Apolodoro[1] e um Companheiro
Na pausa de Pausânias - pois assim me ensinam os sábios a
falar, em termos iguais - disse Aristodemo que devia falar
Aristófanes, mas tendo-lhe ocorrido, por empanturramento ou
por algum outro motivo, um acesso de soluço, não podia ele
falar; mas disse ele ao médico Erixímaco, que se reclinava logo
abaixo dele: - Ó Erixímaco, és indicado para ou fazer parar o
meu soluço ou falar em meu lugar, até que eu possa parar com
ele. E Erixímaco respondeu-lhe:
- Farei as duas coisas: falarei em teu lugar e tu, quando
acabares com isso, no meu. E enquanto eu estiver falando,
vejamos se, relendo tu o fôlego por muito tempo, quer parar o
teu soluço; serão, gargareja com água. Se então ele é muito
forte, toma algo com que possas coçar o nariz e espirra; se
fizeres isso duas ou três vezes, por mais forte que seja, ele
cessará. - Não começarás primeiro o teu discurso, disse
Aristófanes; que eu por mim é o que farei.
Disse então Erixímaco:
“Parece-me em verdade ser necessário,
uma vez que Pausânias, apesar de se ter lançado bem ao seu
discurso, não o rematou convenientemente, que eu deva tentar
pôr-lhe um remate. Com efeito, quanto a ser duplo o Amor, parece-me que foi uma bela distinção; que porém não está ele
apenas nas almas dos homens, e para com os belos jovens, mas
também nas outras partes, e para com muitos outros objetos,
nos corpos de todos os outros animais, nas plantas da terra e
por assim dizer em todos os seres é o que creio ter constatado
pela prática da medicina, a nossa arte; grande e admirável é o
deus, e a tudo se estende ele, tanto na ordem das coisas
humanas como entre as divinas. Ora, eu começarei pela
medicina a minha fala, a fim de que também homenageemos a
arte. A natureza dos corpos, com efeito, comporta esse duplo
Amor; o sadio e o mórbido são cada um reconhecidamente um
estado diverso e dessemelhante, e o dessemelhante deseja e
ama o dessemelhante. Um portanto é o amor no que é sadio, e
outro no que é mórbido. E então, assim como há pouco
Pausânias dizia que aos homens bons é belo aquiescer, e aos
intemperantes é feio, também nos próprios corpos, aos
elementos bons de cada corpo e sadios é belo o aquiescer e se
deve, e a isso é que se o nome de medicina, enquanto que aos
maus e mórbidos é feio e se deve contrariar, se vai ser um
técnico. É com efeito a medicina, para falar em resumo, a
ciência dos fenômenos de amor, próprios ao corpo, no que se
refere à evacuação, e o que nestes fenômenos reconhece o belo
amor e o feio é o melhor médico; igualmente, aquele que faz
com que eles se transformem, de modo a que se adquira um em
vez do outro, e que sabe tanto suscitar amor onde não há mas
deve haver, como eliminar quando há, seria um bom
profissional. É de fato preciso ser capaz de fazer com que os
elementos mais hostis no corpo fiquem amigos e se amem
mutuamente. Ora, os mais hostis são os mais opostos, como o
frio ao quente, o amargo ao doce, o seco ao úmido, e todas as
coisas desse tipo; foi por ter entre elas suscitado amor e
concórdia que o nosso ancestral Asclépio, como dizem estes
poetas aqui e eu acredito, constituiu a nossa arte. A medicina
portanto, como estou dizendo, é toda ela dirigida nos traços
deste deus, assim como também a ginástica e a agricultura; e
quanto à música, é a todos evidente, por pouco que se lhe
preste atenção, que ela se comporta segundo esses mesmos
princípios, como provavelmente parece querer dizer Heráclito,
que aliás em sua expressão não é feliz. O um, diz ele com
efeito, “discordando em si mesmo, consigo mesmo concorda,
como numa harmonia de arco e lira”. Ora, é grande absurdo
dizer que uma harmonia está discordando ou resulta do que
ainda está discordando. Mas talvez o que ele queria dizer era o
seguinte, que do agudo e do grave, antes discordantes e posteriormente combinados, ela resultou, graças à arte musical.
