Germinal
Émile Zola
Tradução de Francisco Bittencourt
Tradução de Francisco Bittencourt
Segunda Parte
V
.Bébert nunca era admitido nessas brincadeiras e logo recebia uma tapona assim que tentava apalpar Lydie, por isso transformava-se numa fera, enquanto os outros dois se divertiam fazendo caso omisso da sua presença. A vingança dele era assustá-los e interrompê-los gritando que estavam sendo observados.
— Olha o homem espiando vocês!
Desta vez não mentia, ali estava Etienne, que imediatamente
decidiu seguir seu caminho. Os meninos deram um pulo e se esconderam e
ele passou, contornando o aterro e seguindo o canal, divertido com o susto
que pregara nos pequenos descarados. Sem dúvida, era cedo para a idade
deles, mas que fazer? Viam tantos exemplos, ouviam tanta barbaridade que
teria sido preciso amarrá-los para que não fizessem o mesmo. Apesar de
tudo isso, no fundo, Etienne entristecia-se com o fato.
Cem passos adiante encontrou mais casais. Estava chegando a
Réquillart e ali, ao redor da velha galeria em ruínas, todas as moças de
Montsou passeavam com seus namorados. Era o ponto de encontro comum,
o recanto ignoto e deserto onde as operadoras de vagonetes iam conceber
seu primeiro filho, quando não ousavam fazê-lo no galpão do fundo da
casa. Os tapumes derruídos serviam de entrada para o antigo pátio
transformado em terreno baldio, obstruído pelos destroços de dois galpões
que tinham desabado e pelos esqueletos dos enormes cavaletes ainda em pé.
O terreiro estava cheio de vagonetes fora de uso, de caibros velhos que
apodreciam amontoados, enquanto uma vegetação violenta reconquistava
aquele canto de terra, transformando-o em matagal cerrado, com pequenas
árvores já copadas.
As moças sentiam-se ali tão à vontade como em suas casas; havia
tocas escondidas para todas, os namorados deitavam-nas sobre as vigas,
atrás dos montes de madeira ou dentro dos vagonetes. Sempre arranjavam
um lugar, podia ser mesmo ao lado de outro casal, cada um cuidava da sua
vida. E era como se fosse uma vingança da criação aquela prática do amor
livre que, sob o látego do instinto, fecundava os ventres dessas meninas
moças ao redor da máquina extinta, junto do poço exausto de vomitar
hulha.
Contudo, havia um guarda morando ali, o velho Mouque, a quem a
companhia cedera, quase por baixo da torre do sino de rebate destruída,
duas peças que a queda prevista das últimas vigas em pé punha sob a
constante ameaça de esmagamento. Mouque tivera mesmo de escorar uma
parte do teto e ali passara a viver muito bem, em família, ele e o filho num
quarto, a filha no outro. Como as janelas não tinham mais vidros, vedara-as
com tábuas; a luz era escassa, mas não fazia frio. Na verdade, era um
guarda que não guardava nada; tratava, isso sim, dos cavalos da Voreux,
não tendo o menor cuidado com as ruínas de Réquillart, das quais apenas o
poço tinha serventia, como chaminé de uma fornalha que injetava ar na
galeria vizinha.
Contudo, havia um guarda morando ali, o velho Mouque, a quem a
companhia cedera, quase por baixo da torre do sino de rebate destruída,
duas peças que a queda prevista das últimas vigas em pé punha sob a
constante ameaça de esmagamento. Mouque tivera mesmo de escorar uma
parte do teto e ali passara a viver muito bem, em família, ele e o filho num
quarto, a filha no outro. Como as janelas não tinham mais vidros, vedara-as
com tábuas; a luz era escassa, mas não fazia frio. Na verdade, era um
guarda que não guardava nada; tratava, isso sim, dos cavalos da Voreux,
não tendo o menor cuidado com as ruínas de Réquillart, das quais apenas o
poço tinha serventia, como chaminé de uma fornalha que injetava ar na
galeria vizinha.
