baitasar
desvio minha atenção da girafa, encaro a turma de vinte e cinco gigantes, entre seis e sete anos, ficamos em silêncio nos olhando, eles e elas a mim, eu a eles e elas, exploração e especulação mútuas, minhas mãos apoiadas em cima da fórmica verde, caderno de chamada fechado, observo essas crianças agigantadas, sou o professor Minimus, o mundo daquela sala de aula está de cabeça para baixo, o professor à beira de um colapso, um pesadelo desenfreado, O que fazer? Como fazer? Quem é mais irresponsável? Eu... por ter aceitado? A Rachel por ter pedido? A indiferença do prefeito... eleito com o voto desses mesmos pais e mães? Ah, o aprendizado do voto...
as crianças estão gigantescas
eu, o professor, encolhi a tamanho liliputiano, estou desmontado, o mesmo professor, mas me enxergo com quinze centímetros de altura, uma girafa ciclópica me encarando, na minha frente, crianças com corpos de titãs e corações imprevisíveis
o último educador disponível da escola e preciso ser uma esperança, pelo menos, para mim mesmo
havia sido um estimado professor de educação física, agora, com a voz trêmula e corpo minúsculo, preciso dedicar meus últimos dias a alfabetizar crianças liliputianas nas catacumbas da sala de aula, a ilha da escola pública virou um brinquedo sem memória, parece que jamais existiu uma outra escola, ao menos, é como que tentam nos convencer
sabia que um dia escaparia, mas não sabia como
por agora, talvez fosse possível usar o alfabeto das plantas usado para me comunicar com abelhas mensageiras
o último educador disponível da escola e preciso ser uma esperança, pelo menos, para mim mesmo
havia sido um estimado professor de educação física, agora, com a voz trêmula e corpo minúsculo, preciso dedicar meus últimos dias a alfabetizar crianças liliputianas nas catacumbas da sala de aula, a ilha da escola pública virou um brinquedo sem memória, parece que jamais existiu uma outra escola, ao menos, é como que tentam nos convencer
sabia que um dia escaparia, mas não sabia como
por agora, talvez fosse possível usar o alfabeto das plantas usado para me comunicar com abelhas mensageiras
uma menina chamada Clara, com apenas seis anos, olhos brilhando como lampiões de gás, olha para baixo, as sobrancelhas franzidas, anuncia curiosa, Gente, o professor virou um bonequinho vivo em cima da mesa!
a palavra professor ecoou como um trovão, as crianças liliputianas congelaram
a palavra professor ecoou como um trovão, as crianças liliputianas congelaram
eu pulei dentro da minha mochila, um gesto dramático e ágil, mas inútil, tarde demais, Clara, com uma delicadeza monstruosa, enfiou a mão na mochila, seus dedinhos crescidos entre meus livros, cadernos, lápis e borracha, dedos do tamanho de torres me pegaram como se eu fosse uma bolachinha recheada
eu tremia, minha voz não passava de um zumbido para seus ouvidos gigantes, foi então que Clara fez algo inesperado, sentou no chão cuidadosamente, pegou um giz e começou a desenhar círculo ao meu redor, como se estivesse traçando um mapa
O senhor é... real, perguntou entre sussurros e gritos
apesar do medo, vi uma oportunidade, subi no giz e gritei a pleno pulmões, Você pode me ajudar?
Eu ajudo, respondeu
ninguém vai acreditar, claro, mas naquela antiga sala de aula, escondida entre mesas e cadeiras de fórmica verde, existe uma pequena passagem com uma placa pregada em uma agulha, como um anúncio do que já existiu, "Escola Cidadã, turma aos domingos, onde conhecimento é maior que tamanho, é curiosidade esperançosa!"
Professor!
olho para cima, procuro quem me chamou, Quem me chamou, silêncio, vejo suas mãos apoiadas nos seus cadernos abertos sobre a fórmica verde, lápis na mão, borracha, estojo com capetinhas coloridas
eu tinha a girafa, e mais nada, somos nós, os humanos, que jogamos bombas e matamos, caçamos e jogamos as girafas nos zoológicos
Crianças, vocês sabem com que letrinha começa a palavra GIRAFA?
silêncio
imobilidade anônima, não há o alvoroço das mãos erguidas, o desejo de responder não se mostra, descubro a inutilidade do saber do apedeuta da alfabetização, ilegítimo e inautêntico
continuo insistindo suave, consciente de ser um estorvo
um suspiro de alívio quando o aviso para o intervalo do recreio interrompe minhas tentativas
crianças correndo alegres pelo pátio
professor voando pelos corredores em busca de socorro, sento ao lado da professora Ana Maria, eu e ela, dividimos o atendimento das duas turmas, depois do recreio ela irá ficar com a minha turma, eu ficarei com a turma que ela atendeu antes do recreio, trocaremos o atendimento das turmas, Aninha, minha aula não funcionou.
