Hannah Arendt
Parte II
IMPERIALISMO
Se eu pudesse, anexaria os planetas.
Cecil Rhodes
5.1 - A"A Nação de Minorias" e os Povos sem Estado
As modernas condições do poder, que, exceto para os Estados gigantes, transformam a
soberania nacional em pilhéria, junto com o advento do imperialismo e dos movimentos de
unificação étnica, foram fatores externos que solaparam a estabilidade do sistema europeu de
Estados-nações. Nenhum deles adviera diretamente da tradição e das instituições dos próprios
Estados-nações. Sua desintegração interna só começou após a Primeira Guerra Mundial, em
consequência do surgimento das minorias criadas pelos Tratados de Paz, e do movimento
crescente de refugiados, resultado de revoluções.
A inadequação dos Tratados de Paz tem sido frequentemente explicada pelo fato de que os seus
autores pertenciam a uma geração formada pelas experiências da era anterior à guerra, e jamais
chegaram a compreender inteiramente todo o impacto da guerra cujo armistício tiveram de
assinar. A melhor prova disso é a tentativa de resolver o problema da Europa oriental e
meridional criando Estados-nações e introduzindo tratados de minorias. Se já se podia colocar
em dúvida a prudência de estender uma forma de governo que, mesmo nos países de antiga e
estabelecida tradição nacional, não sabia como resolver os novos problemas da política mundial,
era ainda mais duvidoso que ela pudesse ser transplantada para uma área onde sequer existiam
as condições básicas para o surgimento de Estados-nações, ou seja, a homogeneidade da
população e a fixação ao solo. Mas pensar que fosse possível criar Estados-nações pelos
métodos dos Tratados de Paz era simplesmente absurdo. De fato, "basta um olhar ao mapa
etnográfico da Europa para mostrar que o princípio do Estado-nação não pode ser introduzido
na Europa oriental".[3] Os Tratados aglutinaram vários povos num só Estado, outorgaram a alguns
o status de "povos estatais" e lhes confiaram o governo, supuseram silenciosamente que os
outros povos nacionalmente compactos (como os eslovacos na Tchecoslováquia ou os croatas e
eslovenos na Iugoslávia) chegassem a ser parceiros no governo, o que naturalmente não
aconteceu,[4] e, com igual arbitrariedade, criaram com os povos que sobraram um terceiro grupo
de nacionalidades chamadas minorias, acrescentando assim aos muitos encargos dos novos
Estados o problema de observar regulamentos especiais, impostos de fora, para uma parte de sua
população.[5] Como resultado, os povos não agraciados com Estados, fossem "minorias nacionais" ou "nacionalidades", consideraram os Tratados um jogo arbitrário que dava poder a
uns, colocando em servidão os outros. Os Estados recém-criados, por sua vez, que haviam
recebido a independência com a promessa de plena soberania nacional, acatada em igualdade de
condições com as nações ocidentais, olhavam os Tratados das Minorias como óbvia quebra de
promessa e, como prova de discriminação, uma vez que somente os novos Estados, e nem
mesmo a Alemanha derrotada [com exceção do território da Silésia oriental, dividida em 1920
com a Polônia em decorrência de plebiscito], ficavam subordinados a eles.
O desconcertante vácuo de poder deixado pela dissolução da Monarquia Dual e pela libertação
da Polônia e dos países bálticos do despotismo da Rússia não foi o único fator que levou os
estadistas a essa desastrosa experiência. Muito mais importante era a impossibilidade de
continuar ignorando mais de 100 milhões de europeus que nunca haviam atingido o estágio de
liberdade nacional e de autodeterminação a que já aspiravam até os povos coloniais, mas que
lhes era negada [a esses europeus] pela manutenção de tradições políticas. Na Europa ocidental
e central, o papel do proletariado, ou seja, do grupo oprimido e historicamente sofredor, cuja
emancipação era uma questão de vida ou de morte para todo o sistema social europeu, era
representado no Leste pelos "povos sem história".[6] Os movimentos de libertação nacional do
Leste europeu eram revolucionários no mesmo sentido em que os movimentos trabalhistas do
Oeste: ambos refletiam os anseios das camadas "não-históricas" da população europeia, e ambos
lutavam por reconhecimento e participação dos grupos marginais nos negócios públicos. Como
o objetivo de todos era preservar o status quo europeu, a concessão do direito à
autodeterminação nacional e à soberania a todos os povos europeus parecia realmente
inevitável: a alternativa seria condená-los impiedosamente à posição de povos coloniais (coisa
que os movimentos de unificação étnica sempre propuseram), introduzindo assim métodos
coloniais na convivência europeia.[7]
Na verdade, porém, o status quo europeu não podia ser mantido. Só após a queda dos últimos
remanescentes da autocracia europeia ficou claro que a Europa havia sido governada por um
sistema que nunca levou em conta as necessidades de pelo menos 25% da sua população. Esse
mal, contudo, não foi sanado pela criação dos Estados sucessores dos impérios desmembrados,
porque cerca de 30% dos seus quase 100 milhões de habitantes eram oficialmente reconhecidos
como exceções a serem especialmente protegidas por tratados de minorias. Além disso, esse
algarismo de modo nenhum conta toda a história; apenas indica a diferença entre povos com
governo próprio e aqueles que supostamente eram pequenos ou dispersos demais para obterem o
direito de atingir o status pleno de nação. Assim mesmo, os Tratados das Minorias protegiam
apenas nacionalidades das quais existia um número considerável em pelo menos dois Estados
sucessórios, mas não mencionaram, deixando-as à margem de direito, todas as outras
nacionalidades sem governo próprio, concentradas num só país, de sorte que, em alguns desses
Estados, os povos nacionalmente frustrados constituíam 50% da população total.[8] O pior
aspecto dessa situação não era o fato de que se tornava natural às nacionalidades serem desleais
com o governo que lhes fora imposto, e aos governos oprimirem suas nacionalidades do modo
mais eficiente possível, e sim que a população nacionalmente frustrada estava firmemente
convencida — como, aliás, todo o mundo — de que a verdadeira liberdade, a verdadeira
emancipação e a verdadeira soberania popular só podiam ser alcançadas através da completa
emancipação nacional, e que os povos privados do seu próprio governo nacional ficariam sem a
possibilidade de usufruir dos direitos humanos. Essa convicção, baseada no conceito da
Revolução Francesa que conjugou os Direitos do Homem com a soberania nacional, era
reforçada pelos próprios Tratados das Minorias». Os quais não confiavam aos respectivos
governos a proteção das diferentes nacionalidades do país, mas entregavam à Liga das Nações a
salvaguarda dos direitos daqueles que, por motivos de negociações territoriais, haviam ficado
sem Estados nacionais próprios, ou deles separados, quando existiam.
Mas as minorias não confiavam na Liga das Nações mais do que haviam confiado ou confiariam
nos povos estatais. A Liga, afinal, era composta de estadistas nacionais, cujas simpatias
obviamente estavam com os governos e principalmente com os governos novos, que sofriam
oposição de cerca de 25% a 50% dos seus habitantes. Os criadores dos Tratados das Minorias, portanto, logo tiveram de formular
as suas reais intenções e dar uma interpretação mais precisa dos deveres das minorias em
relação aos novos Estados;[9] verificou-se, então, que os Tratados haviam sido concebidos
meramente como método indolor e supostamente humano de assimilação, e isso enfureceu as
minorias.[10] Mas não se podia esperar outra coisa de um sistema de Estados-nações soberanos; se
os Tratados das Minorias tivessem sido concebidos como algo mais do que mero remédio
temporário para uma situação caótica, sua restrição implícita à soberania nacional teria afetado a
própria soberania nacional das potências europeias mais antigas. Os representantes das grandes
nações sabiam demasiado bem que as minorias existentes num Estado-nação deviam, mais cedo
ou mais tarde, ser assimiladas ou liquidadas. E não importa se foram movidos por considerações
humanitárias de proteger contra a perseguição as nacionalidades minoritárias, ou se as
considerações políticas os levaram a opor-se a tratados bilaterais entre os Estados onde havia
minorias e os países nacionais dessas minorias (afinal, os alemães residentes fora da Alemanha
constituíam a mais forte de todas as minorias oficialmente reconhecidas, tanto em número como
em posição econômica); o fato é que não quiseram nem puderam revogar as leis às quais os
Estados-nações deviam a sua existência.[11]
Nem a Liga das Nações nem os Tratados das Minorias teriam evitado que os Estados recém
estabelecidos assimilassem as suas minorias mais ou menos à força. O fator mais poderoso
contra a assimilação era a fraqueza numérica e cultural dos chamados povos estatais. A minoria
russa ou judaica da Polônia não considerava a cultura polonesa superior à sua, e nem uma nem
outra se impressionava muito com o fato de os poloneses constituírem cerca de 60% da
população da Polônia. Amarguradas, e ignorando completamente a Liga das Nações, as nacionalidades minoritárias
logo decidiram tratar do assunto por conta própria. Agruparam-se num congresso de minorias
que, já pelo nome, contradizia a própria ideia geradora dos tratados da Liga, pois se denominou
"Congresso dos Grupos Nacionais Organizados nos Estados Europeus", anulando assim o esforço dos estadistas
despendido durante as negociações de paz para evitar a expressão "Nacional".[12] Em
consequência, todas as nacionalidades — mesmo oficialmente iguais ao povo estatal —, e não
apenas as "minorias", aderiram ao Congresso, e o número de "nações de minorias" cresceu de
modo tão considerável que, somadas, as nacionalidades minoritárias dos Estados sucessórios
superavam em número os povos estatais. Mas também sob outro aspecto o "Congresso dos
Grupos Nacionais" assestou um golpe decisivo nos tratados da Liga. Um dos mais
desconcertantes aspectos do problema das nacionalidades da Europa oriental (mais
desconcertante que o pequeno tamanho e o grande número dos povos envolvidos, ou o "cinturão
de populações mistas"[13]) era o caráter inter-regional das nacionalidades que, quando colocavam
seus interesses nacionais acima dos interesses de seus próprios governos, constituíam óbvio
perigo à segurança de seus países.[14] Os tratados da Liga haviam tentado ignorar o caráter
interestatal das minorias, assinando com cada país um tratado separado, bilateral e não
multilateral, como se não existissem minorias judaica ou germânica fora das fronteiras dos
respectivos Estados. O "Congresso dos Grupos Nacionais" não apenas colocou de lado o
princípio territorial da Liga; ele foi naturalmente dominado pelas duas nacionalidades que,
representadas em todos os Estados sucessórios dos antigos impérios, estavam em posição de
fazer sentir o seu peso em toda a Europa oriental e meridional. Esses dois grupos foram os
alemães e os judeus. As minorias alemãs da Romênia e da Tchecoslováquia votavam
naturalmente junto com as minorias alemãs da Polônia e da Hungria, da Letônia ou Lituânia, e
ninguém podia esperar que os judeus poloneses, por exemplo, permanecessem indiferentes às
práticas discriminatórias antijudaicas do governo romeno. Em outras palavras, a verdadeira base
da associação no Congresso eram os interesses nacionais de cada minoria, e não o interesse
comum de todas as minorias.[15] A harmoniosa relação entre os judeus e os alemães — até o
advento de Hitler — mantinha o congresso coeso. Mas, quando em 1933 a delegação judaica exigiu um protesto contra o tratamento dos judeus no
Terceiro Reich (moção que, a rigor, não tinha o direito de fazer, pois os judeus alemães não
eram considerados e não constituíam uma minoria), [*] os alemães nacionalmente minoritários
anunciaram sua solidariedade com a Alemanha, já nazista, e conseguiram o apoio da maioria
das delegações dos grupos minoritários, que abraçaram o antissemitismo, florescente em todos
os Estados sucessórios. O Congresso, abandonado para sempre pela delegação judaica,
mergulhou desde então em completa insignificância.