Todas as noites Mouque recebia a visita do seu amigo, o velho Boa
Morte, que regularmente dava um passeio antes do jantar. Os dois anciãos
quase não falavam, apenas umas dez palavras durante a meia hora que
passavam juntos. Mas alegrava-os estar um em companhia do outro, pensar
no passado, ruminá-lo em comum, sem recorrer às palavras. Era sempre
assim ali em Réquillart: sentavam-se lado a lado numa viga, diziam algo e
depois partiam pelo caminho do sonho, os olhos postos.na terra. Com isso
sentiam-se rejuvenescer. Em volta deles os rapazes levantavam as saias das
namoradas, cochichavam entre risos e beijos, um cheiro quente de mulher
subia por entre o frescor da grama machucada. Fora atrás da mina, quarenta
e três anos antes, que o velho Boa-Morte possuíra sua mulher, uma
operadora de vagonetes tão magra que ele tinha que colocá-la sobre um
vagonete para poder beijá-la à vontade. Ah, os bons tempos! E os dois
velhos, balançando a cabeça, separavam-se enfim, muitas vezes sem se
despedirem.
Naquela noite, porém, no momento em que Etienne chegava, o
velho Boa-Morte levantava-se da viga para voltar ao conjunto habitacional,
e estava dizendo a Mouque:
— Boa noite, meu velho... Escuta aqui, conheceste a Ruiva?
Mouque ficou um momento calado, deu de ombros e disse, entrando em
casa:
— Boa noite, boa noite, meu velho.
Etienne, por seu turno, sentou-se na viga. Estava cada vez mais
triste, sem saber por quê. O velho que via pelas costas fazia que se
lembrasse da sua chegada pela manhã, do borbotão de palavras que o vento
enervante arrancara daquele homem soturno. Quanta miséria! E todas essas
moças esfalfadas, tolas bastante para, à noite, ainda se porem a fazer filhos,
mais carne para trabalhar e sofrer! Isso não terminaria nunca se
continuassem assim, a produzir mortos de fome. Antes, não seria melhor
que arrolhassem o ventre e juntassem as pernas ante a aproximação da
desgraça? Talvez a causa de todos esses pensamentos lúgubres e confusos
fosse proveniente da sua solidão entediada, enquanto os outros, àquela hora,
andavam aos pares, gozando a vida. A temperatura abafada pesava sobre
ele, gotas de chuva ainda raras começaram a cair-lhe nas mãos febris. Não
havia dúvida, todas elas se entregavam ao prazer, era uma compulsão.
E como Etienne permanecesse sentado, imóvel no escuro, um casal
que vinha de Montsou roçou nele sem contudo notá-lo e embrenhou-se no
terreno baldio de Réquillart. A moça, certamente uma virgem, debatia-se,
resistia, suplicava em voz baixa; o rapaz, silencioso, implacável,
empurrava-a para as trevas de um canto do galpão que ainda estava em pé e
onde havia um monte de cordame bolorento. A dupla era Catherine e o
espadaúdo Chaval, que Etienne não reconhecera ao passar, mas seguira com
o olhar, esperando pelo fim da história, presa de uma sensualidade que
mudava o curso de suas reflexões. Para que intervir? Quando elas dizem
não, é porque gostam de apanhar antes do ato.
Ao deixar o conjunto habitacional dos Deux-Cent-Quarante,
Catherine tinha ido a Montsou pela estrada. Desde os dez anos, desde que
ganhava a vida na mina, andava pela região sempre sozinha, na mais
completa liberdade, típica das famílias dos carvoeiros. E, se chegara aos
quinze anos sem ter sido possuída, era graças ao tardio acordar da sua
puberdade, cuja eclosão ainda aguardava. Ao passar pelos depósitos da
companhia, atravessou a rua e entrou na casa de uma lavadeira, onde tinha
certeza de encontrar a filha de Mouque, pois sabia que esta sempre estava
ali, entre mulheres que, da manhã à noite, ofereciam rodadas de café umas
às outras. Desta vez, no entanto, Catherine calculara mal; realmente a outra
estava na casa da lavadeira, mas acabava de pagar a sua rodada e não pôde
emprestar-lhe os dez soldos prometidos. Para consolá-la, em vão lhe
ofereceram um copo de café quentinho. Ela nem mesmo quis que a
companheira pedisse o dinheiro a outra mulher. Veio-lhe à cabeça uma ideia
de economia, uma espécie de temor supersticioso, a certeza de que, se
comprasse a tal fita agora, ela lhe traria desgraça.
Apressou-se em tomar o caminho de volta e já passava pelas duas
últimas casas de Montsou quando um homem parado na porta do Café
Piquette a chamou.
— Ei, Catherine, aonde vais com tanta pressa?
Era Chaval. Sentiu-se contrariada, não porque ele lhe desagradasse,
mas porque não estava com vontade de conversar.
— Vem, convido-te a beber alguma coisa. Um copinho de licor,
queres?
