a atenção de Javert. Um velho mendigo espião, ex-bedel, a quem o tal personagem costumava dar esmola, acrescentava alguns outros pormenores. O tal rendeiro era quase intratável, nunca saía de casa senão de noite, não falava em geral com pessoa alguma, poucas vezes com os pobres; e assim mesmo conservava-se sempre em certa distância. Usava uma horrível sobrecasaca amarela que valia muitos milhões, por isso que era toda forrada de notas do Banco. Tudo isto excitou a curiosidade de Javert, que quis ver de perto a fantástica criatura sem que a assustasse. Para isso pediu ao velho bedel que lhe emprestasse o fato e o lugar em que todos os dias se sentava resmungando orações e espionando através da devoção.
     O «indivíduo suspeito» dirigiu-se, pois, a Javert, assim disfarçado e deu-lhe a esmola: neste momento, Javert levantou a cabeça e o estremecimento que Jean Valjean sentiu julgando reconhecer Javert, sentiu-o este igualmente julgando reconhecer Jean Valjean.
      Entretanto, a escuridão poderia tê-lo enganado; a morte de Jean Valjean era oficial; portanto, tinham ficado a Javert graves dúvidas; e em estado de dúvida, sendo, como era, escrupuloso, não lançava a mão a ninguém.
     Seguiu o homem até à casa de Gorbeau e fez falar a velha, o que não foi nada difícil. A velha confirmou-lhe o caso da sobrecasaca forrada de milhões e contou-lhe o episódio da nota de mil francos. Ela própria tinha visto o forro da sobrecasaca, tinha-o apalpado! Javert alugou um quarto e entrou para ele nessa mesma noite. Foi escutar à porta do misterioso inquilino, esperando ouvir-lhe o som da voz, mas Jean Valjean lobrigou a luz pelo buraco da fechadura e iludiu a esperança do espião conservando-se silencioso.
     No dia seguinte, Jean Valjean deixou o quarto que habitava. Mas o ruído produzido pela moeda de cinco francos caindo no chão foi notado pela velha, que ouvindo mexer em dinheiro, suspeitou que iriam sair e apressou-se em avisar Javert. À noite, quando Jean Valjean saiu, Javert, com dois homens, esperava-o por detrás das árvores do boulevard.
      Javert pedira auxílio à prefeitura, mas não declarara o nome do indivíduo que queria prender. Era o seu segredo e guardara-o por três razões: primeiro, porque a menor indiscrição poderia servir de aviso a Jean Valjean; segunda, porque lançar a mão a um velho forçado evadido e reputado morto, a um condenado a quem noutro tempo a justiça classificara entre os malfeitores da mais perigosa espécie, era um magnífico feito, que os an gos agentes da polícia parisiense não deixariam decerto a um recém-chegado como Javert, e ele receava que por isso lhe empalmassem o seu forçado, e enfim, porque sendo Javert um artista, tinha pronunciado gosto por tudo quanto era imprevisto. Odiava os cometimentos anunciados e que perdem o efeito por se falar deles antecipadamente. Tinha todo o empenho em elaborar as suas obras-primas na sombra, para depois as patentear inopinadamente.
      Javert seguira Jean Valjean de árvore em árvore, depois de esquina em esquina, e não o perdera de vista um só instante; mesmo nos momentos em que Jean Valjean se julgara em maior segurança, não se tinham afastado dele os olhos de Javert. Porque não o prendeu logo? Era porque ainda duvidava.
     Convém não esquecer que a polícia, naquela época, não se achava à sua vontade: a liberdade de imprensa incomodava-a. Algumas prisões arbitrárias denunciadas pelos periódicos, tinham ressoado nas câmaras e haviam tornado tímida a prefeitura. Atentar contra a liberdade individual era um caso grave.
     Os agentes da polícia receavam enganar-se; o prefeito reportava-se a eles; um engano equivalia à demissão. Imagine-se, por exemplo, o efeito que teria produzido em Paris esta local, reproduzida por vinte periódicos: «Ontem, um velho respeitável, coberto de cabelos brancos, um honrado capitalista que andava passeando com uma neta de oito anos, foi preso e conduzido ao depósito da prefeitura como forçado evadido!»
      Além disso, repetimos, Javert tinha os seus escrúpulos; as recomendações da consciência juntavam-se às do prefeito. Duvidava realmente.
      Jean Valjean ia de costas voltadas caminhando na escuridão.
