terça-feira, 11 de outubro de 2022

O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo IV - A Lésbica (2)

Simone de Beauvoir


02. A Experiência Vivida




O SEGUNDO SEXO
SlMONE DE BEAUVOIR




PRIMEIRA PARTE

FORMAÇÃO
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CAPÍTULO IV
A   LÉSBICA


continuando...


Mas essa conciliação de sua personalidade ativa com seu papel de fêmea passiva é, apesar de tudo, muito mais difícil para ela do que para o homem: muitas mulheres renunciarão a tentar esse esforço de preferência a consumir-se nele. Entre os artistas e escritores femininos, encontram-se numerosas lésbicas. Não porque sua singularidade sexual seja fonte de energia criadora ou manifeste a existência dessa energia superior; é antes porque, absorvidas por um trabalho sério, não querem perder seu tempo desempenhando um papel de mulher nem lutando contra os homens. Não admitindo a superioridade masculina, não querem nem fingir reconhecê-la nem se cansar contestando-a; procuram na volúpia relaxamento, serenidade, diversão, é-lhes mais cômodo desviar-se de um parceiro que se apresenta como um adversário; com isso, libertam-se dos entraves que a feminilidade implica. E, bem entendido, a natureza de suas experiências heterossexuais que leva a mulher "viril" a escolher, assumir ou repudiar o seu sexo. 0 desdém masculino confirma a mulher feia no sentimento de sua falta de graça; a arrogância de um amante fere a orgulhosa. Todos os motivos de frieza que já consideram: rancor, despeito, temor da gravidez, traumatismo provocado por um aborto etc, se encontram aqui. Assumem tanto maior peso quanto maior a desconfiança com que a mulher trata o homem.

Entretanto, a homossexualidade, quando se trata de uma mulher dominadora, nem sempre se apresenta como solução inteiramente satisfatória; como procura afirmar-se, desagrada-lhe não realizar integralmente suas possibilidades femininas; as relações heterossexuais se lhe afiguram a um tempo diminuição e enriquecimento; repudiando as limitações implicadas em seu sexo, acontece que de um modo ou de outro ela se limita. Assim como a mulher fria almeja o prazer, embora recusando-o, a lésbica gostaria muitas vezes de ser uma mulher normal e completa, embora não o querendo. Essa hesitação é manifesta no caso da travestida descrita por Stekel.



Viu-se que ela só se comprazia com rapazes e não queria "efeminar- se". Aos dezesseis anos, travou suas primeiras relações com moças; tinha por elas um profundo desprezo, o que de imediato deu a seu erotismo um caráter sádico. A uma colega que respeitava fez uma corte fervorosa mas platônica: pelas que possuía sentia nojo. Entregou- se furiosamente a estudos difíceis. Decepcionada em seu primeiro grande amor sáfico, entregou-se com loucura a experiências puramente sensuais e pôs-se a beber. Aos 17 anos, conheceu um rapaz com quem casou, mas encarava-o como se fosse sua mulher: vestia-se de maneira masculina e continuava a beber e a estudar. Sofreu inicialmente de vaginismo e nunca o coito a levou ao orgasmo. Achava sua posição "humilhante" e era sempre ela que desempenhava o papel agressivo e ativo. Abandonou o marido, embora "amando-o loucamente" e reatou relações com mulheres. Conheceu um artista a quem se entregou, mas igualmente sem orgasmo. Sua vida dividia-se em períodos nitidamente separados: durante certo tempo escrevia, realizava um trabalho criador e sentia-se totalmente masculina: dormia então sadicamente, de maneira episódica, com mulheres. A seguir tinha um período de feminilidade. Fez-se analisar porque desejava chegar ao orgasmo.