A verdadeira importância dos Tratados das Minorias não está na sua aplicação prática, mas no
fato de que eram garantidos por uma entidade internacional, a Liga das Nações. Minorias
haviam existido antes,[16] mas a minoria como instituição permanente, o reconhecimento de que
milhões de pessoas viviam fora da proteção legal normal e normativa, necessitando de uma
garantia adicional dos seus direitos elementares por parte de uma entidade externa, e a admissão
de que esse estado de coisas não era temporário, mas que os Tratados eram necessários para
criar um modus vivendi duradouro — tudo isso constituía novidade na história europeia, pelo
menos em tal escala. Os Tratados das Minorias diziam em linguagem clara aquilo que até então
era apenas implícito no sistema operante dos Estados-nações, isto é, que somente os "nacionais"
podiam ser cidadãos, somente as pessoas da mesma origem nacional podiam gozar de toda a
proteção das instituições legais, que os indivíduos de nacionalidade diferente precisavam de
alguma lei de exceção até que, ou a não ser que, estivessem completamente assimilados e
divorciados de sua origem. Os discursos interpretativos sobre os tratados da Liga das Nações,
pronunciados por estadistas de países sem obrigações com as minorias, eram ainda mais claros:
aceitavam como natural que a lei de um país não pudesse ser responsável por pessoas que
insistiam numa nacionalidade diferente.[17] Confessavam assim — e logo tiveram oportunidade
de demonstrá-lo na prática, com o surgimento dos povos sem Estado — que havia sido
consumada a transformação do Estado de instrumento da lei em instrumento da nação; a nação havia conquistado o Estado, e o interesse
nacional chegou a ter prioridade sobre a lei muito antes da afirmação de Hitler de que "o direito
é aquilo que é bom para o povo alemão". Mais uma vez, a linguagem da ralé era apenas a
linguagem da opinião pública, expurgada da hipocrisia e do comedimento.
Certamente, o perigo desse desfecho já era inerente à estrutura do Estado-nação. Mas, como a
sua criação coincidia com a de governos constitucionais, os Estados-nações sempre haviam
representado o domínio da lei, e nele se baseavam, em contraste com o domínio da burocracia
administrativa e do despotismo — ambos arbitrários. De modo que, ao se romper o precário
equilíbrio entre a nação e o Estado, entre o interesse nacional e as instituições legais, ocorreu
com espantosa rapidez a desintegração dessa forma de governo e de organização espontânea de
povos. E a desintegração, por mais curioso que pareça, começou precisamente no momento em
que o direito à autodeterminação era reconhecido em toda a Europa, e quando a convicção
fundamental da supremacia da nação sobre todas as instituições legais e "abstratas" do Estado
tornava-se universalmente aceita.
Por ocasião dos Tratados das Minorias, poder-se-ia dizer a seu favor — e de fato se disse, quase
como desculpa — que as nações mais antigas gozavam de constituições que, implícita ou
explicitamente (como no caso da França, a nationpar excellence), se fundamentavam nos
Direitos do Homem; que, mesmo se existisse outras nacionalidades em seu território, não
precisariam de leis adicionais; e que somente nos Estados criados como sucessórios aos
impérios desintegrados tornava-se necessária a excepcional imposição temporária dos direitos
humanos.[18] Essa ilusão acabou ao surgirem os povos sem Estado.
Na realidade, as minorias eram povos sem Estado apenas parcialmente; de jure, pertenciam a
algum corpo político, embora necessitassem de proteção adicional sob forma de tratados e
garantias especiais; certos direitos secundários, tais como o uso do seu próprio idioma e a
preservação da sua própria cultura, estavam ameaçados e só relutantemente eram protegidos por
uma entidade estatal externa, habitada em sua maioria pela mesma etnia (nação), cuja parte
constituía uma minoria num outro Estado, mas os direitos elementares, como o de residir, viver
e trabalhar, sempre permaneciam intactos. Os arquitetos dos Tratados das Minorias não
previram a possibilidade de transferências maciças de população, nem o problema de pessoas
tornadas "indeportáveis" por falta de um país que as quisesse acolher. As minorias podiam ser
olhadas ainda como fenômeno excepcional, peculiar a certos territórios que diferiam da
"norma". Era um argumento sempre tentador, pois deixava intacto o próprio sistema; e, de certa forma, sobreviveu à Segunda Guerra Mundial, cujos pacificadores,
convencidos da impraticabilidade dos tratados de minorias, puseram-se a "repatriar" o maior
número possível de nacionalidades, a fim de desembaralhar o "cinturão de populações
mistas".[19] Essa tentativa de repatriação em massa não resultou diretamente das desastrosas
experiências com os Tratados das Minorias; representava, antes, a esperança de que tal
providência resolvesse finalmente o problema dos povos sem Estado, que, nas décadas
anteriores, assumira proporções cada vez mais agudas e para o qual simplesmente não existia
método internacionalmente reconhecido e aceito.
Muito mais persistentes na realidade e muito mais profundas em suas consequências têm sido a
condição de apátrida, que é o mais recente fenômeno de massas da história contemporânea, e a
existência de um novo grupo humano, em contínuo crescimento, constituído de pessoas sem
Estado, grupo sintomático do mundo após a Segunda Guerra Mundial.[20] A culpa da sua
existência não pode ser atribuída a um único fator, mas, se considerarmos a diversidade grupai
dos apátridas, parece que cada evento político, desde o fim da Primeira Guerra Mundial,
inevitavelmente acrescentou uma nova categoria aos que já viviam fora do âmbito da lei, sem
que nenhuma categoria, por mais que se houvesse alterado a constelação original, jamais
pudesse ser devolvida à normalidade.[21]
Entre eles, viam-se ainda os mais antigos entre os apátridas, os Heimat-losen [apátridas],
produzidos pelos Tratados de Paz de 1919, pela dissolução da Áustria-Hungria e pelo
estabelecimento dos Estados bálticos. Em certos casos foi impossível determinar a sua
verdadeira origem, especialmente se, ao terminar a guerra, não estavam residindo em sua cidade
natal;[22] outras vezes, o seu lugar de origem mudara de mãos tantas vezes no burburinho de
disputas do pós-guerra que a nacionalidade de seus habitantes alterava-se de ano para ano (como
acontecia com Vilna, que um funcionário francês uma vez chamou de la capitale des
apatrides);[*] e, mais frequentemente do que se imagina, certas pessoas se refugiaram na situação
de apátridas após a Primeira Guerra Mundial para permanecer onde estavam, e evitar a
deportação para uma "pátria" onde seriam estranhos (como no caso de muitos judeus poloneses
e romenos residentes na França e na Alemanha, que, como apátridas, tinham ali mais direitos do
que teriam como cidadãos nos países em que nasceram, onde eram excluídos do convívio social
por serem judeus. Nessas tentativas foram misericordiosamente ajudados pela atitude antissemita dos seus respectivos consulados).
