baitasar
estou mais confiante, saio vitaminado da nossa sala do café, água e conversas sobre letras – e também, conversas aleatórias sobre ensinar a pensar certo através do conteúdo e itinerários –, falação educativa em acentos mais confortáveis que a fórmica verde, e como aprendi que não há espaço sem tempo – são inseparáveis –, estou me perguntando se aproveitei-me do tempo finito do recreio de forma produtiva e apropriada
preciso transitar de um não-lugar para um outro mundo sem fronteiras, reconhecendo meus limites do conhecimento em uma linha tênue entre o nada e o pleno, ambos desafiam minha compreensão e revelam a profundidade do mistério de ensinar e educar, Não se enganou a escola com as crianças que não floresceram?
a professora Aninha saiu-se antes, Quero bisbilhotar o recreio, diz que assim fica mais perto e quanto mais perto, Fico mais confiante e eficiente, é preciso conhecer o aluno real para pensar certo, também caminho mais esperançoso pelo corredor até o pátio, um caminho mais leve, passos abertos e decididos, crianças riem, brilham, a escola, a escola é abrigo e porto seguro, caminho ao encontro do que sonhei, paro embaixo do cartaz com a letra D, aguardo em silêncio, correm, gritam, sem as crianças existiria uma escola menos esperançosa, aprender a conversar com elas é como aprender a conversar antes da prática, sentir o coração pulando incontrolável, tocando nossa sensibilidade, nem sempre uma conversa serena nem sempre amena, é verdade, mas, de qualquer maneira, não sei como se chama a tristeza de uma criança em silêncio
Crianças! Façam uma fila!
a fila é tão comum, quase nunca paramos para observá-la com um pouco mais de atenção, esse mesmo zelo vigilante que usamos para não sermos ultrapassados quando estamos enfileirados
o perfume das corridas escorrendo está no ar da fila que se forma depois do recreio, risos, gritos, o ritmo da dança é alegre, crianças chegando suadas, alarmadas e livres, escolho organizá-las pela desigualdade do tempo, Quem chega primeiro fica na frente, meu critério para uma estrutura militar organizada
Sou o professor Marko! Vou ficar com vocês até o final da aula de hoje, a fila parando de se mexer como uma minhoca assustada, como sei que elas não foram ao banheiro – que criança vai se permitir ir ao banheiro no recreio e perder a vez nas corridas e brincadeiras? –, eu pergunto, Vocês querem ir ao banheiro?
Siiimmm!!!
Tudo bem, mas vamos em fila e de maneira muito organizada, a fila para o banheiro se tornará um rotina cotidiana junto com os conteúdos curriculares que, por ora, desconheço
cada criança, cada um de nós, cada turma e seu coletivo, carrega sua própria história de impaciências, uma sacola cheia de lembranças, expectativas variadas e lambanças estacionadas na monotonia da espera, na distância que não encurta nem aproxima os olhares, uma criança atrás da outra, olhos na nuca da criança da frente, em uma escola cinza todas vivem em filas
depois da ordem dada, faço silêncio, espero pela tensão estática dos corpos alinhados – uma espera quase inútil e desnecessária, a fila é uma força ideológica, continuo esperando –, uma criança atrás da outra, a busca pelo silêncio ensurdecedor, cada criança com o seu lugar marcado para comer, respirar e pensar, presas a uma espera que disciplina e nunca termina
um código tatuado no braço e o seu lugar marcado, uma sequência rígida que ordena a existência, o relógio da escola bate o mesmo segundo para todos, congela o tempo em uma corrida monótona esmagadora, olhos brilhantes esvaziando, encarando o vazio da nuca, é proibido ultrapassar o corpo à frente, um lugar onde ninguém se encontra, apenas marchamos, eu à frente delas, uma atrás da outra, ainda há espaço para gestos de inconformidade, sorrisos ou olhares que escapam, meu olhar é uma prisão invisível
crianças estão na fila por anos, uma sucessão de sombras que não se reconhecem, qualquer som é censurado, um campo de batalha enfileirado com empurrões sutis, olhares cortantes e impacientes, o tempo que parece parado incomoda a agitação, provoca desânimo e afobação ao mesmo tempo, esse retorno do recreio é sempre um desafio, empurrar, gritar, sussurrar, faz parte deste repertório de impaciências, a sequência precisa ser restaurada na escola cinza, Crianças! Fiquem na sua posição! Silêncio!