      A tristeza, o desassossego, a ansiedade, o acabrunhamento, este novo infortúnio de se ver obrigado a fugir de noite e a procurar um asilo ao acaso para ele e para Cose e, a necessidade de regular o seu passo pelo de uma criança, tudo isto lhe tinha, mesmo sem ele o saber, mudado tanto os modos e impresso neles tal senilidade, que até a própria polícia, incarnada em Javert, podia enganar-se e enganou-se. A impossibilidade de se chegar muito a ele, o seu trajo de velho preceptor emigrado, a declaração de Thenardier que o fazia avô de Cose e, finalmente o acreditar-se que ele tinha morrido nas galés, acrescentavam ainda mais as incertezas que a Javert se lhe amontoavam no espírito.
     Javert teve um momento a ideia de se chegar ao pé dele e perguntar-lhe de chofre pelos seus papéis, pois se aquele homem não era Jean Valjean, se não era algum velho e honrado rendeiro, era, provavelmente, algum gatuno profunda e gravemente envolvido na obscura trama dos delitos parisienses, algum perigoso chefe de quadrilha, que dava esmolas para ocultar as outras habilidades que tinha, manha há muito usada. Aquele homem tinha sócios, cúmplices, esconderijos, onde decerto ia refugiar-se. Todos aqueles rodeios que ele fazia pelas ruas pareciam indicar que não era um simples velho. Prendê-lo de chofre, porém, era «matar a galinha dos ovos de ouro».
     Que inconveniente havia em esperar, se Javert estava seguríssimo de que ele lhe não escaparia?
      Caminhava, pois, sobremodo perplexo, fazendo a si mesmo cem perguntas sobre aquele personagem enigmático. 
     Só mais adiante, porém, na rua de Pontoise, foi que ele, em virtude do vivo clarão que saía de dentro de uma taberna, conheceu decididamente Jean Valjean.
     Há neste mundo duas qualidades de entes que estremecem profundamente a mãe que depara com o filhinho e o tigre que depara com a presa. Javert sentiu este estremecimento profundo. 
     Apenas conheceu positivamente Jean Valjean o temível forçado reparou que eram só três e mandou pedir reforço ao comissário de polícia da rua de Pontoise. Antes de se deitar a mão a uma vara de espinheiro, calçam-se luvas primeiro.
     Esta demora e a paragem que fizera no beco de Rollin, a combinar com os seus agentes, estiveram para lhe fazer perder o rasto do fugitivo. Javert, todavia, logo adivinhou que Jean Valjean havia de querer meter o rio de permeio entre ele e os seus perseguidores, e inclinando a cabeça a refletir, como um sabujo que põe o focinho no chão para a nar com o caminho, dirigiu-se direito para a ponte de Austerlitz, guiado pela poderosa certeza do seu instinto. Bastou-lhe uma palavra ao homem ali empregado para se orientar sobre o caminho que levava o fugitivo.

— Viu passar por aqui um homem com uma pequena?
— Agora mesmo lhe fiz pagar dois soldos — respondeu o interpelado.

      Javert chegou à ponte ainda a tempo de ver do outro lado do rio, Jean Valjean com Cosette pela mão, atravessando o largo iluminado pelo luar. Viu-o entrar na rua do Caminho Verde de Santo António, e lembrando-se do beco de Genrot, disposto como uma ratoeira e da única saída da rua do Muro Direito para a viela do Picpus, mandou à pressa de volta um dos seus agentes a guardá-la, «cercando-lhe a volta», como dizem os caçadores. A este tempo, sucedendo passar uma patrulha que se recolhia à casa da guarda do Arsenal, requisitou-a e fez-se acompanhar dela. Neste jogo os soldados são trunfos. Além disso, é ponto assente que para agarrar um javali é necessário ser bom caçador e levar boa matilha. Combinadas estas disposições, pressentindo Jean Valjean assim encurralado entre o beco de Genrot pela direita, o seu agente pela esquerda e ele por trás, tomou sossegadamente uma pitada e depois principiou a brincar. Aquele homem teve um momento de infernal transporte; deixou caminhar o seu homem adiante de si, sabendo que o tinha seguro, mas desejando demorar o mais possível o momento de o prender, sentindo um incomensurável prazer em o ver livre e tê-lo preso, devorando-o com a vista com essa voluptuosidade da aranha que deixa esvoaçar a mosca e do gato que deixa correr o rato. A garra e a unha têm uma sensualidade monstruosa — é o movimento obscuro do animal preso entre as suas tenazes. Que delícia aquela estrangulação!
     Javert gozava. As malhas da sua rede estavam solidamente atadas e ele certo do sucesso: agora não tinha mais do que fechar a mão. 
     Acompanhado como estava, até a simples e única ideia de resistência era impossível, por mais enérgico e vigoroso que fosse Jean Valjean, por mais desesperado que ele pudesse sentir-se.
      Javert continuou, pois, caminhando sempre, sondando e pesquisando, ao passar, todos os recantos da rua, como o faria aos bolsos de um ladrão. 