Desprovido de importância, aparentemente apenas uma anomalia legal, o apatride recebeu
atenção e consideração tardias quando, após a Segunda Guerra Mundial, sua posição legal foi
aplicada também aos refugiados que, expulsos de seus países pela revolução social, eram
desnacionalizados pelos governos vitoriosos. A esse grupo pertencem milhões de russos e de
alemães, centenas de milhares de armênios, romenos, húngaros e espanhóis — para citar apenas
as categorias mais importantes. A conduta desses governos pode hoje parecer apenas
consequência natural da guerra; mas, na época, as desnacionalizações em massa constituíam
fenômeno inteiramente novo e imprevisto. Pressupunham uma estrutura estatal que, se não era
ainda inteiramente totalitária, já demonstrava a incapacidade de tolerar qualquer oposição,
preferindo perder os seus cidadãos a abrigá-los com opiniões diferentes da vigente. Revelavam,
além disso, que não era necessária uma guerra para que as soberanias de países vizinhos
entrassem em conflito, e que este podia se desenvolver em termos ideológicos não só no caso
extremo da guerra, mas também durante a paz. Tornava-se claro que a completa soberania nacional só era possível enquanto existisse uma convivência
supranacional de nações europeias, porque só o espírito de solidariedade podia impedir o
exercício por algum governo de todo o poder potencialmente soberano. Em teoria, a lei
internacional admitia que em questões de "emigração, naturalização, nacionalidade e expulsão"
a soberania é mais absoluta.[23] Na verdade, as considerações práticas e o reconhecimento tácito
de interesses recíprocos restringiram a soberania nacional mesmo nessa área, até o surgimento
dos regimes totalitários. Somos quase tentados a medir o grau de infecção totalitária de um
governo pelo grau em que usa o seu soberano direito de desnacionalização (e, se o fizéssemos,
seria interessante verificar que a Itália de Mussolini relutou muito em tratar os seus refugiados
dessa forma[24]). Mas, ao mesmo tempo, devemos lembrar que mal restava um país no continente
europeu que não houvesse aprovado, entre as duas guerras, alguma legislação formulada de
modo a permitir a rejeição de elevado número de seus habitantes a qualquer momento
oportuno,[25] mesmo que este direito não chegasse a ser usado.
Nenhum paradoxo da política contemporânea é tão dolorosamente irônico como a discrepância
entre os esforços de idealistas bem-intencionados, que persistiam teimosamente em considerar
"inalienáveis" os direitos desfrutados pelos cidadãos dos países civilizados, e a situação de seres
humanos sem direito algum. Essa situação deteriorou-se, até que o campo de internamente —
que, antes da Segunda Guerra Mundial, era exceção e não regra para os grupos apátridas —
tornou-se uma solução de rotina para o problema domiciliar dos "deslocados de guerra".
Até a terminologia aplicada ao apátrida deteriorou-se. A expressão "povos sem Estado" pelo
menos reconhecia o fato de que essas pessoas haviam perdido a proteção do seu governo e
tinham necessidade de acordos internacionais que salvaguardassem a sua condição legal. A
expressão displaced persons [pessoas deslocadas] foi inventada durante a guerra com a
finalidade única de liquidar o problema dos apátridas de uma vez por todas, por meio do
simplório expediente de ignorar a sua existência. O não-reconhecimento de que uma pessoa
pudesse ser "sem Estado" levava as autoridades, quaisquer que fossem, à tentativa de repatriá-la,
isto é, de deportá-la para o seu país origem, mesmo que este se recusasse a reconhecer o
repatriado em perspectiva como cidadão ou, pelo contrário, desejasse o seu retorno apenas para
puni-lo. Como os países não-totalitários, a despeito do clima de guerra, geralmente têm evitado
repatriações em massa, o número de pessoas sem Estado era substancialmente elevado — ainda
doze anos após o fim da guerra. A decisão dos estadistas de resolver o problema do apátrida
ignorando-o é revelada ainda pela falta de quaisquer estatísticas dignas de confiança sobre o
assunto. Contudo, sabe-se pelo menos que, enquanto existia 1 milhão de apátridas
"reconhecidos", havia mais de 10 milhões de apátridas de facto, embora ignorados. O pior é que
o número de pessoas que são apátridas em potencial continua a aumentar. Antes da última
guerra, somente os países totalitários ou as ditaduras semitotalitárias recorriam à arma da
desnaturalização contra pessoas que eram cidadãos por nascimento; mas chegou-se ao ponto em
que até as democracias livres, como, por exemplo, os Estados Unidos, pensaram seriamente em
privar da cidadania os americanos natos que fossem comunistas. O aspecto sinistro dessas
medidas é que são estudadas com toda a inocência. No entanto, para que se compreendam as
verdadeiras implicações da condição do apátrida, basta lembrar o extremo zelo dos nazistas, que
insistiam em que todos os judeus de nacionalidade não-alemã "deviam ser privados de sua
cidadania antes da deportação ou, ao mais tardar, no dia em que fossem deportados"[25a] (para os
judeus alemães, esse decreto não era necessário, porque existia uma lei no Terceiro Reich
segundo a qual todo judeu que deixasse o território — inclusive se fosse deportado — perdia
automaticamente a cidadania).
O primeiro e grave dano causado aos Estados-nações pela chegada de centenas de milhares de
apátridas foi a abolição tácita do direito de asilo, antes símbolo dos Direitos do Homem na
esfera das relações internacionais. Sua longa e sagrada história data do começo da vida política
organizada. Desde os tempos antigos, com esse direito protegeu-se o refugiado — e a área que o
acolhia — contra situações que o forçassem a colocar-se fora da lei por circunstâncias alheias ao
seu controle. Assim, o asilo era o único remanescente moderno do princípio de que quid est in território est de território, pois em todos os outros casos o
Estado moderno tendia a proteger os seus cidadãos além de suas fronteiras para que, graças a
tratados recíprocos, permanecessem sujeitos às leis do seu país, mesmo morando fora dele. Mas,
embora o direito de asilo continuasse a funcionar num mundo organizado em Estados-nações e
em certos casos, tenha até sobrevivido às duas guerras mundiais, tornou-se paulatinamente
anacrônico, entrando até em conflito com os direitos internacionais do Estado. Assim, não se
encontra esse direito na lei escrita, em nenhuma constituição ou acordo internacional, e o Pacto
da Liga das Nações nem ao menos o menciona.[26] A esse respeito, tem o mesmo destino da
Declaração dos Direitos do Homem, que também nunca em lugar algum foi transformada em
lei, levando uma existência mais ou menos irreal, como recurso em certos casos excepcionais
em que as instituições legais normais não eram suficientes.[27]
O segundo choque que o mundo europeu sofreu com o surgimento dos refugiados[28] decorria da
dupla constatação de que era impossível desfazer-se deles e era impossível transformá-los em
cidadãos do país de refúgio, principalmente porque todos concordavam em que só havia duas
maneiras de resolver o problema: repatriação ou naturalização.[29] Quando o exemplo das
primeiras ondas de refugiados armênios e russos demonstrou que nem uma coisa nem outra levavam a
resultados tangíveis, os países de refúgio simplesmente se recusaram a reconhecer a condição de
apátrida nos que vieram depois, tornando assim ainda mais intolerável a situação dos
refugiados.[30] Do ponto de vista dos governos interessados, era bastante compreensível que
constantemente lembrassem à Liga das Nações "que [o seu] trabalho sobre os refugiados devia
ser concluído com a maior rapidez possível";[31] tinham muita razão de recear que os expulsos da
velha trindade Estado-povo-território constituíssem apenas o começo de um movimento
crescente, primeira gota de um dilúvio que se prenunciava cada vez maior. Era óbvio, e até
mesmo a Conferência de Evian o reconheceu em 1938, que todos os judeus alemães e austríacos
eram apátridas em potencial; e era natural que os países com numerosos grupos minoritários se
sentissem encorajados pelo exemplo da Alemanha a livrar-se de algumas dessas populações
minoritárias.[32] Dentre as minorias, judeus e armênios corriam o risco maior, e logo exibiram a
mais alta proporção de apátridas; mas também demonstraram que os tratados de minorias não
eram necessariamente uma proteção, podendo servir de instrumento de escolha de certos grupos
para futura expulsão coletiva.
Quase tão assustador quanto esses novos perigos, que provinham do antigo centro nevrálgico da
Europa, era o tipo inteiramente novo de conduta de todos os cidadãos europeus nas lutas
"ideológicas". Não apenas se expulsavam pessoas de um país e se lhes roubava a cidadania, mas
crescia o número de pessoas que, em todos os países, inclusive nas democracias ocidentais, se
apresentavam para lutar em guerras civis estrangeiras (o que, até então, só pertencia ao campo
de ação de poucos idealistas ou aventureiros), mesmo que isso significasse a sua separação das
comunidades nacionais a que pertenciam. Essa foi a lição da Guerra Civil Espanhola e uma das razões pelas quais os governos se assustaram tanto
com a Brigada Internacional. O fenômeno não teria sido tão negativo se apenas significasse que
os homens já não se apegavam tanto a nacionalidade e estavam dispostos a serem eventualmente
assimilados por outra comunidade nacional. Mas este não era absolutamente o caso. As pessoas
sem Estado haviam demonstrado surpreendente teimosia em reter a sua nacionalidade; os
refugiados pertencentes a minorias estrangeiras evitavam a sua diluição e nem sequer se
agrupavam às outras, como as minorias haviam feito temporariamente, para defender interesses
comuns.[33] A Brigada Internacional dividia-se em batalhões nacionais, nos quais os alemães
pensavam estar lutando contra Hitler e os italianos contra Mussolini, da mesma forma que,
apenas alguns anos depois, na Resistência, os refugiados espanhóis julgavam estar lutando
contra Franco, quando ajudavam os franceses contra o governo colaboracionista de Vichy. O
que os governos europeus temiam tanto nesse processo era que os povos apátridas já não
pudessem mais ser declarados de nacionalidade dúbia ou duvidosa (de nationalité
indeterminéé). Mesmo que tivessem renunciado à sua cidadania, deixando de lado qualquer
conexão ou lealdade em relação ao país de origem, e sem se identificarem com uma
nacionalidade legalmente oriunda do governo reconhecido, retinham um forte apego à sua
nacionalidade de fato. Já não era apenas o Leste europeu que possuía grupos nacionais
minoritários, sem raízes no território do Estado e sem qualquer lealdade a esse Estado. Agora,
sob a forma de refugiados e apátridas, esses grupos se haviam infiltrado também nos países da
Europa ocidental.