A lésbica poderia facilmente consentir na perda de sua feminilidade se com isso adquirisse uma virilidade triunfante. Mas não. Ela permanece evidentemente privada de órgão viril: pode deflorar a amiga com a mão ou usar um pênis artificial para imitar a posse: não deixa contudo de ser um castrado, mas pode sofrer profundamente. Inacabada como mulher, impotente como homem, seu mal-estar traduz-se às vezes por psicoses. Uma doente dizia a Daíbiez (La Méthode psychanalytique et la Doetrine freudienne): "Se tivesse alguma coisa para introduzir, seria melhor". Outra gostaria que seus seios fossem rígidos. Amiúde a lésbica tentará compensar sua inferioridade viril por uma arrogância, um exibicionismo reveladores de um desequilíbrio interior. Por vezes também, ela conseguirá criar com as outras mulheres um tipo de relações inteiramente análogas às que com ela mantém um homem "feminino" ou um adolescente ainda pouco seguro de sua virilidade. Um caso impressionante de um tal destino é o de "Sandor", como relata Krafft-Ebbing. Ela conseguira desse jeito alcançar um equilíbrio perfeito que só a intervenção da sociedade veio destruir.


Sarolta era originária de uma família húngara nobre, reputada pelas suas excentricidades. O pai educara-a como um menino: montava a cavalo, caçava etc. Essa influência prolongou-se até a idade de 13 anos, quando a enviaram para um internato: apaixonou-se então por uma inglesinha, e raptou-a, pretendendo que era um rapaz. Voltou para casa de sua mãe, mas pouco depois, com o nome de "Sandor" e vestida de homem, partiu para uma viagem com o pai; dedicava-se a esportes viris bebia e frequentava os bordéis. Sentia-se particularmente atraída pelas atrizes ou pelas mulheres solitárias, tanto quanto possível já não na primeira mocidade; amava-as na medida em que eram "femininas". "Amava diz, a paixão feminina manifestando-se sob um véu poético. Qualquer impudência da parte de uma mulher me inspirava n o j o . . . Tinha uma aversão indizível pelas roupas de mulher e em geral por tudo o que era feminino, mas tão-somente em mim e sobre mim; pois do contrário tinha entusiasmo pelo belo sexo." Teve numerosas ligações com mulheres e com elas gastou muito dinheiro. Colaborava, contudo, em dois grandes jornais da capital. Viveu maritalmente durante três anos com um mulher dez anos mais velha e teve bastante trabalho para que ela aceitasse o rompimento. Inspirava paixões violentas. Apaixonada por uma jovem professora, a ela uniu-se mediante um simulacro de casamento: a noiva e a família da noiva tomavam-na por homem: o sogro pensara ter visto um membro em ereção no futuro genro (provavelmente um pênis artificial) ; fingia barbear-se, mas a criada de quarto encontrara manchas de sangue menstrual na sua roupa branca e, pelo buraco da fechadura, convencera-se de que Sandor era mulher. Desmascarada, foi presa mas absolvida. Sentiu imensa tristeza por se separar de sua bem-amada Maria a quem escrevia, da cela, as cartas mais apaixonadas. Não tinha um corpo inteiramente feminino: a bacia era muito estreita e faltava-lhe cintura. Os seios eram desenvolvidos, as partes genitais bem femininas mas imperfeitamente desenvolvidas. As regras só tinham aparecido aos 17 anos e ela sentia profundo horror pelo fenômeno menstrual. A ideia de relações sexuais com homens causava-lhe igualmente horror. Somente com as mulheres é que tinha pudor, a ponto de preferir partilhar o leito de um homem a dormir com uma mulher. Muito perturbada quando a tratavam como mulher, foi tomada de verdadeira angústia quando teve de voltar às roupas femininas. Sentia- se 'atraída como por uma força magnética para as mulheres de 24 a 30 anos". Só encontrava satisfação sexual acariciando a amiga, mas nunca se deixando acariciar. Ocasionalmente servia-se de uma meia guarnecida de estopa como membro. Detestava os homens. Muito sensível à estima moral de outrem, tinha muito talento literário, grande cultura e uma memória colossal.