     Ao chegar, porém, ao meio da teia, não encontrou a mosca. 
     Imagine-se o seu desespero!
      Interrogou a sua vigia das ruas do Muro Direito e de Picpus, porém, o agente, que ficara imperturbável no seu posto, não vira passar o homem. 
     Sucede às vezes escapar-se um veado, posto que com a matilha no encalço, e então os mais experientes caçadores não sabem o que hão-de dizer. Duvivier, Ligniville e Desprez sentem-se atónitos. Num mau sucesso deste gênero exclamou Artonge: Não é um veado, é um feiticeiro. Javert de bom grado teria soltado o mesmo grito. 
     O seu desapontamento participava do desespero e do furor.
      É certo que Napoleão cometeu faltas na guerra da Rússia, que Alexandre as cometeu na guerra da Índia, César na guerra da África, Cyro na guerra da Scythia e que Javert as cometeu nesta campanha contra Jean Valjean. Talvez fizesse mal em não conhecer logo o antigo forçado, pois devia bastar-lhe o primeiro relancear de olhos. Fez mal em não o prender pura e simplesmente no casebre. 
     Fez mal em não o prender quando positivamente o conheceu na rua de Pontoise. Fez mal em se pôr a conferenciar com os seus auxiliares ao luar do beco de Rollin, pois é certo que os avisos são úteis e que é bom conhecer e interrogar os dos cães que merecem crédito; porém, por mais precauções que o caçador tome, nunca estas são demasiadas, quando anda à caça de animais desconfiados, como o lobo e o forçado.
      Javert, ocupando-se de mais em orientar sobre o caminho os sabujos da matilha, deu rebate ao animal, que conheceu pelo faro o que se lhe preparava e deitou a fugir. 
     Ele fez mal, sobretudo em se levar, apenas deu com o rasto na ponte de Austerlitz, do pueril gosto de brincar com semelhante homem, brinco temível, que consistia em o ter seguro pela ponta de um fio, julgando-se deste modo mais forte do que era e supondo poder brincar com um leão como quem brinca com um rato, ao mesmo tempo que se supusera fraco de mais, quando julgara necessário reclamar auxílio, precaução fatal, perda de um tempo precioso. Javert cometeu todas estas faltas, e nem por isso deixava de ser um dos espiões mais sábios e corretos que têm existido. Javert era, em toda a extensão da palavra, o que os caçadores chamam um cão fino. Mas que há neste mundo que seja perfeito?
     Os grandes estrategas também têm seus eclipses. 
     De ordinário, as grandes asneiras são, como as cordas grossas, formadas de uma multidão de fios. Pegai na corda e desfiai-a, tomai separadamente todos os pequenos motivos determinantes, e direis, quebrando-os um a um: «Pois é só isto!» Entrançai-os, porém, e torcei-os todos, e ficar-vos-á uma enormidade; será Átila hesitando entre Marciano no Oriente e Valentiniano no Ocidente; será Aníbal demorando-se em Capua, Danton adormecendo em Arcis-sur-Aube.
      Seja, porém, o que for, Javert, mesmo no momento em que conheceu que Jean Valjean lhe escapava, não ficou fora de si. Certo de que o forçado refratário não poderia estar muito longe, estabeleceu espias, organizou ratoeiras e emboscadas, e toda a noite bateu aqueles sí os. A primeira coisa que ele viu foi a desordem do lampião, que tinha a corda quebrada. Indício precioso, que, todavia, o enganou, fazendo-o desviar todas as pesquisas para o beco de Genrot. Há neste beco paredes sobremodo baixas, que dão para jardins que vão terminar em imensos terrenos incultos. Jean Valjean, pois, com toda a certeza devia ter fugido por aquele lugar. O facto é que, se ele vesse penetrado mais dentro do beco de Genrot, decerto o faria e estava perdido.
      Javert explorou aqueles jardins e terrenos como quem procura uma agulha. Ao romper do dia, deixou em observação dois homens inteligentes e dirigiu-se à prefeitura de polícia, envergonhado como um espião apanhado por um ladrão.

continua na página 366...
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Victor-Marie Hugo (1802—1885) foi um novelista, poeta, dramaturgo, ensaísta, artista, estadista e ativista pelos direitos humanos francês de grande atuação política em seu país. É autor de Les Misérables e de Notre-Dame de Paris, entre diversas outras obras clássicas de fama e renome mundial.
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Segunda Parte
Os Miseráveis: Cosette, Livro Quinto - X - Onde se explica como Javert bateu o monte e não encontrou caça
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Victor Hugo
OS MISERÁVEIS 
Título original: Les Misérables (1862)
Tradução: Francisco Ferreira da Silva Vieira 

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