É mesmo? O que aconteceu?
faço um rápido resumo, entre goles de água e café, dispomos de menos de quinze minutos de intervalo, Marko! A letra gê? Santo Deus, coitadinhas das crianças!
não fico em silêncio, faço questão de me mostrar por inteiro, Não estou entendendo, Aninha. Por que tanto espanto?
Marko, a letra g tem possibilidades de escrita e som que não devem ser usadas antes do aeiou, por exemplo, as vogais, entendeu? Ela pode ser o ga, ge, gi, go, gu, mas também tem o gua, gue, gui... vou parando por aqui.
E o que eu faço? Fiquei sabendo hoje que faria dupla contigo, meu olhar deve estar muito suplicante, ela sorri, estende a mão com algumas folhas em branco, O que é isso, pergunto
lembro do poema em linha reta, nunca conheci professor que não tivesse errado, todos e todas somos campeões do improviso, e tantas e tantas vezes me senti um parasita sujo, apesar de tudo, tenho tido tanta paciência, mesmo parecendo ridículo e absurdo entre tapetes e etiquetas, planejando e registrando aulas em casa, às vezes, isso me soa mesquinho e grotesco, outras tantas, submisso e arrogante, tenho colegas sofrendo enxovalhos e ficam calados, não querem parecer mais ridículos ainda, sinto o piscar nos olhos dos moços e moças enquanto estou pedindo emprestado algumas aulas, sofrendo a angústia das pequenas coisas ridículas descubro que tenho par neste mundo da escola, essa professora me sorri e confessa que já teve ato ridículo, sofreu enxovalho, tenho sorte de ouvir de alguém a voz humana, ainda há gente no mundo, descubro que fui ridículo sem ter traído
Depois do recreio, você vai ficar com a minha turma, certo?
Isso...
Então, distribui essas folhas em branco, uma folha para cada criança. Pede para elas desenharem e riscarem enquanto você observo elas segurando o lápis, é isso, deixa elas riscando, desenhando, pintando. Observa se elas sabem segurar o lápis. E faça as intervenções que achar necessárias.
Não sei... não estou confiante...
Marko, sem choradeira e pânico, recomeça onde parei. Continua introduzindo o som e a forma das letras, mas sem pressa. E insiste na brincadeira de reconhecer as letras iniciais do próprio nome. O desafio é relacionar som e grafia da letra inicial do nome, estimula a percepção dos sons.
descubro que dei passos largos em direção ao ridículo e que estou traindo essas crianças, esse não sou eu, não é possível aprender em quinze minutos de recreio o conhecimento e a prática de anos alfabetizando, amorosidade sem competência educativa não trata com a seriedade que merece o sonho de juntos mudar o mundo, O que procuro, ainda que não encontre? E o que essas crianças buscam? Esperança? Aprender a compreender? Tenho o direito de fazer ou continuar um discurso incompreensível em nome do discurso acadêmico?
não posso cair no simplismo, na tentação da meia verdade, nem negar que a simplicidade faz inteligível a beleza do mundo ético, não tenho o direito de cruzar os braços
Caso você ache viável, avance nas habilidades motoras com mais atividades de pintar e recortar...
Recortar o quê?
Pegue essas tesouras sem ponta, cola e cartolinas. Elas já estavam recortando e colando as letras do alfabeto, acho que minha boca aberta e olhar cismado provocou surpresa na professora Aninha, É só continuar... podem colorir também.
o sinal
acabou o recreio
O senhor é... real, perguntou entre sussurros e gritos
apesar do medo, vi uma oportunidade, subi no giz e gritei a pleno pulmões, Você pode me ajudar?
Eu ajudo, respondeu
ninguém vai acreditar, claro, mas naquela antiga sala de aula, escondida entre mesas e cadeiras de fórmica verde, existe uma pequena passagem com uma placa pregada em uma agulha, como um anúncio do que já existiu, "Escola Cidadã, turma aos domingos, onde conhecimento é maior que tamanho, é curiosidade esperançosa!"
