domingo, 31 de julho de 2011

I (1ª Parte) - No se puede hacer la revolucion sin las mujeres

As mágicas mais simples da vida são as mais encantadas
Cuerpo-Santo
baitasar

Cuerpo-Santo


A embaixada das bananas em terras de homens de milho, ainda está às escuras. O amanhecer ensolarado e com cheiro de suor, ainda não despencou dos milharais sobre as cores da noite. É sempre do mesmo jeito, desde que me lembro de colocar os olhos na cumeada da Montaña. Bem cedinho, o brilho amarelado do milho vem sempre do mesmo ponto mágico, os camponeses arreitam os olhos aonde ele se derrama
(Minha filha, as mágicas mais simples da vida são as mais encantadas.)
Meu pai sempre foi encantado com la Montaña.
Houve un tiempo em que a simplicidade daquela grande elevação de tierra acolhia as vidas campesinas para o sustento do cuerpo y espíritu. Homens e mulheres sabiam o que esperar da tierra generosa com seus cultivos de frutas e plantas medicinais, possuíam uma ligação vasta e clara com aquela fartura de florestas e animais, quase tudo perdido para as plantações mucho mayores que lo pensamiento de maíz.
Restou a memória do que existiu: uma Montaña com espírito alegre, simples e santo; uma vida que ganhava a vida coletando as sementes, folhas e frutas na floresta. Depois da invasão das grandes plantações restou a selva de maíz: um cárcere triste.
O nosso papá ficou perdido em alguma cova de milho: existe dele a fome, o ar sufocante e os sapatos sem sola. Em suas noites de maior solidão, mi hermana Blanca percorria caminhos sinuosos pelas covas de milho procurando nosso desaparecido. Nunca encontrado. A gente nunca esquece de quem se esquece da gente
(¿Padre por qué me has abandonado?)
As lágrimas escorriam caudalosas e as marés das águas se empurravam em soluços descontrolados. Enfiei os joelhos até o fundo da tierra, ajoelhada no chão recém criado, rezei com veemência. Blanca também rezava fervorosa. Ninguém de importância queria saber quem era Blanca. Ela só tinha serventia como mãe-do-corpo, sementeira da nova carne para semear, colher e adubar.
Um calafrio percorreu minha ossatura, avistei um pequeno calango rastejando nervoso entre as catacumbas de milho desde o início dos tempos. Blanca ajuntou pedras no chão e atirou todas no pequeno invasor; quem não tinha pecados atirou a primeira pedra, uma e depois a outra, e mais uma. Ele se esquivou entre as pequenas sepulturas.
Agarrei uma das mãos de mi hermana y espero el tiempo para voltarmos. Ficamos em pé, lado a lado, os olhos enfiados nos milhos, as orelhas espichadas escutando. Não tinha percebido, mas estou llorando
(¡Es hora de abandonar la Montaña!)
Desculpe, minha querida, mas siempre lloro quando estou nos braços das lembranças de mi hermana, el tiempo não passa para envelhecer as lembranças queridas, ficam plantadas esperando serem chamadas para o conforto da vida, chegam invadindo com um calor estranho, um abafamento da vontade, um melancolia irremediável, un tiempo perfecto.
Descemos quase no tiempo dos homens e mulheres subirem a Montaña, a escuridão teimosa se move em ressaca com dores pelo corpo enquanto cumpre o seu destino. Essa gente ascende para esgravatar com suas mãos encarquilhadas pequenos úteros, que la tierra grávida irá alimentar com suas carnes empoeiradas. O povo de milho é cúmplice do amanhecer amarelento, espalham as cores que espantam as estrelas enfiando as matizes das suas sementes nos pozos de maíz. Semear, e colher, e adubar. Servimos el patrón en la muerte.
De repente, a escuridão cambaleia como se tentasse voltar para o começo, mas não tem mais jeito, o álcool entorpeceu os sentidos da noite, é inevitável... ela irá sumir. Assustada e evaporando no próprio sumiço. A antemanhã já corre de um lugar para outro – tem a parecença de quem corre, mas tropeça de um tombo para outro - até que acha um canto e se enrosca sobre suas partes e os sonhos se esvaem. A noite está fugindo e empresta ao dia seus suspiros de despedida, a cor amarelenta avança como uma moléstia degenerada que nunca se termina, como um aviso
(No hay cura...)
