Apolodoro[1] e um Companheiro
Todos então declaram que lhes apraz e o convidam a fazer a
proposição. Disse então Erixímaco:
- O exórdio de meu discurso
é como a Melanipa de Eurípides; pois não é minha, mas aqui de
Fedro a história que vou dizer. Fedro, com efeito,
frequentemente me diz irritado:
- Não é estranho, Erixímaco,
que para outros deuses haja hinos e peãs, feitos pelos poetas,
enquanto que ao Amor todavia, um deus tão venerável e tão
grande, jamais um só dos poetas que tanto se engrandeceram
fez sequer um encômio? Se queres, observa também os bons
sofistas: a Hércules e a outros eles compõem louvores em prosa, como o excelente Pródico - e isso é menos de admirar,
que eu já me deparei com o livro de um sábio em que o sal
recebe um admirável elogio, por sua utilidade; e outras coisas
desse tipo em grande número poderiam ser elogiadas; assim
portanto, enquanto em tais ninharias despendem tanto esforço,
ao Amor nenhum homem até o dia de hoje teve a coragem de
celebrá-lo condignamente, a tal ponto é negligenciado um tão
grande deus! Ora, tais palavras parece que Fedro as diz com
razão. Assim, não só eu desejo apresentar-lhe a minha quota e
satisfazê-lo como ao mesmo tempo, parece-me que nos
convém, aqui presentes, venerar o deus. Se então também a
vós vos parece assim, poderíamos muito bem entreter nosso
tempo em discursos; acho que cada um de nós, da esquerda
para a direita, deve fazer um discurso de louvor ao Amor, o
mais belo que puder, e que Fedro deve começar primeiro, já
que está na ponta e é o pai da ideia.
- Ninguém contra ti votará, ó Erixímaco - disse Sócrates. - Pois
nem certamente me recusaria eu, que afirmo em nada mais ser
entendido senão nas questões de amor, nem sem dúvida Agatão
e Pausânias, nem tampouco Aristófanes, cuja ocupação é toda
em tomo de Dioniso e de Afrodite, nem qualquer outro destes
que estou vendo aqui. Contudo, não é igual a situação dos que
ficamos nos últimos lugares; todavia, se os que estão antes
falarem de modo suficiente e belo, bastará. Vamos pois, que em
boa sorte comece Fedro e faça o seu elogio do Amor.
Estas palavras tiveram a aprovação de todos os outros, que
também aderiram às exortações de Sócrates. Sem dúvida, de
tudo que cada um deles disse, nem Aristodemo se lembrava
bem, nem por minha vez eu me lembro de tudo o que ele disse;
mas o mais importante, e daqueles que me pareceu que valia a
pena lembrar, de cada um deles eu vos direi o seu discurso.
Primeiramente, tal como agora estou dizendo, disse ele que
Fedro começou a falar mais ou menos desse ponto, “que era um
grande deus o Amor, e admirado entre homens e deuses, por
muitos outros títulos e sobretudo por sua origem. Pois o ser
entre os deuses o mais antigo é honroso, dizia ele, e a prova
disso é que genitores do Amor não os há, e Hesíodo afirma que
primeiro nasceu o Caos
... e só depois
Terra de largos seios, de tudo assento sempre certo, e Amor...
Diz ele então que, depois do Caos foram estes dois que
nasceram, Terra e Amor. E Parmênides diz da sua origem
bem antes de todos os deuses pensou em Amor.
E com Hesíodo também concorda Acusilau. Assim, de muitos
lados se reconhece que Amor é entre os deuses o mais antigo. E
sendo o mais antigo é para nós a causa dos maiores bens. Não
sei eu, com efeito, dizer que haja maior bem para quem entra
na mocidade do que um bom amante, e para um amante, do
que o seu bem-amado. Aquilo que, com efeito, deve dirigir toda
a vida dos homens, dos que estão prontos a vivê-la
nobremente, eis o que nem a estirpe pode incutir tão bem, nem
as honras, nem a riqueza, nem nada mais, como o amor. A que
é então que me refiro? À vergonha do que é feio e ao apreço do
que é belo. Não é com efeito possível, sem isso, nem cidade
nem indivíduo produzir grandes e belas obras. Afirmo eu então
que todo homem que ama, se fosse descoberto a fazer um ato
vergonhoso, ou a sofrê-lo de outrem sem se defender por
covardia, visto pelo pai não se envergonharia tanto, nem pelos
amigos nem por ninguém mais, como se fosse visto pelo bem
amado. E isso mesmo é o que também no amado nós notamos,
que é sobretudo diante dos amantes que ele se envergonha,
quando surpreendido em algum ato vergonhoso. Se por
conseguinte algum meio ocorresse de se fazer uma cidade ou
uma expedição de amantes e de amados, não haveria melhor
maneira de a constituírem senão afastando-se eles de tudo que
é feio e porfiando entre si no apreço à honra; e quando
lutassem um ao lado do outro, tais soldados venceriam, por
poucos que fossem, por assim dizer todos os homens. Pois um
homem que está amando, se deixou seu posto ou largou suas
armas, aceitaria menos sem dúvida a ideia de ter sido visto pelo
amado do que por todos os outros, e a isso preferiria muitas
vezes morrer. E quanto a abandonar o amado ou não socorrê-lo
em perigo, ninguém há tão ruim que o próprio Amor não o torne
inspirado para a virtude, a ponto de ficar ele semelhante ao
mais generoso de natureza; e sem mais rodeios, o que disse
Homero “do ardor que a alguns heróis inspira o deus”, eis o que
o Amor dá aos amantes, como um dom emanado de si mesmo.