depois do banheiro, vamos para a sala de aula, o nosso território do diálogo controlado e sem intervenções externas, nosso provável ambiente de libertação e transformação para vidas mais justas, um espaço democrático possível de respeito e combinações, lá fora, o futuro sombrio das regras rígidas e injustiças tentando entrar pelas frestas e arestas
antes de fazer a chamada dos seus nomes e registrar suas presenças, me apresento mais uma vez, esqueço de dizer que sou professor de educação física, faço a chamada, nome por nome, aproveito para anunciar que minha memória para lembrar nomes está passando por dificuldades, Prometo que vou me esforçar para lembrar seus nomes. Mas vou precisar que me ajudem, combinado?
Siiimmm!!!
antes de distribuir o material da professora Aninha, peço que levantem dos seus lugares e façamos um círculo, Uma roda...
o barulho não é discreto nem pequeno, mas enfim, depois de muitas classes e cadeiras arrastadas, estamos em círculo, sugiro que possamos nos dar as mãos e sentarmos no chão – diversão garantida, uma pequena revolução, a vida em comum a serviço do conhecimento –, um comportamento libertador para mim, estou reaprendendo esses jeitos
pergunto se conhecem a canção dos Dedinhos, não conhecem, mas escutaram a outra turma cantando, também querem cantar, cada dedo agora tem um apelido, então cantamos e dançamos com os dedos, cada dedo chamado e cantado dança com o mesmo dedo da outra mão
a alegria de cantar nos aproximando
em certo sentido, a música sendo agora um texto que precisamos ler e decorar ao mesmo tempo que cantamos, aprender a ler é também aprender a escutar, escutar minha voz, escutar a voz do outro, cada criança aprendendo ser dona da sua voz, cantamos juntos, nosso jeito de ver o mundo mudando, estou mudando, não sou o mesmo professor depois do recreio, não é uma tarefa fácil esse desaprender libertador através do diálogo esperançoso
depois do canto e suas repetições, peço para repetirem seus nomes, cumprimento cada criança pelo nome, após a última reapresentação, pergunto, Quem sabe dizer com que letra começa o seu nome?
a diversão está garantida, o itinerário desenhado, cada criança recebe de volta a folha da professora Aninha com a letra inicial do próprio nome para colorir, recortar e colar em um cartaz coletivo, um quebra-cabeça solidário de letras
estou acostumado com a rotina da bagunça das corridas, pulos e jogos de bola, mas preciso ficar mais confortável entre cartolinas, tesouras, canetinhas coloridas e tubos de cola
a semana avança assim, Qual a letrinha que aprendemos hoje? Qual a parte mais divertida da aula? E a mais chata, pergunto, as respostas vêm intensas e imediatas, um livrinho de letras de cada criança está se criando, dia-a-dia, página por página se montando, os moldes, as etiquetas com nomes, cartazes do alfabeto nas paredes, as músicas
então, fiz o impensável, levei meu sax tenor para a sala de aula
Sou o professor Marko! Vou ficar com vocês até o final da aula de hoje, a fila parando de se mexer como uma minhoca assustada, como sei que elas não foram ao banheiro – que criança vai se permitir ir ao banheiro no recreio e perder a vez nas corridas e brincadeiras? –, eu pergunto, Vocês querem ir ao banheiro?
Siiimmm!!!