O embaixador das bananas ainda está enfiado em seus travesseiros. Dorme como dormiu ontem e antes de ontem. Sempre do mesmo jeito tranquilo e com as janelas do terraço abertas para receber os primeiros estremecimentos do dia. Ruborizado. Desnudo. É como um renascer diário. A placenta da noite rasga e os líquidos noturnos vazam pelas terras douradas, já é tempo do tempo daquele milho enfeitado de ouro. Abre os olhos. Ele é o sêmen que se doa para o mundo todas as manhãs.
A consciência escorada em um dos cantos daquele quarto deixa os sonhos em suspensão, esvoaçando pelos bananais e galinheiros, põe os dois dedos na boca e assobia como as cobras perto do galinheiro, é o sinal de alerta para a escuridão se despejar pelas frestas, o dia amanhece.
O homem desliza para fora da cama, tem as marcas da noite. Caminha até a varanda e exclama para o dia que também acorda
(Eu sou o amor!)
Está de braços abertos, um funcionário público leve e despreocupado.
Olha para a cama. Lá estão os vincos e as pregas do seu corpo, deformadas pela sua ausência. Escorrega os olhos para o lado, um pequeno pedaço de carne bronzeada desaparece e reaparece entre as dobras brancas daqueles panos de linho. Ali, em pé, recorda a noite de bebidas, discursos e luxurias. Sente que o rabo da gata se arrepia e quer voltar para aquelas carnes
(Não...)
Sai do quarto e caminha pelo casario desassombrado, já com as cores do dia.
Na cozinha da embaixada o movimento já teve começo. Por ali, não se tem notícia de desabastecimento. O padeiro já fez a sua entrega, apenas alguns instantes antes do leiteiro encostar sua carreta de mulas. O leite vem do tambo do Caraca.
Hombres mulas de Dom Juan
(Dom Juan, que surpresa.) (Buenos dias, Pedro, de vez em quando, é bom o olho do dono engordar as vacas.) (Faz um bom tempo que o amigo não aparece.)
Era certo que faz um bom tempo que o patrão do tambo não aparecia no reparte, mas os murmúrios entre as bocas e ouvidos o deixavam preocupado com o futuro do seu negócio
(Pedro, se continuar essa queda de braço entre o governo e os gringos não dou garantia de voltar todas as manhãs.) (As coisas vão se ajeitar, Dom Juan.) (Tenho minhas dúvidas.) (Isso passa.) (Não sei, hombre... brigar com os gringos? Não ajuda em nada e atrapalha os negócios.)
A mecanização dos gringos tirou Dom Juan do amanhecimento madrugador de todas as manhãs. Fez um financiamento longo no governo, quase perdendo as vistas de tão longe. Essas prestações curtinhas incentivaram Dom Juan correr o risco e comprar as ordenhadeiras. Quando instalou as mãos mecânicas para espremer tetas, as notícias do curral assustaram os empregados do tambo do Caraca, diziam que as vacas leiteiras iam ser espremidas por uma máquina, as mãos ficariam sem uso de emprego
(Don Juan va há despedir a lós trabajadores.) (Dom Juan vai mandar os leiteiros embora.) (La succión mecánica trabaja por diez obreros.)
Ele inquiria com gritos indignados
(Quem diz tanta asneira?) (Está en las noticias...) (As noticias ruins não andam sozinhas.)
A verdade que seja dita porque não é mentira, apenas Dom Juan ficou descolocado de serventia. El hombre passou a ter mais gosto da embolação nos lençóis da sua senhora, Dona Lara. Apalpava a vida tranquila que pediu a Nuestra Señora de Guadalupe. Fez um reformismo nas tarefas dos seus empregados, trabalho de educação, assim, sua presença só era necessária quando a desconfiança lhe chegava às ventas e lhe coçava a palma da mão ou quando os proveitos da senhora ficavam avermelhados, colorações que em Dom Juan lhe davam desconforto com vomições.
Se acaso cobiçava notícias minhas ia até la embajada
(Então, Dom Juan, veio espiar as vacas?) (Pois digo que vim é matar a saudade daquelas tetas, e já tomei proveito de investigar se algum miserável não me tomava além do devido.) (O que isso, Dom Juan! Seus empregados são gente séria.) (Pedro, o miserável sempre que puder mete as mãos nas coisas da gente de bem.) (Concordo, los cholos y los nativos não sabem a sorte que têm...) (Os tiramos daquela montanha de milhos e bananas...) (Com salários justos.)