Sandor não foi psicanalisada, mas pela simples exposição dos fatos alguns pontos ressaltam. Parece que sem "protesto viril" , da maneira mais espontânea, ela sempre se tenha considerado homem graças à educação que recebeu e à constituição de seu organismo. A maneira por que seu pai a associou às viagens, à sua vida, teve evidentemente influência decisiva; sua unidade de tal modo se afirmara que não manifestava nenhuma ambivalência em relação aos homens: gostava deles como um homem, sem se sentir comprometida por eles, de uma maneira dominadora e ativa, sem aceitar reciprocidade. É impressionante entretanto, que "detestasse" os homens e amasse particularmente as mulheres idosas. Isso sugere que Sandor tinha em relação à mãe um complexo de Édipo masculino; perpetuava a atitude infantil da menina que, formando casal com a mãe, alimenta a esperança de a proteger e dominar um dia. É, muitas vezes, quando a criança se viu frustrada da ternura materna, que a necessidade dessa ternura a obsidia durante toda a sua vida de adulto; educada pelo pai, Sandor deve ter sonhado com uma mãe amorosa e querida, que procurou em seguida nas outras mulheres. Isso explica seu ciúme profundo dos outros homens, ligado a seu respeito e seu amor "poético" pelas mulheres "solitárias" e idosas que apresentavam a seus olhos um caráter sagrado. Sua atitude era exatamente a de Rousseau com Mme de Warens, a do jovem Benjamin Constant com Mme de Charrière: os adolescentes sensíveis, "femininos" voltam-se também para amantes maternais. Sob aspectos mais ou menos acentuados, encontra-se amiúde esse tipo de lésbica que nunca se identificou com a mãe — porque a admirava ou detestava demais — mas que, recusando ser mulher, aspira à doçura de uma proteção feminina em torno de si; do seio dessa matriz protetora ela pode emergir no mundo com audácias masculinas; conduz-se como um homem, mas como homem tem uma fragilidade que lhe faz almejar o amor de uma amante mais velha; o casal reproduzirá assim o casal heterossexual clássico: matrona e adolescente.

Os psicanalistas acentuaram bem a importância das relações que a homossexual teve anteriormente com a mãe. Há dois casos em que a adolescente tem dificuldade em escapar à influência dela: se foi mimada com ardor por uma mãe ansiosa; ou se foi maltratada por uma "mãe má" que lhe insuflou profundo sentimento de culpa. No primeiro caso, tais relações beiram a homossexualidade: dormiam juntas, acariciavam-se, beijavam-se os seios. Á jovem buscará essa mesma felicidade em outros braços. No segundo caso, ela sentirá a necessidade de uma "boa mãe", que a proteja contra a primeira, que afaste a maldição de sua cabeça. Uma das pacientes, cuja história Havelock Ellis conta, e que detestara a mãe durante toda a infância, descreve assim o amor que sentiu aos 16 anos por uma mulher mais velha.



Sentia-me como uma órfã que subitamente tivesse adquirido uma mãe e comecei a sentir-me menos hostil aos adultos, a ter respeito por eles. . . Meu amor por ela era inteiramente puro e pensava nisso como se fosse com uma mãe. . . Gostava que ela me tocasse e por vezes ela me apertava nos braços e fazia-me sentar nos joelhos. . . Quando eu me deitava, ela vinha dizer-me boa noite e beijava-me na boca.


Se a mais velha se presta à coisa, a mais jovem se entregará com alegria a carícias mais ardentes. É comumente o papel passivo que então desempenhará porque deseja ser dominada, protegida, embalada e acariciada como uma criança. Tais relações permaneçam platônicas ou se tornem carnais, têm muitas vezes as características de uma verdadeira paixão amorosa. Mas pelo próprio fato de que se apresentam na evolução da adolescente como uma etapa clássica, não poderiam bastar para explicar uma escolha decidida da homossexualidade. A jovem nela procura ao mesmo tempo uma libertação e uma segurança que também poderá encontrar em braços masculinos. Passado o período de entusiasmo amoroso, a mais jovem experimentará muitas vezes em relação à mais velha o sentimento ambivalente que experimentava com a mãe; sujeita-se ao domínio dela almejando contudo libertar-se; se a outra se obstinar em retê-la, continuará durante algum tempo "prisioneira" [1]; mas com cenas violentas ou amigavelmente acabará por se evadir; tendo terminado de liquidar sua adolescência, sente-se madura para enfrentar uma vida de mulher normal. Para que sua vocação lésbica se afirme é preciso que
— como Sandor — recuse sua feminilidade ou que sua feminilidade desabroche com maior felicidade em braços femininos. A fixação na mãe não basta portanto para explicar a inversão. E esta pode ser escolhida por motivos inteiramente diversos. A mulher pode descobrir ou pressentir através de experiências completas ou esboçadas que não tirará prazer das relações heterossexuais, que somente uma outra mulher será capaz de a satisfazer: e particularmente para a mulher que tem o culto de sua feminilidade é o amplexo sáfico que se evidencia como o mais satisfatório.


