terça-feira, 5 de junho de 2012

O fim nunca é o fim


XXXII (2ª) - No se puede hacer la revolución sin las mujeres
as putas eram trocadas de lugar
baitasar

O padre fez o sinal de abençoamento. Saímos da casa das hóstias direto para a casa dos chás de desfeitura, o que foi enfiado goela abaixo vai despejado pernas abaixo
— Não quero nenhum cholo na minha família.
— Não quero tirar!
— Pois tira de qualquer jeito!
— E a alma do espírito que não nasceu, fica onde?
— Cholo não tem alma, quando muito carrega o espírito mau da preguiça... e de bicho preguiçoso a vila ta cheia.
O pior jeito de tomar decisão é com a birra do ódio se mostrando, cheio da vontade de contrariar. Não tinha mais ânimos ou crenças para perder, a solidão era o meu aconselhamento e o instinto me dizia para desanimar das lágrimas e desacreditar da piedade. Entrei em mim mesma para comer os pedaços de carne daquela árvore seca. Escolhi o entendimento do instinto sem misericórdia ou sabedoria. Lutava contra o esquecimento.
Essa Lara haveria de sentir falta do que não compreendeu, mas seria tardio o arrependimento. Eu queria sentir o ódio se alimentando abaixo e acima, matando devagarinho.
Queria e não queria esse filho. Não queria porque nunca quis e queria por ódio, por desforra daquela mulher me chamando de filha e o cholo de neto. O primeiro neto, o dono de tudo, el mestizo Caraca. Imaginava o cholo chamando de pai um ou o outro dos dois abusados, ou os dois juntos. Ver crescendo o parecido de um no outro. Um avô e dois pais, pais gêmeos.
Foi a segunda vez que vi meu sangue, é assim mesmo, assusta, tudo pode acabar de súbito, prazer ou sofrimento, mas a dor não desgruda viaja com a memória da morta, uma alpinista agarrada nas frestas da rocha, gemendo e subindo até o topo do nada. É apenas sofrimento. La Montaña e as frestas desafiam a eternidade da alpinista, resistindo às próprias forças e ao desejo de desistir, acabar com tudo, con la Montañalas grietasAs alegrias se desmancham rápido, cacos de gelo misturados na água morna é a vida passando, nunca retorna do mesmo jeito ao mesmo lugar.
La Vieja não me ensinou a rezar
Niña Preta, ninguém ensina a rezar, é uma vontade de dentro, não é de fora. — perguntei se ela rezava
— Eu rezo pra mim escutar, rezo pra encontrar a palvra que carrego escondida. — aprendia que la Montaña e as frestas estão por dentro, carregamos a eternidade por dentro e que para rezar é preciso imaginação
— Preta! — era Lara, com o meu nome em sua boca
— Estou indo, dona Lara... — os dias haviam passado, os chás e o sangue escorrido haviam feito o serviço: poner fin a la vergüenza.
Quase acabaram com as minhas vontades de vida. Estava com poucas, nem dava conta do gurizim leporino, nem dava conta de mim. Sentia falta de gosto, da Blanca, mi papá, mi mamá, de la Vieja, me sobrava solidão. Não reconhecia minha voz, ela assoprava em minha garganta, para dentro, desaprendia de voar, não imaginava que alguma reza pudesse me fazer bater asas como uma vagamunda
— Preta... tenho notícia para ti. — não lhe perguntei nada, que me dissesse o que dissesse, o meu gosto não lhe importava, nem lhe mudava de vontade, aquilo que tinha decidido estava decidido
— Tu pegas as tuas coisas que o teu serviço ficou sem serventia, em nossa família. Não entendi, mas desconfiava que não tinha mais lugar na casa dos Caraca, tinha me safado dos gurizim mortos de fome. Ela não estava com medo das carnes desta índia, estava com medo das línguas das beatas da igreja, dos passeios do domingo e do sinal da cruz
Eu continuava em silêncio
— Dom Juan vai levar a chola para a embaixada dos bananas, fica no lugar da pretinha Manoela. — foi quando entendi que as putas eram trocadas de lugar, seis por meia dúzia.
Pensei em fazer simpatia para afastar males e inimigos, melhor não, la Vieja não me mostrou tudo, mas nunca vi um serviço de vingança nas suas rezas. Não iria me servir do ensinamento para cair em desforra, mas que dava vontade não podia negar.
A paciência é uma virtude esquecida de uso, no fim a água corre resignada para o mar.

Eu sempre preferi o parafuso com sua delicadeza que afunda, girando sobre ela mesma, adornando em curvaturas a penetração da agudeza, agarrando enquanto se enfia, do que a batida seca do martelo, ferindo o prego espinhado, precipitado sobre a carne para golpear, não há arte, não há fantasia, não há alegria, não há música, não há devotamento, nada além de um martelo, um prego pontiagudo e um pedaço de carne, não há delicadeza. Eu tenho meu jeito, você tem o seu jeito, isso é bom, nos respeitamos
— A índia madraça vai embora, agora. — ordem dada, ordem cumprida, voltei para o quarto de la Vieja, procurei a vida das suas palavras, a sua força e o seu prestígio, agarrei una pequeña bolsa de lona com suas ervas de conversar e chamar os espíritos, um pequeno livro de Esperanto, um saco com minhas roupas, nenhum calçado além daquele que carregava meus pés.
Um carro todo preto, janelas pretas, esperava na porta dos Caraca. Uma pequena bandeira colorida estava enfiada em pé na frente do carro fúnebre. Entrei. Começamos a caminhar, eu partia e o carro voltava, abria o caminho das ruas. Eu não me enganava aquilo se parecia com um enterro, um carro fúnebre. Pensei que se me dessem sumiço não tinha ninguém para me reclamar, pelo menos o corpo presente. Iria desaparecer sem queixumes, murmúrios ou lamentos.
Não era intuição, mas o raciocínio do medo dentro daquela transparente escuridão. Não havia poesia em ser expulsa, empurrada para fora. Não havia entusiasmo, apenas a pressa. Olhei pela janela e senti uma vontade de enlouquecer, aloprar pela vontade, arreganhei a boca e mostrei os dentes, mirei os Caracas, fechados em seus quartos e relinchei, gritei como uma égua.
Hoje, sei que meu coração tinha pesadas hélices girando no máximo naquela tempestade, deixava para trás sombras imensas, procurava um chão qualquer para pousar, estreito, mas de terra
— Aos poucos fico louca... — estava agitada, os redemoinhos, tudo balançava. Um mal-estar não me surpreendeu, mas não pude segurar o xixi.
Depois, o meu soluço rouco e baixinho fez um buraco na minha resistência. Puxei para mim um lençol de lembranças, uma ou outra, vez que outra, me escapavam, mas agora estavam comigo, acalourando meu corpo, rompendo aquela correnteza de caras covardes.
Abri la pequeña bolsa de lona, o perfume da minha gente assoprou as nuvens para um aquário em minhas mãos. A terra se desajeitou, movimentou as vagas do mar. Segui para o abalançar de um outro dia.

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