Pois não é sem dúvida do agudo e do grave ainda em
discordância que pode resultar a harmonia; a harmonia é
consonância, consonância é uma certa combinação — e
combinação de discordantes, enquanto discordam, é impossível,
e inversamente o que discorda e não combina é impossível
harmonizar —assim como também o ritmo, que resulta do
rápido e do certo, antes dissociados e depois combinados. A
combinação em todos esses casos, assim como lá foi a
medicina, aqui é a música que estabelece, suscitando amor e
concórdia entre uns e outros; e assim, também a música, no
tocante à harmonia e ao ritmo, é ciência dos fenômenos
amorosos. Aliás, na própria constituição de uma harmonia e de
um ritmo não é nada difícil reconhecer os sinais do amor, nem
de algum modo há então o duplo amor; quando porém for
preciso utilizar para o homem uma harmonia ou um ritmo, ou
fazendo-os, o que chamam composição, ou usando
corretamente da melodia e dos metros já constituídos, o que se
chamou educação, então é que é difícil e que se requer um bom
profissional. Pois de novo reveem a mesma ideia, que aos
homens moderados, e para que mais moderados se tornem os
que ainda não sejam, deve-se aquiescer e conservar o seu
amor, que é o belo, o celestial, o Amor da musa Urânia; o outro,
o de Polímnia, é o popular, que com precaução se deve trazer
àqueles a quem se traz, a fim de que se colha o seu prazer sem
que nenhuma intemperança ele suscite, tal como em nossa arte
é uma importante tarefa o servir-se convenientemente dos
apetites da arte culinária, de modo a que sem doença se colha o
seu prazer. Tanto na música então, como na medicina e em
todas as outras artes, humanas e divinas, na medida do
possível, deve-se conservar um e outro amor; ambos com efeito
nelas se encontram. De fato, até a constituição das estações do
ano está repleta desses dois amores, e quando se tomam de um
moderado amor um pelo outro os contrários de que há pouco eu
falava, o quente e o frio, o seco e o úmido, e adquirem uma
harmonia e uma mistura razoável, chegam trazendo bonança e
saúde aos homens, aos outros animais e às plantas, e nenhuma
ofensa fazem; quando porém é o Amor casado com a violência
que se torna mais forte nas estações do ano, muitos estragos
ele faz, e ofensas. Tanto as pestes, com efeito, costumam
resultar de tais causas, como também muitas e várias doenças
nos animais como nas plantas; geadas, granizos e alforras
resultam, com efeito, do excesso e da intemperança mútua de
tais manifestações do amor, cujo conhecimento nas translações dos astros e nas estações do ano chama-se astronomia. E ainda
mais, não só todos os sacrifícios, como também os casos a que
preside a arte divinatória — e estes são os que constituem o
comércio recíproco dos deuses e dos homens — sobre nada
mais versam senão sobre a conservação e a cura do Amor. Toda
impiedade, com efeito, costuma advir, se ao Amor moderado
não se aquiesce nem se lhe tributa honra e respeito em toda
ação, e sim ao outro, tanto no tocante aos pais, vivos e mortos,
quanto aos deuses; e foi nisso que se assinou à arte divinatória
o exame dos amores e sua cura, e assim é que por sua vez é a
arte divinatória produtora de amizade entre deuses e homens,
graças ao conhecimento de todas as manifestações de amor
que, entre os homens, se orientam para a justiça divina e a
piedade.
Assim, múltiplo e grande, ou melhor, universal é o poder que
em geral tem todo o Amor, mas aquele que em torno do que é
bom se consuma com sabedoria e justiça, entre nós como entre
os deuses, é o que tem o máximo poder e toda felicidade nos
prepara, pondo-nos em condições de não só entre nós
mantermos convívio e amizade, como também com os que são
mais poderosos que nós, os deuses. Em conclusão, talvez
também eu, louvando o Amor, muita coisa estou deixando de
lado, não todavia por minha vontade. Mas se algo omiti, é tua
tarefa, ó Aristófanes, completar; ou se um outro modo tens em
mente de elogiar o deus, elogia-o, uma vez que o teu soluço já
o fizeste cessar.”
continua página 19...
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Apolodoro e um Companheiro(d)
Apolodoro e um Companheiro(e)
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Platão (428/7-348/7 a.C.)
Nasceu em Atenas, por volta de 428/7, e era membro de uma aristocrática e ilustre família. Descendia dos antigos reis de Atenas, de Sólon e era também sobrinho de Crítias (460/403) e Cármides, dois dos "Trinta Tiranos" que governaram Atenas em -404. Lutou na Guerra do Peloponeso entre 409 e 404, e a admiração por Sócrates, que conheceu em algum momento desse período, foi decisiva em sua vida.
O seu verdadeiro nome era Arístocles, mas devido à sua compleição física recebeu a alcunha de Platão (significa literalmente "ombros largos"). Frequentou com assiduidade os ginásios, obtendo prêmios por duas vezes nos Jogos Istímicos. Começou por seguir as lições de Crátilo, discípulo de Heraclito, e as de Hermógenes, discípulo de Parménides. Em princípio, por tradição familiar deveria seguir a vida política. Contudo, a experiência do governo dos trinta tiranos que governaram Atenas por imposição de Esparta (404-403 a.C.), e da qual fazia parte dois dos seus tios Crístias e Cármides, distanciaram-no desta opção de vida, pelo menos do modo como a política era exercida. O fato que mais o marcou foi a influência que sobre ele exerceu Sócrates, tendo-se feito seu discípulo por volta de 408, quando contava vinte anos. Nele encontrou o mestre, que veio a homenagear na sua obra, fazendo-o interlocutor principal da quase totalidade dos seus diálogos.
Após a morte de Sócrates, em 399 a.C., Platão realizou inúmeras viagens, travando contato com importantes filósofos e escolas de pensamento suas contemporâneas. Em Megara, travou contato com Euclides e sua escola; no Egito, Sicília e Magna Grécia, aprofundou seus conhecimentos através do contato com a sabedoria egípcia e os ensinamentos eleáticos e pitagóricos, este último especialmente através do encontro com Arquitas de Tarento. De passagem por Siracusa, ligou-se a Díon e Dionísio, tirano de Siracusa. Estas duas personagens desempenharam papel fundamental na posterior vida política de Platão.
De volta a Atenas, fundou em 387 a Academia, passando a dedicar-se ao ensino e à composição de sua obra filosófica.
Em 365 e em 361 esteve novamente em Siracusa, a pedido do amigo Díon, numa tentativa inútil de transformar o jovem Dionísios II (-367/-342), filho e sucessor de Dionísios I, no "reifilósofo" que idealizara.
Desiludido com a dificuldade de colocar em prática suas idéias filosóficas, Platão não mais saiu de Atenas.
Durante o ultimo período da sua vida continuou a dirigir a Academia, e escreveu o Timeu, O Crítias e As Leis ,que não chegou a acabar falecendo por volta de 347.
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[1] O interlocutor de Sócrates não está só (N.T.)
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