[1] Como no romance de Dorothy Baker, Trio, aliás muito artificial


E muito importante sublinhar: nem sempre é a recusa de se fazer objeto que conduz a mulher à homossexualidade; a maioria das lésbicas procura ao contrário apropriar-se dos tesouros de sua feminilidade. Consentir em se metamorfosear em coisa passiva, não é renunciar a toda reivindicação subjetiva: a mulher espera assim atingir-se sob a figura do em-si; mas então procurará reassumir-se em sua alteridade. Na solidão, ela não consegue realmente desdobrar-se; pode acariciar seus seios, não sabe como se revelariam a uma mão estranha nem como nessa mão se sentiriam viver; um homem pode descobrir-lhe a existência para si de sua carne mas não o que ela é para outrem. É somente quando seus próprios dedos modelam o corpo de uma mulher cujos dedos modelam o seu, que o milagre do espelho se realiza. Entre o homem e a mulher o amor é um ato; cada um arrancado a si torna-se outro: o que maravilha a amante é que o langor passivo de sua carne se reflita sob a figura do ímpeto viril; mas a narcisista, nesse sexo ereto, não reconhece senão muito confusamente seus atrativos. Entre mulheres, o amor é contemplação: as carícias são menos destinadas a se apropriar do outro do que a recriar-se lentamente através dele; a separação está abolida, não há nem luta, nem vitória, nem derrota; dentro de uma exata reciprocidade cada qual é ao mesmo tempo sujeito e objeto, a soberana e a escrava; a dualidade é cumplicidade. "A estreita semelhança, diz Colette em Ces plaisirs, dá confiança à própria volúpia, A amiga compraz-se na certeza de acariciar um corpo de que conhece os segredos e cujas preferências seu próprio corpo indica." E Renée Vivien em Sortilèges:


Nosso coração é semelhante em nosso seio de mulher
Querida! Nosso corpo é igualmente feito
Um mesmo destino difícil pesou em nossa alma
Traduzo teu sorriso e a sombra em teu rosto
Minha doçura é igual a tua grande doçura
Por vezes parece até que somos da mesma raça
Amo em ti minha filha, minha amiga e minha irmã [2]


Notre coeur est semblable en notre sein de femme
Três chère! Notre corps est pareillement fait
Um même destin lourd a pesé sur notre âme
]e traduis ton sourire et l'ombre sur ta face
Ma douceur est égale à ta grande douceur
Parfois même il nous semble être de même race
J'aime en toi mon enfant, mon amie et ma soeur. [2]


Esse desdobramento pode assumir uma figura materna; a mãe que se reconhece e se aliena na filha tem muitas vezes por ela um apego sexual: o gosto de proteger e embalar nos braços um doce objeto de carne, tem-no ela em comum com a lésbica. Colette sublinha essa analogia quando escreve em Vrilles de la Vigne.

Dar-me-ás a volúpia, debruçada sobre mim, os olhos cheios de uma ansiedade maternal, tu que procuras, através de tua amiga apaixonada, a filha que não tiveste.

E Renée Vivien exprime o mesmo sentimento em L'Heure des mains jointes:



Vem, eu te carregarei como uma criança doente
Como uma, criança queixosa e tímida e doente
Nos meus braços nervosos aperto teu corpo leve
Verás que sei curar e proteger
E que meus braços são feitos para melhor te proteger.