E quanto a morrer por outro, só o consentem os que amam, não
apenas os homens, mas também as mulheres. E a esse respeito
a filha de Pélias, Alceste, dá aos gregos uma prova cabal em
favor dessa afirmativa, ela que foi a única a consentir em morrer pelo marido, embora tivesse este pai e mãe, os quais ela
tanto excedeu na afeição do seu amor que os fez aparecer como
estranhos ao filho, e parentes apenas de nome; depois de
praticar ela esse ato, tão belo pareceu ele não só aos homens
mas até aos deuses que, embora muitos tenham feito muitas
ações belas, foi a um bem reduzido número que os deuses
concederam esta honra de fazer do Hades subir novamente sua
alma, ao passo que a dela eles fizeram subir, admirados do seu
gesto; é assim que até os deuses honram ao máximo o zelo e a
virtude no amor. A Orfeu, o filho de Eagro, eles o fizeram voltar
sem o seu objetivo, pois foi um espectro o que eles lhe mostraram da mulher a que vinha, e não lhe deram, por lhes parecer
que ele se acovardava, citaredo que era, e não ousava por seu
amor morrer como Alceste, mas maquinava um meio de
penetrar vivo no Hades. Foi realmente por isso que lhe fizeram
justiça, e determinaram que sua morte ocorresse pelas
mulheres; não o honraram como a Aquiles, o filho de Tétis, nem
o enviaram às ilhas dos bem-aventurados; que aquele,
informado pela mãe de que morreria se matasse Heitor,
enquanto que se o não matasse voltaria à pátria onde morreria
velho, teve a coragem de preferir, ao socorrer seu amante
Pátroclo e vingá-lo, não apenas morrer por ele mas sucumbir à
sua morte; assim é que, admirados a mais não poder, os deuses
excepcionalmente o honraram, porque em tanta conta ele tinha
o amante. Que Ésquilo sem dúvida fala à toa, quando afirma
que Aquiles era amante de Pátroclo, ele que era mais belo não
somente do que este como evidentemente do que todos os
heróis, e ainda imberbe, e além disso muito mais novo, como
diz Homero. Mas com efeito, o que realmente mais admiram e
honram os deuses é essa virtude que se forma em torno do
amor, porém mais ainda admiram-na e apreciam e
recompensam quando é o amado que gosta do amante do que
quando é este daquele. Eis por que a Aquiles eles honraram
mais do que a Alceste, enviando-o às ilhas dos bem-
aventurados.
"Assim, pois, eu afirmo que o Amor é dos deuses o mais antigo,
o mais honrado e o mais poderoso para a aquisição da virtude e
da felicidade entre os homens, tanto em sua vida como após
sua morte.”
continua página 11...
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Apolodoro e um Companheiro(a)
Apolodoro e um Companheiro(b)
Apolodoro e um Companheiro(b)
Apolodoro e um Companheiro(c)
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Platão (428/7-348/7 a.C.)
Nasceu em Atenas, por volta de 428/7, e era membro de uma aristocrática e ilustre família. Descendia dos antigos reis de Atenas, de Sólon e era também sobrinho de Crítias (460/403) e Cármides, dois dos "Trinta Tiranos" que governaram Atenas em -404. Lutou na Guerra do Peloponeso entre 409 e 404, e a admiração por Sócrates, que conheceu em algum momento desse período, foi decisiva em sua vida.
O seu verdadeiro nome era Arístocles, mas devido à sua compleição física recebeu a alcunha de Platão (significa literalmente "ombros largos"). Frequentou com assiduidade os ginásios, obtendo prêmios por duas vezes nos Jogos Istímicos. Começou por seguir as lições de Crátilo, discípulo de Heraclito, e as de Hermógenes, discípulo de Parménides. Em princípio, por tradição familiar deveria seguir a vida política. Contudo, a experiência do governo dos trinta tiranos que governaram Atenas por imposição de Esparta (404-403 a.C.), e da qual fazia parte dois dos seus tios Crístias e Cármides, distanciaram-no desta opção de vida, pelo menos do modo como a política era exercida. O fato que mais o marcou foi a influência que sobre ele exerceu Sócrates, tendo-se feito seu discípulo por volta de 408, quando contava vinte anos. Nele encontrou o mestre, que veio a homenagear na sua obra, fazendo-o interlocutor principal da quase totalidade dos seus diálogos.
Após a morte de Sócrates, em 399 a.C., Platão realizou inúmeras viagens, travando contato com importantes filósofos e escolas de pensamento suas contemporâneas. Em Megara, travou contato com Euclides e sua escola; no Egito, Sicília e Magna Grécia, aprofundou seus conhecimentos através do contato com a sabedoria egípcia e os ensinamentos eleáticos e pitagóricos, este último especialmente através do encontro com Arquitas de Tarento. De passagem por Siracusa, ligou-se a Díon e Dionísio, tirano de Siracusa. Estas duas personagens desempenharam papel fundamental na posterior vida política de Platão.
De volta a Atenas, fundou em 387 a Academia, passando a dedicar-se ao ensino e à composição de sua obra filosófica.
Em 365 e em 361 esteve novamente em Siracusa, a pedido do amigo Díon, numa tentativa inútil de transformar o jovem Dionísios II (-367/-342), filho e sucessor de Dionísios I, no "reifilósofo" que idealizara.
Desiludido com a dificuldade de colocar em prática suas idéias filosóficas, Platão não mais saiu de Atenas.
Durante o ultimo período da sua vida continuou a dirigir a Academia, e escreveu o Timeu, O Crítias e As Leis ,que não chegou a acabar falecendo por volta de 347.
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[1] O interlocutor de Sócrates não está só (N.T.)
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