Ele despeja o caldo recém ordenhado em brancas jarras de louça. O derrame do leite provoca o motim de uma espuma espessa e tentadora. Depois que a última gota da vazante leitosa cai, a jarra é coberta e o leite fica em descanso
(E a menina?) (Dando conta das suas tarefas.) (Assim seja...) (Por Nuestra Señora de Guadalupe.) (Amém.)
Pedro e Dom Juan se despedem com um sinal de cruz, outras entregas não podem esperar
(Dom Juan, bem que podia abrir a mão e comprar um caminhão para o reparte.) (Mas que nada, meu amigo, reparte do Tambo do Caraca precisa da carreta e dos bois, senão parece entrega da cantina.) (Que a Nuestra Señora de Guadalupe guie a todos.) (Assim há de ser, um bom dia, Pedro.) (Um bom dia, Dom Juan.)
Uma nata de gordura cresce e flutua sobre a superfície líquida daquele caldo esbranquiçado. Cera de manteiga. As imensas tetas, por certo, estão aliviadas de tanto suco extraído pelas mãos dos empregados automáticos do Caraca, elas nunca se contentam em mamar pouco. Está se indo para trás o tempo das mãos rudes e solitárias que espremiam o leite escondido no úbere fértil. Los cholos rústicos e ingênuos que aprenderam a viajar sozinhos à morte, espremidos por mãos e vozes doces, ensinam que a vida é assim, a Montaña, o milho e as vacas leiteiras, uns morrem plantando, outros colhendo, outros espremidos, não adiantam pose e orgulho.
Os grãos de milho já estão sendo batidos e esmagados. As tarefas do braço começam cedo, teta ou milho, não importa, é tudo colhido bem cedinho.
O embaixador tem o hábito matinal de levantar e seguir direto para a cozinha. Vestido com o roupão branco, liso e desfeito de qualquer adorno, apenas com o duplo bê bordado no bolso à altura do coração. Descobre uma das jarras de leite e antes de tomá-lo, come em colheradas a nata de manteiga. Passa o punho pela boca e retira o bigode branco. Pensa que retirar os pelos da cara deveria ser do mesmo jeito fácil, apenas passar a mão fechada. Sente a bruteza da barba crescida com a ponta dos dedos, são como tocos espinhosos pela metade. O embaixador estala a língua e geme uma saudação de contentamento acabado
(Bom dia!)
É o começo oficial da vida na embaixada. Pega três bananas do cacho sobre a mesa e as come sem descascar
(O valor alimentício está na casca.)
Os empregados da cozinha, todos nativos das bananeiras e milharais, gente mestiça dos ameríndios – baixinhos, avermelhados e sorridentes - se olham e cochicham entre si, sobre a mesa do preparo
(¡Cuerpo-Santo se ha despertado!)
Quase não existem mais índios puros dos tempos dos antepassados. Os parentes antigos foram morrendo e os novos foram aparecendo misturados aos mestiços. Poucos mantiveram seus costumes e tradições. As línguas da montanha cederam lugar à língua do milho. Os mestiços servem como enxada e foice das plantações imensas. Não enxergam uns aos outros. Aprenderam a conversar com os pés de milho como se estivessem agachados, frente a frente, fumando un cigarrillo ou entornando uma aguardente forte. A cidade de milho tem milhares e milhares de sabugos e um patrão. Todos os hombres de milho têm dono. Rezam para quem lhes cuide do abandono. A mestiçagem é corroída pela ganância dos conquistadores, do mesmo jeito que os antepassados dos avôs. Sofreram os de lá como os de cá o extermínio de povos conquistados. Estão vivos por teimosia, trazem nas marcas da memória as lâminas partindo-lhes ao meio e os chicotes queimando suas carnes. Velhos degolados, mulheres grávidas abertas do ventre ao peito, crianças jogadas às pedras. Reminiscências de um jeito de sobreviver às armaduras e lanças, jogados em um rebordo do esquecimento por caras pálidas desnudos das vestimentas de humanidades. Milhões de sabugos perdidos pelo caminho. Los cholos y los indígenas são a conformação ingênua da sobrevivência sin indocilidad. Basta estarem vivos
(Así me lo enseñaron en la escuela.)