E ainda:


Amo-te por seres fraca e calma em meus braços
Assim como um berço morno em que descansarás [3]


Viens, je t'emporterai comme une enfant malade
Comme une enfant plaintive et craintive et malade
Entre mes bras nerveux, j'étreins ton corps léger
Tu verras que je sais guérir et protéger
Et que mes bras sont faits pour mieux te proteger.
Je t'airne faible et calme entre mes bras
Ainsi qu'un berceau tiède où tu reposeras. [3]


Em todo amor — amor sexual ou amor materno — há, ao mesmo tempo, avareza e generosidade, desejo de possuir o outro e de tudo lhe dar; mas é na medida em que ambas são narcisistas, acariciando na filha, na amante, seu prolongamento ou seu reflexo, que a mãe e a lésbica se encontram singularmente.

Entretanto o narcisismo não conduz sempre à homossexualidade: o exemplo de Maria Bashkirtseff prova-o; não se encontra em seus escritos o menor vestígio de um sentimento afetuoso para com uma mulher; cerebral mais do que sensual, extremamente vaidosa, ela sonha desde a infância com ser valorizada pelo homem: nada a interessa, senão o que pode contribuir para sua glória. A mulher que se idolatra exclusivamente e que visa a um êxito abstrato e incapaz de ardorosa cumplicidade em relação a outras mulheres; só vê nelas rivais e inimigas.

Em verdade, nenhum fator é determinante; trata-se sempre de uma escolha efetuada no coração de um conjunto complexo e assentando numa livre decisão; nenhum destino sexual governa a vida do indivíduo: seu erotismo traduz ao contrário sua atitude global para com a existência.



continua página 158...

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Leia também:


O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo II - A Moça (1)
O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo I - Infância (9)O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo I - Infância (8)O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo I - Infância (7)O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo I - Infância (6)O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo I - Infância (5)O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo I - Infância (4)O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo I - Infância (3)O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo I - Infância (2)
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O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo IV - A Lésbica (2)



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As mulheres de nossos dias estão prestes a destruir o mito do "eterno feminino": a donzela ingênua, a virgem profissional, a mulher que valoriza o preço do coquetismo, a caçadora de maridos, a mãe absorvente, a fragilidade erguida como escudo contra a agressão masculina. Elas começam a afirmar sua independência ante o homem; não sem dificuldades e angústias porque, educadas por mulheres num gineceu socialmente admitido, seu destino normal seria o casamento que as transformaria em objeto da supremacia masculina.
Neste volume complementar de O SEGUNDO SEXO, Simone de Beauvoir, constatando a realidade ainda imediata do prestígio viril, estuda cuidadosamente o destino tradicional da mulher, as circunstâncias do aprendizado de sua condição feminina, o estreito universo em que está encerrada e as evasões que, dentro dele, lhe são permitidas. Somente depois de feito o balanço dessa pesada herança do passado, poderá a mulher forjar um outro futuro, uma outra sociedade em que o ganha--pão, a segurança econômica, o prestígio ou desprestígio social nada tenham a ver com o comércio sexual. É a proposta de uma libertação necessária não só para a mulher como para o homem. Porque este, por uma verdadeira dialética de senhor e servo, é corroído pela preocupação de se mostrar macho, importante, superior, desperdiça tempo e forcas para temer e seduzir as mulheres, obstinando-se nas mistificações destinadas a manter a mulher acorrentada.
Os dois sexos são vítimas ao mesmo tempo do outro e de si. Perpetuar-se-á o inglório duelo em que se empenham enquanto homens e mulheres não se reconhecerem como semelhantes, enquanto persistir o mito do "eterno feminino". Libertada a mulher, libertar-se-á também o homem da opressão que para ela forjou; e entre dois adversários enfrentando-se em sua pura liberdade, fácil será encontrar um acordo.
O SEGUNDO SEXO, de Simone de Beauvoir, é obra indispensável a todo o ser humano que, dentro da condição feminina ou masculina, queira afirmar-se autêntico nesta época de transição de costumes e sentimentos.


"O que é uma mulher?"

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