A dificuldade surgiu em consequência de fracassos da aplicação dos dois remédios reconhecidos
como válidos: a repatriação e a naturalização. As medidas de repatriação falharam, pois nenhum país aceitou admitir aquelas pessoas. E falharam
não porque os apátridas se recusassem a regressar à pátria que rejeitavam (como pode parecer
hoje, quando a Rússia soviética reclama seus ex-cidadãos e os países democráticos têm de
protegê-los contra uma repatriação que eles não desejam), e não em virtude de sentimentos
humanitários por parte dos países abarrotados de refugiados, mas sim porque nem o país de
origem nem qualquer outro concordavam em recebê-los. Pode parecer que essa inde
portabilidade de uma pessoa sem Estado impedisse um governo de expulsá-la; mas, como o
homem sem Estado — um fora-da-lei por definição — era uma "anomalia para a qual não
existia posição apropriada na estrutura da lei geral",[34] ficava completamente à mercê da polícia,
que, por sua vez, não hesitava muito em cometer atos ilegais para diminuir a carga de
indésirables no país.[35] Em outras palavras, o Estado, insistindo em seu soberano direito de
expulsão, era forçado, pela natureza ilegal da condição de apátrida, a cometer atos
confessadamente ilegais.[36] Os apátridas assim expulsos eram contrabandeados para os países
vizinhos, com o resultado de que esses últimos retribuíam do mesmo modo. A solução ideal da
repatriação — contrabandear o refugiado de volta ao seu país de origem — só teve sucesso em
poucos casos, em parte porque uma polícia não-totalitária ainda era refreada por certas
considerações éticas rudimentares, e em parte porque todo esse tráfico só podia realizar-se entre
países vizinhos. Em consequência desse contrabando eclodiam conflitos entre polícias
fronteiriças, que não contribuíam exatamente para melhorar as relações internacionais, e
cresciam as sentenças de prisão para os apátridas que, com auxílio da polícia de um país,
haviam entrado "ilegalmente" em outro.
Todas as tentativas das conferências internacionais no sentido de estabelecer alguma condição
legal para os apátridas falharam, porque nenhum acordo poderia jamais substituir o território
para o qual um estrangeiro, dentro da estrutura da lei existente, poderia ser deportado. Enquanto
a discussão do problema do refugiado girava em torno da questão de como podia o refugiado
tornar-se deportável novamente, o campo de internamente tornava-se único substituto prático de uma pátria. De fato, desde os anos 30 esse era o único território que o mundo
tinha a oferecer aos apátridas.[37]
Por outro lado, a naturalização também resultou em fracasso. Todo o sistema de naturalização
dos países europeus desmoronou pelo mesmo motivo que levou ao abandono o direito de asilo,
quando teve de defrontar-se com os povos sem Estado. Fundamentalmente, a naturalização era
um apêndice à legislação do Estado-nação que levava em conta tão-somente os "nacionais", isto
é, as pessoas nascidas em seu território e cidadãs por nascimento. A naturalização nos países
europeus previa casos excepcionais, para indivíduos a quem as circunstâncias haviam levado a
um território estrangeiro. O processo falhou, porém, quando foi preciso atender a pedidos de
naturalização em massa;[38] mesmo do ponto de vista meramente administrativo, nenhum serviço
público europeu estava em condições de lidar com o problema. Em lugar de naturalizar pelo
menos parte dos recém-chegados, os países começaram a cancelar naturalizações concedidas
no passado, em parte devido ao pânico geral, em parte porque a chegada de grandes massas
realmente alterava a posição sempre precária dos cidadãos naturalizados da mesma origem.[39] O
cancelamento de naturalizações ou a introdução de novas leis que obviamente abriam o
caminho para a desnaturalização em massa[40] destruíram a pouca confiança que os refugiados
ainda pudessem ter na possibilidade de se ajustarem a uma vida normal; se a assimilação a um
novo país havia, no passado, parecido um tanto vergonhosa e desleal, agora era simplesmente
ridícula. A diferença entre um cidadão naturalizado e um residente apátrida não era suficientemente grande para justificar o esforço de se
naturalizar, pois o primeiro era frequentemente privado de direitos civis e ameaçado a qualquer
momento com o destino do segundo. As pessoas naturalizadas eram, em geral, equiparadas aos
estrangeiros comuns, e, como o naturalizado já havia perdido a sua cidadania anterior, essas
medidas simplesmente ameaçavam tornar apátrida um outro grupo considerável.
Era quase patético verificar quão impotentes eram os governos europeus, a despeito da sua
consciência do perigo que era a condição do apátrida para as suas instituições legais e políticas,
e a despeito de todos os seus esforços no sentido de deter o dilúvio. Já não havia necessidade de
acontecimentos explosivos. Uma vez que dado número de pessoas sem Estado era admitido num
país, o "despatriamento" se alastrava como doença contagiosa. Não apenas os cidadãos
naturalizados corriam o risco de reverter ao estado de apátridas, mas as condições de vida de
todos os estrangeiros deterioravam visivelmente. Nos anos 30 tornou-se cada vez mais difícil
distinguir claramente entre refugiados sem Estado — isto é, apátridas — e estrangeiros
residentes — isto é, cidadãos de um outro país. Sempre que o governo tentava usar o seu direito,
repatriando um estrangeiro residente contra a sua vontade, este fazia o máximo para se refugiar
na condição de apátrida. Durante a Primeira Guerra Mundial, estrangeiros "inimigos" (isto é,
cidadãos de um país inimigo) já haviam descoberto as vantagens dessa condição. Mas aquilo
que, na época, fora a esperteza de indivíduos que encontravam uma brecha na lei agora
constituía a reação instintiva das massas. A França — a maior área de recepção de imigrantes da
Europa,[41] pois controlava o caótico mercado de mão-de-obra ao apelar para trabalhadores
estrangeiros em tempos de necessidade e deportando-os em tempos de desemprego e de crise —
ensinou aos "seus" estrangeiros uma lição sobre as vantagens da condição do apátrida que eles
não iriam esquecer facilmente. Depois de 1935, ano da repatriação em massa empreendida pelo
governo de Lavai, da qual só os apátridas escaparam, os assim chamados "imigrantes
econômicos" e outros grupos que haviam vindo antes — balcânicos, italianos, poloneses e
espanhóis — misturaram-se às ondas de refugiados numa mixórdia que jamais pôde ser
destrinçada novamente.
Muito pior que o dano causado pela condição de apátrida às antigas e necessárias distinções
entre nacionais e estrangeiros e ao direito soberano dos Estados em questões de nacionalidade e
expulsão, foi aquele sofrido pela própria estrutura das instituições legais da nação, quando um
crescente número de residentes teve de viver fora da jurisdição dessas leis, sem ser protegido
por quaisquer outras. O apátrida, sem direito à residência e sem o direito de trabalhar, tinha,
naturalmente, de viver em constante transgressão à lei. Estava sujeito a ir para a cadeia sem
jamais cometer um crime. Mais do que isso, toda a hierarquia de valores existente nos países
civilizados era invertida no seu caso. Uma vez que ele constituía a anomalia não-prevista na lei
geral, era melhor que se convertesse na anomalia que ela previa: o criminoso.