Não foi ruim acordar de madrugada para fugir da Montaña e do milho. No fim, estava cansada daqueles rostos cansados que jamais ficavam cansados. Quase não sobrevivi, seria oculta pela intolerância, compreendo isso. Meu cuerpo muerto não serviria para denunciar o medo plantado dentro das pessoas. Nem mesmo um metro de papel seria enfiado na máquina copiadora. Quase desisti do carreiro. Nunca consegui imaginar quadros de pintura na minha cabeça, mas textos inteiros ou em pedaços me surgiam como imagens de fotografias. Não queria filmar histórias, nem cobiçava escrever vidas. Eu queria escrever livros, enfiar a boca no mundo
Passei, então, a mastigar as letras, as palavras e as frases, até que tinham o formato do nada, prontas para serem como cadáveres. Esquecidas. Não mais interessa a mim o cheiro da lamparina suada e a cor do toco de lápis. Aquelas histórias da Montaña estão fora de mim, decompondo suas entranhas até virarem poeira, coisa nenhuma
(Blanca, como os mestiços deixam de ser ingênuos?) (Jamás dejaremos de ser, pues se nos cortan los cojones así que nacemos...) (Morremos das vidas mal vividas e mal cagadas!) (¡Renacemos como maíces!)
Por hoje, já acabada de vez, não sei responder a isso. Lembro dos grãos lançados nas covas, cobertos com tierra. Mortos que eram enterrados para renascer comendo la tierra até virarem milho. Maíz de los hombres del silencio.
O silêncio é quase uma resposta, metade do transtorno que o outro precisa dar. E não tenho coragem para o constrangimento de ver a dor do outro. Finjo que aquilo tudo não me importou, enquanto procuro pelo vinho
(¿Emborrachada por la mañana?Sí, no hay ninguna persona para compartir el vino...)
Dou graças à solidão, prefiro assim: sem a insignificância de companhias inúteis. Sentadas neste farol de solidão tomando do meu vinho. Concordo com você minha querida
(Otra para tomar mi vino.)
Uns precisam de gente no redor da moenda de maíz – desaprendem de si mesmo ou treinam - outros se tornaram o próprio moinho e quase todos são o milho, os cadáveres. Torço no avesso pelo meu café da manhã, não acho meu vinho, procuro, procuro, procuro
(Achei!)
Volto ao silêncio do sossego. Sento com a garrafa, deixo o copo no chão. Não tenho tremores, apenas sede. Aprendi muitas coisas com os homens: muitas ruins, algumas boas, uma delas foi matar minha sede com vinho.
Quando o embaixador se assenta para o café matinal a mesa já está servida. As frutas, o bolo de milho, o bolo de banana, as bebidas quentes de café e chocolate, os ovos cozidos na água, os pães, as geléias, a manteiga, os queijos e o presunto, tudo servido de maneira silenciosa. Um passo atrás, o chefe da cozinha aguarda suas ordens
(Bom dia, Pedro.) (Buenos días, señor embajador.)
Termina aquele pequeno almoço, levanta e se retira
(Pedro, vou estar no escritório.) (Sí, señor embajador.)
Os jornais já estão na sua disposição para leitura
(Diário La Prensa, La Tribuna, El Tiempo...)
Naquela manhã não quer ler fatos e invencionices do cotidiano humano. Senta-se com os pés sobre os periódicos e abre nas mãos H. Fielding, seu escritor querido, encosta os olhos e bebe a própria alma amante da vida
(“Voltando imediatamente com a espada, entregou-a a Jones, que a pegou e puxou por ela; tendo-a examinado, declarou...”)
Vida curta e agonia longa para todos os miseráveis austeros e moralistas
(O humor nos faz falta.)
Fecha o livro e sobe até o terraço daquela pequena fortaleza colonial típica do barroco espanhol, construída pelos castelhanos para se defenderem dos piratas madeireiros
(Os invasores de ontem são os mesmos de hoje, os miseráveis também.)
É isso, a maldição dos invasores de ontem não se foi, deixaram seus capatazes e capitães-do-mato, para trás, com as ordens de plantar milho e bananas com custo nenhum. Geração vai, geração vem e o jeito de morrer dos miseráveis não muda, sempre aos pouquinhos, sem luz, esgoto, água e sem fome, quem quase não come nem lembra sua fome.