Delicadamente, agradeceu: estava anoitecendo, esperavam-na em
casa. Ele avançou para o meio da rua e começou a falar em voz baixa,
suplicante. Há muito tempo que planejara fazê-la subir ao seu quarto, no
primeiro andar do Café Piquette, uma bela peça com cama de casal. Então,
tinha medo dele? Por que dizia sempre não? Ela, inocente, ria, dizendo que
iria na semana em que as crianças não vingassem. Em seguida, pulando de
um assunto a outro, falou, não se sabe como, da fita azul que não pudera
comprar.
— Mas eu vou dar-te uma! — exclamou ele.
Ela corou, sentindo que devia dizer não, outra vez, mas no fundo
aguilhoada pelo enorme desejo de obter sua fita. Voltou-lhe a ideia de um
empréstimo, terminou por aceitar, mas com a condição de pagar-lhe mais
tarde a importância gasta. Isso foi motivo para outra brincadeira: sim,
devolveria o dinheiro, mas só se não dormisse com ele. Nesse ponto
sobreveio outra dificuldade, ele falou em ir ao Maigrat.
— Não, ao Maigrat não, mamãe não quer.
— Ora, ora! É preciso dizer aonde foste? Maigrat tem as fitas mais
bonitas de Montsou.
Quando Maigrat viu entrar na sua loja aquele par, mais parecendo
dois namorados comprando o presente de núpcias, ficou muito vermelho e
mostrou as peças de fita azul com a raiva de um homem desprezado. Depois
de atendê-los, pôs-se à porta para observar os dois jovens afastando-se no
crepúsculo. Nisto surgiu sua mulher, que, com voz tímida, pediu-lhe um
esclarecimento; descarregou seu ódio sobre ela, injuriou-a, gritou que um
dia todos esses ingratos haviam de se arrepender quando os tivesse aos pés,
lambendo-lhe as botas.
Catherine, acompanhada de Chaval, alto e forte, seguiu pela
estrada. Caminhavam lado a lado, ele de braços balançando mas
empurrando-a levemente com o quadril, dirigindo-a sub-repticiamente. De
repente ela notou que ele a fizera sair da estrada e se embrenhavam juntos
pelo estreito caminho que ia terminar em Réquillart. Não teve tempo de
zangar-se: ele já a agarrava pela cintura, aturdindo-a com uma torrente de
palavras carinhosas. Que boba era de ter medo! Que mal podia ele fazer a
uma Coisinha mimosa daquela, mais macia do que a seda, tão tenrinha que
poderia comê-la? Ela sentia arrepios por todo o corpo, sentindo a respiração
do homem no pescoço. Arrebatada, não encontrava resposta. Uma coisa era
verdade, ele parecia amá-la. Ainda sábado à noite, depois de apagar a vela,
interrogara-se sobre o que aconteceria se ele a agarrasse assim; depois,
dormindo, sonhara que, frouxa de prazer, não dizia mais não. Então por que,
hoje, à mesma ideia, sentia repugnância e desgosto? Enquanto ele lhe fazia
cócegas na nuca com o bigode, e com tal jeito que ela fechava os olhos, a
sombra de um outro homem, do rapaz que conhecera pela manhã, voltejava
no escuro de suas pálpebras cerradas.
Quando Catherine olhou em volta, deu-se conta de que Chaval a
conduzira para os escombros de Réquillart. Recuou fremindo ante as trevas
do galpão desmoronado.
— Não, não! Pelo amor de Deus, deixa-me ir embora!
O medo do macho enlouquecia-a, esse medo que retesa os músculos
das mulheres — o instinto de defesa —, mesmo quando estão incendiadas
de desejo e sentem a aproximação triunfante do homem. Sua virgindade,
que, aliás, já sabia tudo, aterrorizava-se sob a ameaça de um golpe, de um
ferimento cuja dor futura temia.
— Não, não, já disse que não quero! Tu sabes que ainda sou muito
moça. Juro! Mais tarde sim, quando eu estiver um pouco mais madura...
Ele respondeu com um rosnar surdo:
— Boba! assim ainda é melhor... não há perigo algum.
E não falou mais. Agarrou-a com força, atirando-a para dentro do
galpão. Ela caiu de costas sobre as cordas velhas, não fez mais qualquer
gesto de defesa e submeteu-se ao macho, sem ter idade para isso, com a
humildade hereditária com que, desde a infância, entregam-se, mesmo ao ar
livre, as moças da sua raça. Seu balbuciar assustado extinguiu-se, não se
ouvia mais que a respiração ofegante do homem.