A melhor forma de determinar se uma pessoa foi expulsa do âmbito da lei é perguntar se, para ela, seria melhor cometer um crime. Se um pequeno furto pode melhorar a sua posição legal, pelo menos temporariamente, podemos estar certos de que foi destituída dos direitos humanos. Pois o crime passa a ser, então, a melhor forma de recuperação de certa igualdade humana, mesmo que ela seja reconhecida como exceção à norma. O fato — importante — é que a lei prevê essa exceção. Como criminoso, mesmo um apátrida não será tratado pior que outro criminoso, isto é, será tratado como qualquer outra pessoa nas mesmas condições. Só como transgressor da lei pode o apátrida ser protegido pela lei. Enquanto durem o julgamento e o pronunciamento da sua sentença, estará a salvo daquele domínio arbitrário da polícia, contra o qual não existem advogados nem apelações. O mesmo homem que ontem estava na prisão devido à sua mera presença no mundo, que não tinha quaisquer direitos e vivia sob ameaça de deportação, ou era enviado sem sentença e sem julgamento para algum tipo de internação por haver tentado trabalhar e ganhar a vida, pode tornar-se quase um cidadão completo graças a um pequeno roubo. Mesmo que não tenha um vintém, pode agora conseguir advogado, queixar-se contra os carcereiros e ser ouvido com respeito. Já não é o refugo da terra: é suficientemente importante para ser informado de todos os detalhes da lei sob a qual será julgado. Ele torna-se pessoa respeitável.[42]
A melhor forma de determinar se uma pessoa foi expulsa do âmbito da lei é perguntar se, para ela, seria melhor cometer um crime. Se um pequeno furto pode melhorar a sua posição legal, pelo menos temporariamente, podemos estar certos de que foi destituída dos direitos humanos. Pois o crime passa a ser, então, a melhor forma de recuperação de certa igualdade humana, mesmo que ela seja reconhecida como exceção à norma. O fato — importante — é que a lei prevê essa exceção. Como criminoso, mesmo um apátrida não será tratado pior que outro criminoso, isto é, será tratado como qualquer outra pessoa nas mesmas condições. Só como transgressor da lei pode o apátrida ser protegido pela lei. Enquanto durem o julgamento e o pronunciamento da sua sentença, estará a salvo daquele domínio arbitrário da polícia, contra o qual não existem advogados nem apelações. O mesmo homem que ontem estava na prisão devido à sua mera presença no mundo, que não tinha quaisquer direitos e vivia sob ameaça de deportação, ou era enviado sem sentença e sem julgamento para algum tipo de internação por haver tentado trabalhar e ganhar a vida, pode tornar-se quase um cidadão completo graças a um pequeno roubo. Mesmo que não tenha um vintém, pode agora conseguir advogado, queixar-se contra os carcereiros e ser ouvido com respeito. Já não é o refugo da terra: é suficientemente importante para ser informado de todos os detalhes da lei sob a qual será julgado. Ele torna-se pessoa respeitável.[42]
Um modo muito menos seguro e muito mais difícil de passar de anomalia não-reconhecida à
posição de exceção reconhecida seria tornar-se gênio. Assim como a lei só conhece uma
diferença entre seres humanos, a diferença entre o não-criminoso normal e o criminoso
anômalo, também a sociedade conformista reconhece apenas uma forma de individualismo
determinado, o gênio. A sociedade burguesa europeia queria que o gênio permanecesse além
das leis humanas, que fosse uma espécie de monstro cuja principal função social fosse criar
excitamento, e não importava realmente que fosse um fora-da-lei. Além do mais, a perda da
cidadania privava a pessoa não apenas de proteção, mas também de qualquer identidade
claramente estabelecida e oficialmente reconhecida, fato cujo símbolo exato era o seu eterno
esforço de obter pelo menos certidão de nascimento do país que a desnacionalizava. Mas o seu
problema só estava resolvido quando conseguia aquele grau de distinção que separa o homem
da multidão gigantesca e anônima. Somente a fama podia vir a atender a repetida queixa dos
refugiados de todas as camadas sociais de que "ninguém aqui sabe quem eu sou"; e a verdade é que as chances de um refugiado famoso aumentam, da
mesma forma que um cachorro perdido com pedigree sobrevive mais facilmente que um outro
cachorro perdido, que é apenas um cão como os demais.[43]
O Estado-nação, incapaz de prover uma lei para aqueles que haviam perdido a proteção de um
governo nacional, transferiu o problema para a polícia. Foi essa a primeira vez em que a polícia
da Europa ocidental recebeu autoridade para agir por conta própria, para governar diretamente
as pessoas; nessa esfera da vida pública, já não era um instrumento para executar e fazer
cumprir a lei, mas se havia tornado autoridade governante independente de governos e de
ministérios.[44] A sua força e a sua independência da lei e do governo cresceram na proporção
direta do influxo de refugiados. Quanto maior era o número de apátridas e de apátridas em
potencial — e na França antes da Segunda Guerra Mundial esse grupo atingiu 10% da
população total —, maior era o perigo da gradual transformação do Estado da lei em Estado
policial.
Não é preciso dizer que os regimes totalitários, onde a polícia havia galgado o auge do poder,
ansiavam particularmente pela consolidação desse poder através do domínio de vastos grupos de
pessoas que, independentemente de quaisquer ofensas cometidas por indivíduos, estavam de
qualquer modo fora, do âmbito da lei. Na Alemanha nazista, as leis de Nuremberg, com a sua
distinção entre os cidadãos do Reich (Reichsbürger — cidadãos completos) e nacionais
(Volksbürger — cidadãos de segunda classe sem direitos políticos), haviam aberto o caminho
para um estágio final no qual os "nacionais" de "sangue estrangeiro" podiam perder a
nacionalidade por decretos; só a deflagração da guerra evitou a promulgação de uma legislação
nesse sentido, que havia sido detalhadamente preparada.[44a] Por outro lado, os crescentes grupos
de apátridas nos países não totalitários levaram a uma forma de ilegalidade, organizada pela polícia, que
praticamente resultou na coordenação do mundo livre com a legislação dos países totalitários. O
fato de virem a existir campos de concentração para os mesmos grupos em todos os países,
embora houvesse diferenças consideráveis no tratamento dos internos, foi característico da
época: se os nazistas confinavam uma pessoa num campo de concentração e ela conseguisse
fugir, digamos, para a Holanda, os holandeses a colocavam num campo de internação. Assim,
muito antes do início da guerra, as policias em muitos países ocidentais, a pretexto da
"segurança nacional", haviam, por iniciativa própria, estabelecido íntimas ligações com a
Gestapo e a GPU, de modo que se poderia dizer que existia uma política estrangeira policial
independente. Essa política estrangeira dirigida pela polícia funcionava à margem das diretrizes
dos governos oficiais; as relações entre a Gestapo e a polícia francesa, por exemplo, nunca
foram tão cordiais como na época do governo da Frente Popular de Léon Blum, que determinou
uma política decididamente antigermânica. Em contraste com os governos, as organizações
policiais não nutriam "preconceitos" contra os regimes totalitários; as informações e denúncias
recebidas de agentes da GPU eram tão bem-vindas quanto a dos agentes fascistas e da Gestapo.
Conheciam o papel do aparelho policial em todos os regimes totalitários, sabiam da sua elevada
posição social e importância política, e nunca se preocuparam em esconder as suas simpatias. O
fato de que os alemães encontraram tão pouca resistência por parte das polícias dos países que
haviam ocupado, e de que os alemães puderam organizar o terror com a ajuda das polícias
locais, foi em parte devido à poderosa posição que a polícia havia conquistado no decorrer dos
anos em seu irrestrito e arbitrário domínio sobre os apátridas e os refugiados.
Os judeus tiveram papel importante tanto na história da "nação de minorias" como na formação
dos povos apátridas. Estiveram à frente do chamado movimento de minorias, não só em virtude
de sua necessidade de proteção (somente igualada pela necessidade dos armênios) e da
capacidade de aproveitamento de suas excelentes conexões internacionais, mas, acima de tudo,
porque não constituíam maioria em país algum e, portanto, podiam ser considerados a
minoritépar excellence, isto é, a única minoria cujos interesses só podiam ser defendidos por
uma proteção garantida internacionalmente.[45]
As necessidades especiais do povo judeu constituíam o melhor pretexto para que se negasse que os Tratados fossem uma solução entre a tendência das novas nações de
assimilarem povos estrangeiros e a situação de nacionalidades às quais, tão-só por questões de
conveniência, não se podia conceder o direito de autodeterminação nacional.
Aliás, os primeiros Heimatlosen ou apatrides, como foram denominados pelos Tratados de Paz,
eram, na maioria, exatamente judeus que vinham dos Estados sucessórios e não podiam ou não
queriam colocar-se sob a proteção da maioria que havia sido levada ao poder nos seus países de
origem. Somente quando a Alemanha forçou os judeus alemães a emigrar, tornando-os
apátridas, é que os judeus passaram a constituir uma parte realmente significativa dos grupos
apátridas. Mas, nos anos que se seguiram à bem-sucedida perseguição de Hitler aos judeus,
todos os países com minorias começaram a pensar em se desfazer de algum modo de seus
grupos minoritários, e era natural que começassem a realizar essas ideias a partir da minoritépar
excellance, a única nacionalidade que realmente não tinha qualquer outra proteção além de um
sistema de minorias que, a essa altura, não era mais que simples zombaria.
A noção de que o problema do apátrida era primariamente judeu[46] foi um pretexto usado por
todos os governos que tentavam resolver o problema ignorando-o. Nenhum dos estadistas se
apercebia de que a solução de Hitler para o problema judaico — primeiro, reduzir os judeus
alemães a uma minoria não-reconhecida na Alemanha; depois, expulsá-los como apátridas; e,
finalmente, reagrupá-los em todos os lugares em que passassem a residir para enviá-los aos
campos de extermínio — era uma eloquente demonstração para o resto do mundo de como
realmente "liquidar" todos os problemas relativos às minorias e apátridas. Depois da guerra, viu
se que a questão judaica, considerada a única insolúvel, foi realmente resolvida — por meio de
um território colonizado e depois conquistado —, mas isso não resolveu o problema geral das
minorias nem dos apátridas. Pelo contrário, a solução da questão judaica meramente produziu
uma nova categoria de refugiados, os árabes, acrescentando assim cerca de 700 mil a 800 mil
pessoas ao número dos que não têm Estado nem direitos. E o que aconteceu na Palestina, em
território menor e em termos de poucas centenas de milhares de pessoas, foi repetido depois na
índia em larga escala, envolvendo muitos milhões de homens. Desde os Tratados de Paz de
1919 e 1920, os refugiados e os apátridas têm-se apegado como uma maldição aos Estados
recém-estabelecidos, criados à imagem do Estado-nação.
Para esses novos Estados, essa maldição contém o germe de uma doença mortal. Pois o Estado
nação não pode existir quando o princípio de igualdade perante a lei é quebrado. Sem essa
igualdade legal, que originalmente se destinava a substituir as leis e ordens mais antigas da sociedade feudal, a nação se dissolve numa
massa anárquica de indivíduos super e subprivilegiados. As leis que não são iguais para todos
transformam-se em direitos e privilégios, o que contradiz a própria natureza do Estado-nação.
Quanto mais clara é a demonstração da sua incapacidade de tratar os apátridas como "pessoas
legais", e quanto mais extenso é o domínio arbitrário do decreto policial, mais difícil é para os
Estados resistir à tentação de privar todos os cidadãos da condição legal e dominá-los com uma
polícia onipotente.
continua página 311...
________________
Parte II Imperialismo (5.1 - A"A Nação de Minorias" e os Povos sem Estado)
_______________________[3] Kurt Tramples, "Volkerbund und Võlkerfreiheit" [União dos povos e liberdade dos povos], em Süddeutsche
Monatshefte, 26. Jahrgang, julho de 1929.