Olha às plantações de cana nas terras macias banhadas pelo mar, vira completamente e encara as montanhas, brotando das suas entranhas o seu milho dourado
(Meu Deus é minha testemunha, sabe como me afeiçoei ao lugar!)
Sinto a boca seca. De repente, uma sede desesperada me chega até os olhos. Tenho vontade de chorar e beber as lágrimas, é o jeito que encontro para pedir perdão aos cadáveres que estão desfiados.
Os homens e mulheres por estas horas já estão nas lidas das plantações e, outros, se enraizando como homens e mulheres de milho, ingênuos e desmemoriados do próprio passado, sem vez para contar sua história. Explicações cronológicas das covas, das semeaduras, das chuvas, da floração e da colheita. Gente sem nome, sem dentes, sem vida, sem coisa alguma para contar aos donos das suas vidas; não têm o que contar que os donos queiram ouvir. Castigados e desaparecidos em covas de milho, não se enxergam como muitos. Não são gente, nem humanos, apenas carne e osso que manobra a enxada em silêncio, sem dar um berro. Olho o abismo e não enxergo pontes que nos aproximem
(Buena gente... Pero cada cúal com su destino.)
O embaixador espicha as partes do corpo que ainda se negam acordar. O milho daquela montanha é muito cobiçado pela suavidade ao tato, parece possuir a maciez da carne. Sua saca chega a ter a cotação dobrada se comparada com a sacada de milho de outros lugares
(Tudo por aqui é lindo, até mesmo essa gente desdentada!)
Anos antes, quando o jovem embaixador foi mandado para o bananal, não quis trazer nenhum compatriota. No seu íntimo esperava que as bananas revelassem sua face e segredos. A sua chegada não seria confundida com a vinda de conquistadores, sonhando com lendárias cidades, lugares inacessíveis e repletos de tesouros nativos. Chegar com o mínimo de humanos necessários para o funcionamento da embaixada
(Que se enterre por lá, apenas eu.)
Uma embaixada perdida numa cidade colonial perdida. Terra de miseráveis calados por homens e mulheres que vendem sua caneta e letras aos patrões que usam da intriga e calúnias para assombrar seus espíritos. Esses homens e mulheres amaldiçoados não se incomodam com os grilhões prendidos nas mentes e corações dos miseráveis, um ódio de orgulho invencível os oprime. Não têm humildade.
O embaixador está de volta ao seu quarto de dormir.
As urgências das manhãs o empurram para o quarto sanitário. Investiga o closet do dormitório, procura algo que não está achando. Começa a entrar em estado de aflição. Tem costume de mania, sempre que está na embaixada e tem precisão de evacuar seus dejetos, levar um dos volumes da coleção de grandes pintores do mundo. Hoje, ele quer por vista, nas quatro pinturas reproduzidas na coletânea, muito especialmente em Guernica. Acha o Picasso. Com um pequeno disfarce de sorriso segue para o quarto sanitário, no tempo de se acomodar no assento, já está nos últimos esforços de contração do útero anal.
Ali sentado, o roupão no chão, Guernica nas mãos, gritos: crianças, mulheres, pássaros, berros das flores, lhe caem as sementes arredondadas que se fragmentam na evacuação. Imagina que faz arte também.
Retorna à varanda. A luz amarelada já tomou conta da paisagem. Os olhos se apertam e pedem a escuridão morna do quarto. O corpo trigueiro já não está na cama. As dobras e as rugas reclamam as ausências. A ducha e o barulho das suas águas delatam minha fuga. Não resiste e vem para o chuveiro. Entra no reservado das águas. Quando o vejo por entre as brumas de vapor, seu corpo bronzeado me faz explodir as fagulhas da cobiça de um jeito irrefreável.
Minha querida amiga, o sexo com ele era um sentimento indomável e selvagem. O jovem embaixador reagia aos cheiros que lhe estavam na memória dos dedos e da língua lambida e enroscada
(Calma, Cuerpo-Santo… va hasta allí, coge de su polla y chupa de su jugo.)
Apóio as mãos e a testa no mármore e sinto os pelos daquela barba mal feita roçando minhas costas enquanto a língua desce por entre as nádegas. Reviro-me, caio de joelhos e apanho com a boca a fecundidade grossa e dura daquela natureza de macho
(Gosta de ser minha putinha?)
E sem um gemido tenho tudo do outro
(¡Viva!)
O mundo tem dono...

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