Etienne escutou tudo sem se mover. Mais uma que entrava na roda!
E, agora que já assistira à comédia, levantou-se invadido pelo mal-estar, por
uma espécie de excitação ciumenta onde predominava a cólera. Não se deu
mais ao incômodo de ser discreto, saltou por cima das vigas: aqueles dois
estavam ocupados demais para o notarem. Mas ficou surpreso ao voltar-se,
depois de ter caminhado uns cem passos pela estrada, vendo que já estavam
de pé e pareciam, como ele, dirigir-se ao conjunto habitacional. O homem
abraçara novamente a moça pela cintura, cingindo-a com ar de
reconhecimento, falando-lhe sempre ao ouvido. Era ela quem parecia
apressada, querendo voltar logo para casa, com gestos zangados, sobretudo
pela demora.
Etienne começou então a ser espicaçado pelo desejo de ver seus
rostos. Mas isso era idiota! Apressou o passo para não sucumbir à tentação.
Mas seus pés se tornavam lentos por si mesmos; ele acabou, ao passar pelo
primeiro lampião de rua, por se esconder na sombra. Ficou paralisado de
espanto ao reconhecer de passagem Catherine e Chaval. Chegou a não
acreditar: seria mesmo ela essa mocinha de vestido azul-escuro e touca?
Essa seria o garotinho que vira pela manhã de calças e lenço de pano
grosseiro amarrado à cabeça? Eis por que ao passar, roçando-o, não a
reconhecera... Não, não duvidava mais, eram bem os seus olhos, aquela
limpidez esverdeada de água de fonte, clara e profunda... Que devassa!
Sentiu um desesperado desejo de vingar-se dela, sem outro motivo que o
desprezo. Ah! como estava horrível com aquelas roupas de mulher!
Catherine e Chaval tinham passado lentamente. Não sabiam que
estavam sendo espiados, ele puxava-a muito moça. Juro! Mais tarde sim,
quando eu estiver um pouco mais madura... para si, beijando-a no pescoço,
ela começava a entregar-se novamente às carícias que lhe davam
cócegas.
Tendo ficado para trás, Etienne foi obrigado a segui-los, irritado por
tê-los à sua frente, obrigado a assistir àquelas cenas que o exasperavam.
Então era verdade o que ela dissera de manhã: ainda não tinha amante.
Apesar de ela ter jurado, não acreditara, mas assim mesmo privara-se de
possuí-la para não fazer papel de canalha, como o outro. E agora ela
acabava de ganhar um amante bem nas suas barbas! E ele, que chegara a
ponto de divertir-se, de se excitar, vendo-os! Parecia que ia ficar louco,
cerrava os punhos, sua vontade era destroçar aquele homem, numa dessas
vontades de matar que o cegavam.
O passeio durou uma meia hora. Ao aproximar-se da Voreux, o
casal caminhou ainda mais vagarosamente, parando duas vezes à beira do
canal, três vezes ao longo do aterro, muito alegre, fazendo gracinhas um
para o outro. Etienne também tinha de parar à medida que os outros dois o
faziam, com receio de ser visto. Esforçava-se para não ter mais aquele
desgosto brutal, sabia agora que devia tratar as moças com delicadeza.
Depois de ter passado pela Voreux, podendo enfim ir jantar no Rasseneur,
continuou a segui-los até o conjunto habitacional e ali ficou, em pé,
escondido no escuro, esperando que Chaval deixasse Catherine entrar em
casa. Quando esteve seguro de que já se haviam separado, continuou a
caminhar para a frente, estrada de Marchiennes afora, cego, sem pensar em
nada, demasiadamente sufocado e triste para encerrar-se num quarto.
Só uma hora mais tarde, lá pelas nove, voltou a atravessar o
conjunto habitacional, repetindo-se que era preciso comer e dormir se
queria estar de pé às quatro da manhã. O lugarejo dormia engolfado na
noite. Nenhum clarão varava as persianas fechadas. O extenso casario fazia
uma reta, num sono pesado de caserna que ressona. De repente, um gato
correu entre os jardins vazios. Era o fim do dia, com o aniquilamento dos
trabalhadores que caíam da mesa para a cama, embrutecidos pelo cansaço e
pela comida.
No estabelecimento de Rasseneur a sala estava iluminada e um
mecânico e dois operários do turno do dia bebiam cerveja. Antes de entrar,
Etienne parou para lançar um último olhar às trevas. Encontrou a mesma
negra imensidão da madrugada em que chegara, trazido pela ventania.