[4] A luta dos eslovacos contra o governo tcheco de Praga terminou com a independência da Eslováquia apoiada por
Hitler; a Constituição iugoslava de 1921 foi aceita pelo Parlamento dominado pelos sérvios contra os votos de todos
os representantes croatas e eslovenos. Um bom resumo da história da Iugoslávia entre as duas guerras se encontra em
Propylàen Weltgeschichte. Das Zeit-alter des Imperialismus, 1933, vol. 10, p. 471 ss.
[5] Mussolini tinha toda a razão quando escreveu, após a crise de Munique: "Se a Tchecoslováquia se encontra hoje
no que se pode chamar de situação delicada, é porque ela não era apenas Tchecoslováquia, mas Tcheco-germano
polono-magiaro-ruteno-romeno-eslováquia". (Citado por Hubert Ripka, Munich: before and after, Londres, 1939, p.
117).
[6] Essa expressão foi cunhada primeiro por Otto Bauer, Die Nationalitàtenfrage und die ósterreischische
Sozialdemokratie [O problema das nacionalidades e a social-democracia austríaca],
Viena, 1907.
A consciência histórica tinha papel importante na formação da consciência nacional. A emancipação das nações do
domínio dinástico e da soberania de uma aristocracia internacional nascia da emancipação da literatura nacional da
língua "internacional" dos eruditos (latim e, mais tarde, francês), desenvolvendo-se as línguas nacionais a partir do
vernáculo popular. Aqueles povos cuja língua chegava a ser usada na literatura eram considerados como tendo
atingido a maturidade nacional. Portanto, os movimentos de liberação das nacionalidades da Europa oriental
começavam impondo a seus membros a renovação filológica, com resultados que iam do grotesco ao sério e útil. A
função política dessa "ascensão" de idioma consistia em provar que o povo que possuía uma literatura e uma história
próprias tinha o direito à soberania nacional.
[7] Essa não era, naturalmente, uma alternativa muito clara. Até hoje ninguém se deu ao trabalho de descobrir as
semelhanças entre a exploração colonial e a exploração da minoria. Somente Jacob Robinson, "Staatsbürgerliche und
wirtschaftliche Gleichberechtigung" (Igualdade cívico-estatal e econômica), em Süddeutsche Monatshefte, 26.
Jahrgang, julho de 1929, observa de passagem: "Surgiu um tipo peculiar de protecionismo econômico, não dirigido
contra outros países, mas contra certos grupos da população. É surpreendente que se pudessem observar certos métodos de exploração
colonial na Europa central".
[8] Calcula-se que, antes de 1914, existiam cerca de 100 milhões de pessoas cujas aspirações nacionais não haviam
sido realizadas. (Ver Charles Kingsley Webster, "Minorities: history", em Encyclopedia britannica, 1929.) A
população das minorias foi calculada em cerca de 25 a 30 milhões. (P. de Azcarate, "Minorities: League of Nations",
ibid.). A situação real na Tchecoslováquia e na Iugoslávia era muito pior. Na primeira, o "povo estatal" tcheco
constituía, com 7.200.000 pessoas, cerca de 50% da população; na última, os 5 milhões de sérvios compunham
apenas 42% do total. Ver W. Winkler, Statistisches Handbuch der europãischen Nationalitàten [Manual estatístico
das nacionalidades europeias], Viena, 1931; Otto Junghann, National minorities in Europe, 1932. Algarismos
ligeiramente diferentes são apresentados por Tramples, op. cit.
[9] P. de Azcarate, op. cit.: "Os Tratados não estipulavam os 'deveres' das minorias em relação aos Estados dos quais
faziam parte. Mas a Terceira Assembleia Ordinária da Liga [das Nações], em 1922, (...) adotou (...) resoluções a
respeito dos deveres das minorias (...)".
[10] Os delegados franceses e ingleses foram bem claros a esse respeito. Disse Briand: "O processo que devemos ter
em mente não é o desaparecimento das minorias, mas uma espécie de assimilação". E sir Austen Chamberlain,
representante inglês, chegou a dizer que "o objetivo dos Tratados das Minorias [é] (...) assegurar (...) o tipo de
proteção e justiça que gradualmente as prepararão para se fundirem à comunidade à qual pertencem" (C. A.
Macartney, National states and national minorities, Londres, 1934, pp. 276, 277).
[11] É verdade que alguns estadistas tchecos, os mais liberais e democratas dos líderes dos movimentos nacionais,
chegaram a sonhar com uma república tcheca como a da Suíça. O motivo pelo qual nem Benes tentou seriamente
levar a cabo essa solução é que a Suíça não era um modelo que pudesse ser imitado, mas sim uma exceção
particularmente feliz que comprovava a regra estabelecida. Os Estados recém-formados não tinham a segurança
suficiente para abandonar uma aparelhagem estatal centralizada, e não podiam criar da noite para o dia aquelas
pequenas comunas e cantões autônomos, sobre cujos vastos poderes se baseia o sistema federativo suíço.
[12] Wilson, ardente defensor da ideia de se concederem "direitos raciais, religiosos e linguísticos às minorias",
"receava que 'direitos nacionais' podiam ser danosos, porquanto os grupos minoritários caracterizados como entidades
nacionalmente separadas poderiam ficar 'sujeitos a inveja e ataques'" (Oscar J. Janowsky, TheJews and minority
rights, Nova York, 1933, p. 351).
[13] O termo é de Macartney's, op. cit., passim.
[14] "Como resultado da negociação da Paz, cada Estado situado no cinturão de populações mistas (...) se
considerava agora um Estado nacional. Mas os fatos contrariavam essa asserção. (...) Nenhum desses Estados era
realmente uni nacional, da mesma forma como não havia, por outro lado, nação alguma da qual todos os membros
vivessem num único Estado" (Macartney, op. cit., p. 21D).
[15] Em 1933, o presidente do Congresso fez questão de acentuar: "Uma coisa é certa: não nos reunimos em nossos
congressos apenas como membros de minorias abstratas; cada um de nós pertence de corpo e alma a um povo
específico, o seu próprio povo, e se sente ligado ao destino desse povo para mal ou para bem. Consequentemente,
cada um de nós está aqui, se me permitem dizer, como um alemão puro ou um judeu puro, como um húngaro puro ou
como um ucraniano puro". Em Sitzungsbericht des Kongresses der oganisierten nationalen Gruppen in den Staaten
Europas [Relatório da Assembleia do Congresso dos Grupos Nacionais Organizados nos Estados Europeus), 1938, p.
8.
[*] Os judeus alemães — ao contrário dos poloneses, romenos, lituanos etc. — tinham cidadania alemã e
nacionalidade alemã, que lhes seriam retiradas por Hitler. Os judeus dos países sucessórios dos impérios russo e
austro-húngaro tinham a cidadania do país em que viviam, mas a nacionalidade judaica definida, indicada em todos
os seus documentos. (N. E.)
[16] As primeiras minorias surgiram quando o princípio protestante de liberdade de consciência conseguiu suprimir
o princípio cuius regio eius religio [de tal região, sua religião]. O Congresso de Viena em 1815 (realizado vinte anos
após a partilha da Polônia) já havia tomado medidas para assegurar certos direitos às populações polonesas
incorporadas à Rússia, Prússia e Áustria, direitos esses que certamente não eram apenas "religiosos"; contudo, é bem
característico o fato de que todos os tratados posteriores — o que garantia a independência da Grécia em 1830, o que
garantia a independência da Moldávia e da Valáquia (precursoras da Romênia) em 1856, e o Congresso de Berlim,
em 1878, que tratou especificamente da Romênia — falam de minorias "religiosas" e não "nacionais", que receberiam
direitos "civis" mas não "políticos".
[17] Afrânio de Mello Franco, representante do Brasil no Conselho da Liga das Nações, definiu o problema
claramente: "Quer-me parecer óbvio que aqueles que conceberam esse sistema de proteção não sonhavam criar dentro
de certos Estados um grupo de habitantes que se consideraria permanentemente estranho à organização geral do país"
(Macartney, op. cit., p. 277).
[18] "O regime de proteção das minorias destinava-se a remediar aqueles casos em que a negociação territorial era
inevitavelmente imperfeita do ponto de vista da nacionalidade" (Joseph Roucek, The minority principie as a problem
of political science, Praga, 1928, p. 29). O problema é que a imperfeição dos acordos territoriais não existia apenas
nos acordos das minorias, mas também no próprio estabelecimento dos Estados sucessórios, porquanto não havia
território naquela região que não pudesse ser reivindicado por várias nacionalidades ao mesmo tempo e sob várias
alegações igualmente válidas.
[19] Uma prova quase simbólica dessa mudança de atitude é encontrada em declarações do presidente Eduard Benes,
da Tchecoslováquia, o único país que após a Primeira Guerra Mundial havia aceito de bom grado as obrigações dos
Tratados das Minorias. Pouco depois de irromper a Segunda Guerra Mundial, Benes começou a dar o seu apoio ao
princípio da transferência de populações, que finalmente levou à expulsão da minoria alemã da região dos Sudetos.
Quanto à posição de Benes, ver Oscar I. Janowsky, Nationalities and national minorities, Nova York, 1945, pp. 136
136 ss.
[20] "O problema dos apátridas tornou-se de extrema importância depois da Segunda Grande Guerra. Antes da
guerra, existiam leis em alguns países, principalmente nos Estados Unidos, segundo as quais a naturalização podia ser
revogada nos casos em que a pessoa naturalizada deixasse de manter uma ligação genuína com o país de adoção.