Tudo bem, mas vamos em fila e de maneira muito organizada, a fila para o banheiro se tornará um rotina cotidiana junto com os conteúdos curriculares que, por ora, desconheço
cada criança, cada um de nós, cada turma e seu coletivo, carrega sua própria história de impaciências, uma sacola cheia de lembranças, expectativas variadas e lambanças estacionadas na monotonia da espera, na distância que não encurta nem aproxima os olhares, uma criança atrás da outra, olhos na nuca da criança da frente, em uma escola cinza todas vivem em filas
depois da ordem dada, faço silêncio, espero pela tensão estática dos corpos alinhados – uma espera quase inútil e desnecessária, a fila é uma força ideológica, continuo esperando –, uma criança atrás da outra, a busca pelo silêncio ensurdecedor, cada criança com o seu lugar marcado para comer, respirar e pensar, presas a uma espera que disciplina e nunca termina
um código tatuado no braço e o seu lugar marcado, uma sequência rígida que ordena a existência, o relógio da escola bate o mesmo segundo para todos, congela o tempo em uma corrida monótona esmagadora, olhos brilhantes esvaziando, encarando o vazio da nuca, é proibido ultrapassar o corpo à frente, um lugar onde ninguém se encontra, apenas marchamos, eu à frente delas, uma atrás da outra, ainda há espaço para gestos de inconformidade, sorrisos ou olhares que escapam, meu olhar é uma prisão invisível
crianças estão na fila por anos, uma sucessão de sombras que não se reconhecem, qualquer som é censurado, um campo de batalha enfileirado com empurrões sutis, olhares cortantes e impacientes, o tempo que parece parado incomoda a agitação, provoca desânimo e afobação ao mesmo tempo, esse retorno do recreio é sempre um desafio, empurrar, gritar, sussurrar, faz parte deste repertório de impaciências, a sequência precisa ser restaurada na escola cinza, Crianças! Fiquem na sua posição! Silêncio!
depois do banheiro, vamos para a sala de aula, o nosso território do diálogo controlado e sem intervenções externas, nosso provável ambiente de libertação e transformação para vidas mais justas, um espaço democrático possível de respeito e combinações, lá fora, o futuro sombrio das regras rígidas e injustiças tentando entrar pelas frestas e arestas
antes de fazer a chamada dos seus nomes e registrar suas presenças, me apresento mais uma vez, esqueço de dizer que sou professor de educação física, faço a chamada, nome por nome, aproveito para anunciar que minha memória para lembrar nomes está passando por dificuldades, Prometo que vou me esforçar para lembrar seus nomes. Mas vou precisar que me ajudem, combinado?
Siiimmm!!!
antes de distribuir o material da professora Aninha, peço que levantem dos seus lugares e façamos um círculo, Uma roda...
o barulho não é discreto nem pequeno, mas enfim, depois de muitas classes e cadeiras arrastadas, estamos em círculo, sugiro que possamos nos dar as mãos e sentarmos no chão – diversão garantida, uma pequena revolução, a vida em comum a serviço do conhecimento –, um comportamento libertador para mim, estou reaprendendo esses jeitos
pergunto se conhecem a canção dos Dedinhos, não conhecem, mas escutaram a outra turma cantando, também querem cantar, cada dedo agora tem um apelido, então cantamos e dançamos com os dedos, cada dedo chamado e cantado dança com o mesmo dedo da outra mão
a alegria de cantar nos aproximando
em certo sentido, a música sendo agora um texto que precisamos ler e decorar ao mesmo tempo que cantamos, aprender a ler é também aprender a escutar, escutar minha voz, escutar a voz do outro, cada criança aprendendo ser dona da sua voz, cantamos juntos, nosso jeito de ver o mundo mudando, estou mudando, não sou o mesmo professor depois do recreio, não é uma tarefa fácil esse desaprender libertador através do diálogo esperançoso
depois do canto e suas repetições, peço para repetirem seus nomes, cumprimento cada criança pelo nome, após a última reapresentação, pergunto, Quem sabe dizer com que letra começa o seu nome?
a diversão está garantida, o itinerário desenhado, cada criança recebe de volta a folha da professora Aninha com a letra inicial do próprio nome para colorir, recortar e colar em um cartaz coletivo, um quebra-cabeça solidário de letras
estou acostumado com a rotina da bagunça das corridas, pulos e jogos de bola, mas preciso ficar mais confortável entre cartolinas, tesouras, canetinhas coloridas e tubos de cola
a semana avança assim, Qual a letrinha que aprendemos hoje? Qual a parte mais divertida da aula? E a mais chata, pergunto, as respostas vêm intensas e imediatas, um livrinho de letras de cada criança está se criando, dia-a-dia, página por página se montando, os moldes, as etiquetas com nomes, cartazes do alfabeto nas paredes, as músicas
então, fiz o impensável, levei meu sax tenor para a sala de aula
___________
leia também:
um professor bagunceirinho (9)
Nenhum comentário:
Postar um comentário