Diante dele ali estava a Voreux, agachada com seu ar de fera ávida,
dissimulada, entrevista apenas através da luz baça de alguns lampiões. As
três fogueiras do aterro refulgiam no ar, iguais a luas sanguinolentas,
ressaltando por momentos os perfis descomunais do velho Boa-Morte e do
seu cavalo baio. Para além, na planície rasa, tudo estava submerso em
sombras: Montsou, Marchiennes, a floresta de Vandame, o vasto mar de
beterrabas e trigo. Como faróis longínquos furando a treva permaneciam
apenas as chamas azuis dos altos-fornos e as labaredas vermelhas das
fornalhas de coque. E a noite avançava, agora acompanhada de uma chuva
lenta e contínua que submergia esse nada no seu tamborilar monótono. Mas
outro ruído persistia, a respiração grossa e compassada da bomba de sucção,
que resfolegava dia e noite.
continua na página 116...
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Segunda Parte - (V.b) Bébert nunca era admitido
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O pai de Zola tinha 44 anos quando conheceu Émilie-Aurélie Aubert, numa de suas viagens a Paris. Apesar da grande diferença de idade — a moça não chegara aos vinte anos —, acabaram casando — se. O resultado dessa união foi Émile Zola, nascido em 12 de abril de 1840, durante uma estada do casal em Paris. O menino mal conheceu o pai: em 1847, François faleceu.
As coisas ficaram difíceis. Sozinha e com grandes esforços, a mãe procurou equilibrar o orçamento doméstico e fazer que o filho estudasse. De certa forma, ela teve sucesso: Zola foi aluno do Colégio Notre-Dame e do Colégio de Aix. Quando o rapaz atingiu a maioridade, partiu com Émilie para Paris e, graças a um amigo da família, conseguiu um emprego na Alfândega.
Em dezembro de 1859, concluía sua primeira obra em prosa, Les Grisettes de Provence (As Costureirinhas de Provença). Continuava, porém, desconhecido e insatisfeito. Ele mesmo costumava dizer: "Ser sempre desconhecido é chegar a duvidar de si; nada engrandece os pensamentos de um autor como o sucesso".
Assim, no início de 1866, deixou o emprego para dedicar-se à literatura.
Abandonou o romantismo de seus anos de adolescência e passou a admirar outros autores: Balzac (1799-1850), Stendhal (1783-1842), Flaubert (1821-1880). Essa guinada para o realismo devia-se principalmente às suas últimas leituras: das teorias evolucionistas de Darwin (1809-1882) até o Tratado da Hereditariedade Natural do Dr. Lucas, passando pela Filosofia da Arte de Taine (1328-1893). No entanto, o que parece tê-lo feito decidir-se pelo realismo foi a Introdução ao Estudo da Medicina Experimental (1865), de Claude Bernard (1813-1878). Essa obra foi importante para o rumo que Zola imprimiria a toda a sua obra: o rigor científico no romance, cujo objetivo, diria ele, é o mesmo das experiências de laboratório, isto é, o conhecimento da realidade. O que Claude Bernard havia feito com o corpo humano Zola faria com as paixões e os meios sociais.
Para fazer Germinal, Zola não se satisfez com a simples busca de documentos. Foi passar alguns meses numa região mineira. Morou em cortiços, bebeu cerveja e genebra nos botequins e desceu ao fundo dos poços para observar de perto o trabalho dos operários. Aos poucos foi se familiarizando com o meio onde viviam aqueles homens. Descobriu quais as principais doenças causadas pela mineração. Sentiu o problema dos baixos salários, os sacrifícios dos mineiros, a gota que cai com uma regularidade incrível sobre seus rostos, a dificuldade de empurrar um vagonete por um corredor estreito, o drama do salto na escuridão que eles têm de dar para poderem sobreviver. Numa passagem admirável, descreve a emoção de uma greve de operários. Mostra seu ódio animal. Um ódio que destrói tudo à sua passagem. Uma violência viva nos corpos que querem libertar-se, mesmo à custa da total destruição. Mostra também o amor feito sobre o carvão, os pequenos dramas das dívidas, as brigas no cortiço, a promiscuidade de pais e filhos em casas muito pequenas. A obra obteve enorme repercussão.
Em 29 de setembro de 1901, em Paris, Émile Zola morre asfixiado pelo gás do aquecedor.
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