Aqueles que eram desnaturalizados dessa forma tornavam-se apátridas. Durante a guerra, os principais Estados
europeus acharam necessário reformar suas leis para poderem cancelar a naturalização" (John Hope Simpson, The
refugee problem, Institute of International Affairs, Oxford, 1939, p. 231). O grupo de apátridas criado pela revogação
da naturalização era ínfimo; contudo, esse precedente expôs os cidadãos naturalizados ao perigo de se tornarem
apátridas. O cancelamento de naturalizações em massa, como foi introduzido pela Alemanha nazista em 1933,
quando atingiu todos os alemães naturalizados de origem judaica, geralmente precedia a desnacionalização de
cidadãos natos pertencentes a categorias semelhantes; e a introdução de leis que permitiam a desnaturalização por
simples decreto, como as da Bélgica e de outras democracias do Ocidente nos anos 30, geralmente precedia a
desnaturalização em massa; um bom exemplo é a prática do governo grego com relação aos refugiados armênios: de
45 mil refugiados armênios, mil foram naturalizados entre 1923 e 1928. Depois de 1928, uma lei que visava à
naturalização de todos os refugiados com menos de 22 anos de idade foi suspensa e, em 1936, todas as naturalizações
foram canceladas pelo governo. (Ver Simpson, op. c/í.,p. 41.)
[21] Vinte e cinco anos após o regime soviético ter repudiado 1,5 milhão de russos, calculava-se que pelo menos 350
mil a 450 mil ainda eram apátridas — o que é uma porcentagem elevadíssima, quando se considera o tempo
decorrido desde a fuga inicial. (Ver Simpson, op. cit., p.559; Eugene M. Kulischer, The displacement ofpopulation in Europe, Montreal, 1943; Winifred N. Hadsel, "Can
Europe's refugees find new homes?", em Foreign Policy Reports, agosto de 1943, vol. X, n? 10)
É verdade que os Estados Unidos haviam colocado os imigrantes apátridas em pé de igualdade com os outros
estrangeiros, mas isso só havia sido possível porque esse país, o país da imigração par excellence, sempre considerou
quaisquer recém-chegados como seus próprios cidadãos em potencial, independentemente de sua nacionalidade
anterior.
[22] O American Friends Service Bulletin (General Relief Bulletin, março de 1943) publica o relato de um de seus
colaboradores na Espanha que havia deparado com o problema de "um homem que havia nascido em Berlim, na
Alemanha, mas é considerado de origem polonesa, porque seus pais nasceram na Polônia, e é, portanto (...) apátrida,
mas que alega ser de nacionalidade ucraniana e que foi, portanto, reclamado pelo governo russo para ser repatriado e
servir no Exército Vermelho".
[*] Vilna — atual Vilnius, capital da Lituânia soviética — fez, até 1919, parte da Rússia; depois, até 1939, da
Polônia; depois da Lituânia; e agora da URSS.
[23] Lawrence Preuss, "La dénationalisation imposée pour des motifs politiques", em Revue Internationale Française du Droit des
Gens, 1937, vol. IV, n?s 1, 2, 5.
[24] Uma lei italiana de 1926 contra "emigração abusiva" parecia prenunciar medidas de desnaturalização contra refugiados
antifascistas; contudo, a partir de 1929, a política de desnaturalização foi abandonada e estabeleceram-se organizações fascistas no
exterior. Dos 40 mil membros da Unione Popolare Italiana da França, pelo menos 10 mil eram autênticos refugiados antifascistas,
mas apenas 3 mil não tinham passaporte. Ver Simpson, op. cit., pp. 122 ss.
[25] A primeira lei desse tipo foi uma medida francesa, tomada durante a guerra em 1915, que se relacionava apenas a cidadãos
naturalizados de origem inimiga que houvessem conservado sua nacionalidade original. Portugal foi muito mais longe num decreto
de 1916 que desnaturalizava automaticamente todas as pessoas nascidas de pai alemão. A Bélgica emitiu uma lei em 1922 que
cancelava a naturalização de pessoas que houvessem cometido atos contra a nação durante a guerra, e a reafirmou com um novo
decreto de 1934, tipicamente vago, que falava de pessoas manquant gravement à leurs devoirs de citoyen belge. Na Itália, desde
1926, qualquer pessoa que não fosse "digna da cidadania italiana" ou constituísse ameaça à ordem pública podia ser desnaturalizada.
O Egito e a Turquia, em 1926 e 1928 respectivamente, aprovaram leis segundo as quais as pessoas que constituíssem ameaça à
ordem social podiam perder sua naturalização. A França ameaçou desnaturalizar os seus novos cidadãos que cometessem atos
contrários aos interesses da França (1927). A Áustria, em 1933, podia privar da nacionalidade austríaca qualquer um dos seus
cidadãos que cometesse atos hostis à Áustria no exterior, ou deles participassem. Finalmente, a Alemanha, em 1933, seguiu de perto
os vários decretos russos sobre nacionalidade emitidos desde 1921, declarando que qualquer pessoa "residente no exterior" podia, a
critério das autoridades, ser privada da nacionalidade alemã.
[25a] De uma ordem do Hauptsturmführer Dannecker, de 10 de março de 1943, referente à "deportação de 5 mil judeus da França,
cota de 1942". O documento (cópia fotostática no Centro de Documentation Juive de Paris) é parte dos Nuremberg Documents n?
RF 1216. Medidas semelhantes foram tomadas contra os judeus búlgaros. Cf. ibidem o relevante memorando de L. R. Wagner,
datado de 3 de abril de 1943, Documento NG 4180.
[26] S. Lawford Childs {op. cit.) deplora o fato de que o Pacto da Liga das Nações não contenha "nenhuma
concessão para os refugiados políticos, nenhum alivio para os exilados". A tentativa das Nações Unidas de obter, pelo
menos para um pequeno grupo de apátridas — os chamados "apátridas de jure" —, uma melhora de status legal não
passou de um simples gesto de reunir os representantes de pelo menos vinte países, mas com a garantia explícita de
que a participação na conferência não implicaria quaisquer obrigações. Mesmo assim, ainda era extremamente
duvidoso que a conferência pudesse ser realizada. Ver a notícia no New York Times, 17 de outubro de 195*», p. 9.
[27] As únicas defensoras do direito de asilo eram aquelas poucas sociedades cujo objetivo especial era a proteção
dos direitos humanos. A mais importante delas, a Ligue des Droits de VHomme, patrocinada pela França e com
ramificações em todos os países democráticos da Europa, agia como se a questão ainda fosse simplesmente a
salvação de indivíduos perseguidos em virtude de suas convicções e atividades políticas. Essa suposição não tinha
sentido, por exemplo, no caso de milhões de refugiados russos e era simplesmente absurda para os judeus e armênios.
A Ligue não estava equipada, ideológica ou administrativamente, para enfrentar esses problemas. Como não queria
enfrentar a nova situação, tropeçava ao tentar exercer as funções que eram muito melhor resolvidas por qualquer uma
das muitas agências de caridade que os próprios refugiados haviam criado com o auxílio dos seus compatriotas. Ao se
tornarem objeto de uma organização de caridade ineficaz, os Direitos do Homem caíram em descrédito ainda maior.
[28] Os numerosos e diferentes esforços dos legisladores no sentido de simplificar o problema declarando uma
diferença entre o apátrida e o refugiado — como argumentar "que o status do apátrida é caracterizado pelo fato de
não ter nacionalidade, enquanto o do refugiado é determinado por sua perda de proteção diplomática" (Simpson, op.
cit., p. 232) — foram sempre anulados pelo fato de que "todos os refugiados são apátridas para fins práticos"
(Simpson, op. cit., p. 4).
[29] A formulação mais irônica dessa expectativa geral foi feita por R. Yewdall Jermings, "Some international
aspects of the refugee question", em British Yearbook of International Law, 1939: "O status do refugiado
naturalmente não é permanente. O objetivo é que ele se liberte dessa condição o mais depressa possível, ou pela
repatriação, ou pela naturalização no país de refúgio".
[30] Apenas os russos, sob todos os aspectos a aristocracia dos apátridas, e os armênios, que foram equiparados ao
status russo, chegaram a ser reconhecidos oficialmente como "apátridas", colocados sob a proteção da Agência
Nansen da Liga das Nações, e contemplados com documentos que lhes permitiam viajar livremente.
[31] Childs, op. cit. O motivo dessa desesperada exigência de rapidez era o temor de todos os governos de que o
menor gesto positivo "pudesse encorajar os países a se descartarem de seus residentes indesejáveis e de que muitos
daqueles que, de outra forma, permaneceriam em seus países, mesmo em condições de séria desvantagem, pudessem
emigrar" (Louise W. Holborn, "The legal status of political refugees, 1920-38", em American Journal of International
Law, 1939).
Ver também Georges Mauco (em Esprit, ano 7, n? 82, julho de 1939, p. 590): "A equiparação dos refugiados alemães
ao status de outros refugiados sob os cuidados da Agência Nansen teria solucionado melhor o problema. (...) Mas os
governos não queriam estender os privilégios já concedidos a uma nova categoria de refugiados, o que, além do mais,
ameaçaria aumentar o seu número indefinidamente".
[32] Aos 600 mil judeus da Alemanha e da Áustria que eram apátridas em potencial em 1938, devem ser
acrescentados os judeus da Romênia (o presidente da Comissão Federal Romena de Minorias, professor Dragomir,
havia acabado de anunciar ao mundo a iminente revisão da cidadania de todos os judeus romenos) e da Polônia (cujo
ministro do Exterior, Beck, havia oficialmente declarado que a Polônia tinha o excesso de 1 milhão de judeus). Ver
Simpson, op. cit., p. 235.