Professor!
olho para cima, procuro quem me chamou, Quem me chamou, silêncio, vejo suas mãos apoiadas nos seus cadernos abertos sobre a fórmica verde, lápis na mão, borracha, estojo com capetinhas coloridas
eu tinha a girafa, e mais nada, somos nós, os humanos, que jogamos bombas e matamos, caçamos e jogamos as girafas nos zoológicos
Crianças, vocês sabem com que letrinha começa a palavra GIRAFA?
silêncio
imobilidade anônima, não há o alvoroço das mãos erguidas, o desejo de responder não se mostra, descubro a inutilidade do saber do apedeuta da alfabetização, ilegítimo e inautêntico
continuo insistindo suave, consciente de ser um estorvo
um suspiro de alívio quando o aviso para o intervalo do recreio interrompe minhas tentativas
crianças correndo alegres pelo pátio
professor voando pelos corredores em busca de socorro, sento ao lado da professora Ana Maria, eu e ela, dividimos o atendimento das duas turmas, depois do recreio ela irá ficar com a minha turma, eu ficarei com a turma que ela atendeu antes do recreio, trocaremos o atendimento das turmas, Aninha, minha aula não funcionou.
É mesmo? O que aconteceu?
faço um rápido resumo, entre goles de água e café, dispomos de menos de quinze minutos de intervalo, Marko! A letra gê? Santo Deus, coitadinhas das crianças!
não fico em silêncio, faço questão de me mostrar por inteiro, Não estou entendendo, Aninha. Por que tanto espanto?
Marko, a letra g tem possibilidades de escrita e som que não devem ser usadas antes do aeiou, por exemplo, as vogais, entendeu? Ela pode ser o ga, ge, gi, go, gu, mas também tem o gua, gue, gui... vou parando por aqui.
E o que eu faço? Fiquei sabendo hoje que faria dupla contigo, meu olhar deve estar muito suplicante, ela sorri, estende a mão com algumas folhas em branco, O que é isso, pergunto
lembro do poema em linha reta, nunca conheci professor que não tivesse errado, todos e todas somos campeões do improviso, e tantas e tantas vezes me senti um parasita sujo, apesar de tudo, tenho tido tanta paciência, mesmo parecendo ridículo e absurdo entre tapetes e etiquetas, planejando e registrando aulas em casa, às vezes, isso me soa mesquinho e grotesco, outras tantas, submisso e arrogante, tenho colegas sofrendo enxovalhos e ficam calados, não querem parecer mais ridículos ainda, sinto o piscar nos olhos dos moços e moças enquanto estou pedindo emprestado algumas aulas, sofrendo a angústia das pequenas coisas ridículas descubro que tenho par neste mundo da escola, essa professora me sorri e confessa que já teve ato ridículo, sofreu enxovalho, tenho sorte de ouvir de alguém a voz humana, ainda há gente no mundo, descubro que fui ridículo sem ter traído
Depois do recreio, você vai ficar com a minha turma, certo?
Isso...
Então, distribui essas folhas em branco, uma folha para cada criança. Pede para elas desenharem e riscarem enquanto você observo elas segurando o lápis, é isso, deixa elas riscando, desenhando, pintando. Observa se elas sabem segurar o lápis. E faça as intervenções que achar necessárias.
Não sei... não estou confiante...
Marko, sem choradeira e pânico, recomeça onde parei. Continua introduzindo o som e a forma das letras, mas sem pressa. E insiste na brincadeira de reconhecer as letras iniciais do próprio nome. O desafio é relacionar som e grafia da letra inicial do nome, estimula a percepção dos sons.
descubro que dei passos largos em direção ao ridículo e que estou traindo essas crianças, esse não sou eu, não é possível aprender em quinze minutos de recreio o conhecimento e a prática de anos alfabetizando, amorosidade sem competência educativa não trata com a seriedade que merece o sonho de juntos mudar o mundo, O que procuro, ainda que não encontre? E o que essas crianças buscam? Esperança? Aprender a compreender? Tenho o direito de fazer ou continuar um discurso incompreensível em nome do discurso acadêmico?
não posso cair no simplismo, na tentação da meia verdade, nem negar que a simplicidade faz inteligível a beleza do mundo ético, não tenho o direito de cruzar os braços
Caso você ache viável, avance nas habilidades motoras com mais atividades de pintar e recortar...
Recortar o quê?
Pegue essas tesouras sem ponta, cola e cartolinas. Elas já estavam recortando e colando as letras do alfabeto, acho que minha boca aberta e olhar cismado provocou surpresa na professora Aninha, É só continuar... podem colorir também.
o sinal
acabou o recreio
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