[33] É difícil saber o que ocorreu primeiro, se a relutância dos Estados-nações em naturalizar os refugiados (com a chegada destes,
a prática de naturalização tornou-se cada vez mais limitada e a prática da desnaturalização cada vez mais comum), ou a relutância
dos refugiados em aceitar outra cidadania. Em países com populações minoritárias, como a Polônia, os refugiados russos e
ucranianos tinham uma clara tendência de se incorporarem às minorias russa e ucraniana sem, contudo, exigirem cidadania
polonesa. (Ver Simpson, op. cit., p. 364).
A conduta dos refugiados russos é bem típica. O passaporte Nansen descrevia o portador comopersonne d'origine russe, porque
"ninguém ousaria dizer ao emigrante russo que ele não tinha nacionalidade ou era de nacionalidade duvidosa". (Ver Marc Vichniac,
"Le status international des apatrides", em Recueil des Cours de VAcadêmie de Droit International, vol. XXXIII, 1933.) Uma
tentativa de dar a todos os apátridas cartões de identidade uniformes foi contestada pelos portadores de passaportes Nansen, que
alegavam que o seu passaporte era "um símbolo do reconhecimento legal de seu status peculiar". (Ver Jermings, op. cit.). Antes do
início da guerra, nem mesmo os refugiados da Alemanha estavam ansiosos por se incorporar à massa dos apátridas e preferiam a
descrição refugie provenant d'Allemagne, com o seu vestígio de nacionalidade.
Mais convincentes do que as queixas de países europeus acerca das dificuldades de assimilar refugiados são as declarações de países
de ultramar, que concordam com os primeiros quanto ao fato de que "de todos os imigrantes europeus, os menos fáceis de serem
assimilados são os que vêm da Europa meridional, oriental e central". "Canada and the doctrine of peaceful changes", editado por H.
F. Angus em International studies conference: demographic questions: peaceful changes, 1937, pp. 75-6).
[34] Jermings, op. cit.
[35] Uma circular das autoridades holandesas (7 de maio de 1938) chama expressamente cada refugiado de "estrangeiro
indesejável" e define o refugiado como um "estrangeiro que deixou o país pela força das circunstâncias" ("L'emigration, problème
révolutionnaire", em Esprit, n? 82, julho de 1939, p. 602).
[36] Lawrence Preuss, op. cit., descreve nestes termos a difusão da ilegalidade: "O ato ilegal inicial do país que desnacionaliza
[uma pessoa] (...) coloca a nação expulsora na posição de infratora da lei internacional, uma vez que suas autoridades violam a lei
do país para o qual o apátrida é expulso. Esse país, por sua vez, não pode descartar-se dele (...) a não ser violando (...) a lei de um
terceiro país.(...) [O apátrida depara com a seguinte alternativa]: ou viola a lei do país onde reside (...) ou viola a lei do país para o
qual é expulso".
Sir John Fischer Williams ("Denationalisation", em British Year Book of International Law, VII, 1927) conclui dessa situação que a
desnacionalização é contrária à lei internacional; contudo, na Conference pour Codification du Droit International realizada em
Haia, em 1930, o governo finlandês foi o único a afirmar que "a perda da nacionalidade (...) jamais deve constituir punição (...) nem
ser usada para que um pais se desfaça de uma pessoa indesejável através da expulsão".
[37] A diferença entre um cidadão naturais, Childs, op. cit., chegou à triste conclusão de
que "a verdadeira dificuldade em receber um refugiado é esta: se ele demonstrar ser um mau elemento (...)
não há maneira de o país livrar-se dele". Depois propôs a criação de "centros de transição", que, em outras palavras,
substituiriam a pátria, mas só para fins de deportação.
[38] Dois casos de naturalização em massa no Oriente Próximo foram claramente .excepcionais: um envolveu os
gregos expulsos da Turquia que o governo grego naturalizou em bloco em 1922, porque se tratava realmente de um
minoria grega, mesmo que formada por cidadãos juridicamente estrangeiros; o outro beneficiou os refugiados
armênios da Turquia estabelecidos na Síria, Líbano e outros países ex-otomanos, isto é, uma população com a qual
todo o Oriente Próximo compartilhava a cidadania turco-otomana ainda poucos anos antes.
[39] Quando uma onda de refugiados encontrava membros de sua própria nacionalidade já estabelecidos no país para
o qual haviam imigrado — como foi o caso dos armênios e italianos na França, por exemplo, e dos judeus por toda
parte —, ocorria um certo retrocesso na assimilação daqueles que haviam estado lá havia mais tempo. Pois o seu
auxílio e solidariedade só podiam ser mobilizados por um apelo à nacionalidade original que tinham em comum com
os refugiados. Isso era do interesse imediato dos países inundados de refugiados, mas incapazes, ou não desejosos, de
lhes dar auxílio direto ou o direito de trabalhar. Em todos esses casos, os sentimentos nacionais do grupo mais antigo
foi "um dos principais fatores da bem-sucedida fixação dos refugiados" (Simpson, op. cit., pp. 45-6), mas, apelando
para essa consciência e solidariedade nacional, os países receptores naturalmente aumentavam o número de
elementos não-assimilados, que assim prolongavam a sua condição real de estrangeiros. Para citar apenas um caso:
10 mil refugiados italianos bastaram para que se adiasse indefinidamente a assimilação de quase 1 milhão de
imigrantes italianos na França.
[40] O governo francês, seguido por outros países ocidentais, introduziu nos anos 30 um número cada vez maior de
restrições para os cidadãos naturalizados: eram eliminados de certas profissões por até dez anos da naturalização, não
tinham direitos políticos etc.
[41] Simpson, op. cit., p. 289.
[42] Na prática, qualquer sentença a que for condenado será insignificante, comparada com um mandado de expulsão,
cancelamento do direito de trabalhar ou um decreto que o mande para um campo de internamente. Um nipo-americano da costa ocidental dos Estados Unidos, que estivesse na prisão quando o Exército ordenou o internamente
de todos os americanos de ascendência japonesa, não teria sido forçado a desfazer-se dos seus bens a qualquer preço;
teria permanecido onde estava, munido de um advogado para cuidar dos seus interesses; e, se tivesse a sorte de
receber uma sentença longa, voltaria honesta e tranquilamente ao seu antigo negócio ou profissão, mesmo que esta
fosse a de ladrão. Sua sentença condenatória garantia-lhe os direitos constitucionais que nenhuma atitude, mesmo de
total lealdade, lhe poderia garantir, uma vez que a sua cidadania fosse posta em dúvida.
[43] O fato de que o mesmo princípio de formação das elites funcionou muitas vezes nos campos de concentração
totalitários, onde a "aristocracia" era constituída de criminosos e alguns "gênios", isto é, artistas ou escritores, mostra
quão intimamente são relacionadas as posições sociais desses grupos.
[44] Na França, por exemplo, ficou comprovado que uma ordem de expulsão que emanasse da polícia era muito mais
grave do que outra que viesse "apenas" do Ministério do Interior, e que o ministro do Interior só raramente podia
cancelar uma expulsão ordenada pela polícia, enquanto o processo oposto dependia, muitas vezes, somente de
suborno. Constitucionalmente, a policia está subordinada ao Ministério do Interior.
[44a] Em fevereiro de 1939, o Ministério do Interior do Reich e da Prússia apresentou o "projeto de uma lei referente
à aquisição e à perda da nacionalidade alemã" que ia muito além da legislação de Nuremberg. Segundo esse projeto,
todos os filhos de "judeus, judeus de sangue misto ou pessoas de outro sangue estrangeiro" (que nunca poderiam vir a
ser cidadãos do Reich de qualquer forma) também não tinham mais o direito à nacionalidade, "mesmo que o pai
tivesse nacionalidade alemã por nascimento". Essas medidas já não estavam interessadas na legislação antijudaica,
como ficou evidenciado por uma opinião emitida a 19 de julho de 1939 pelo ministro da Justiça, que sugeriu que "as
palavras judeu e judeu de sangue misto fossem omitidas da lei e substituídas por 'pessoas de sangue estrangeiro', ou
'pessoas de sangue não-alemão ou não-germânico' [nicht artverwandt]". Uma interessante faceta desse plano de
aumentar extraordinariamente a população apátrida da Alemanha nazista diz respeito aos enjeitados, que são
considerados explicitamente apátridas, "até que uma investigação de suas características raciais possa ser feita". Eis aqui, deliberadamente invertido, o princípio de que todo indivíduo nasce com direitos inalienáveis garantidos por sua
nacionalidade: agora todo indivíduo nasce sem direitos, a não ser que mais tarde se possa determinar o contrário.
O dossiê original referente ao projeto dessa legislação, incluindo as opiniões de todos os ministérios e do Alto
Comando da Wehrmacht, encontra-se nos arquivos do Yiddish Scientific Institute, Nova York.
[45] Quanto ao papel dos judeus na formulação dos Tratados das Minorias, ver Macartney, op. cit., pp. 4, 213, 281
epassim; David Erdstein, Le status juridique des minorités en Europe, Paris, 1932, pp. 11 ss; Oscar J. Janowsky, op.
cit.
[46] Essa noção não é, de modo algum, privilégio da Alemanha nazista, embora somente um autor nazista ousasse
expressá-la: "É verdade que continuará a existir uma questão dos refugiados mesmo quando já não exista a questão
dos judeus; mas, como os judeus constituem uma porcentagem tão alta dos refugiados, a questão dos refugiados será
bem mais simples" (Kaber-mann, "Das internationale Flflchtlingsproblem" [O problema internacional dos
refugiados], em Zeitschri.fi
für Politik, vol. 29, 3, 1939).
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