Becos sem saída - Pão amanhecido
baitasar
Os
jovens casadouros dormiram folgados nos confortos do sofá. As núpcias fora
feita sob as medidas do sono de cada um. Roncaram ao pleno dos pulmões. As
novidades eram antigas. Um com outro se tinham esclarecido em tempos de antes.
Virou cada um para o seu lado favorecido e puseram o sono a dormir. Os ruídos
saíram pelas bocas e estremeceram pela cobertura de lã.
Daquela
noite, restou a memória do sono. Único. Dormido de uma vez só. Sem acordamentos
ou resmungos. Compromisso cumprido, os dois estavam legalizados. Como se metiam
a salvar tudo com a memória e não faziam uso dos instantâneos dos retratos,
ficaram apenas as histórias da Memória. Registração de mãe engravidada. Resmungos
da mulher de coração mole, fé e língua afiadas. Vive arrependida das
implicâncias com Ogum, mas não consegue poupar o descaso dele com o uso das
mãos, desde as núpcias da filha. Os sofrimentos das suas virilhas rejeitadas só
fazem crescer o estômago dentro da barriga, os olhos alojam o caos na
inteligência. Está desmamada
— Estou horrível!
Com o
estufamento ela fica mais esquiva, emotiva. mais descontrolada. Sente-se só, não
tem com quem falar. Ninguém. Sobrevive à mesmice dos dias e noites desviando o
pensamento para Obá. Pede ajuda para ir em frente, são dias de comer, devorar e
desenvolver. Em outras vezes, estende suas orações de devoção para santa Rita
de Cássia, a santa do impossível. Aquela que foi muitas mulheres antes de ser
santa. Noiva, casada, mãe e viúva. Mulher tornada santa em vida pelos arrastados.
Quer ajuda de conforto, mas não consegue por um fim nas implicâncias com todos.
O filho Lamparina também tem sofrido de perto
— Seu filho de uma quinhenta, corta o
cabelo!
— Mãe, é black power!
— Não me interessa, parece bicho... ainda
apanha do polícia por vagabundo.
— O que deu na senhora?
— O que deu em você pra me desobedecer?! —
estava presa na incompreensão de todos naquela casa, parecia estar caída em uma
profunda tumba, abafada pela solidão do seu precipício mudo, enterrada viva,
perdia a glória que se partia esperneando, sem paciência com as palavras que
lhe saem, sentiu vontade de um cigarro, assoprar na fumaça sua insatisfação,
sua teimosia, a rebeldia de escolher morrer sufocando pelas próprias mãos, se
pelo menos fumasse
— Você que não me invente de perder o ano
na escola...
— Vai dar tudo certo, mãe. — ela acha que
vai dar tudo errado.
Ogum tem
vivido com medo de incomodar. Está esfalfado. Perde o gosto mais um pouco a
cada pouco. Não sabe quem começou o quê. Se o desuso das mãos veio antes da
chatice ou se a chateza provocou o descostume das mãos de homem na Memória.
Pensa de recorrer com palavras ao Manualdo, mas desiste de apelar ao mais novo.
O guri já vai com seus estorvos, além do mais, não sente conforto de falar com
o moleque sobre o amolecimento da carne. O esfriamento das virilhas. É coisa
que não se confessa. Vai levando.
Muitas
vezes, tem medo que a brandura do seu endurecimento não seja um jeito provisório.
Não entende mais o que se passa, pois quando se pega pelas mãos o mastro ergue
feito ferro como a chamar a ventania. Tem a certeza da própria força. Grita
algumas poucas-vergonhas para Memória enquanto se enfia com força, sem parar,
sem comentários. Assim, enfiado nas mãos, no silêncio dos pensamentos, tem se
encontrado. É o seu macho. O seu dono. Depois que se termina fica apreciando as
mãos molhadas — Essas mãos costumavam deliciar sua Maria, agora... estão me fazendo o
serviço. O nervosismo não se passa, nem desaparece, vira agitação e ansiedade.
Quando chega a hora de dormir, demora mais que de hábito para deitar. Espera
pelo sono da Memória. Chega aos pés de bailarina, sem ruídos. Flutua. Deitada
de lado, a esposa dorme de olhos arregalados. Finge. Os dois aparentam
esquecidos um do outro. Não se enxergam.
Numa
outra dessas noites de insônia disfarçada, Memória levantou e ficou mancando de
um lado a outro, a barriga estufada e engaiolada. A negra ileié estava
amalucada. Foi até os guris pra meter olho de vigilância. Todos bem, menos o
moleque Lamparina, ainda se atrevia de cabelo grande. A Maria amalucada agarrou
tesoura e se pôs a picotar o cabelo do neguinho atrevido
— Quero vê se agora não vai cortar...
Na manhã,
daquela noite de tesouraços descontrolados, ficou esperando o barulho de
revolta do filho. Estava misturada entre a vergonha e o medo. Lamparina saiu do
banheiro raspado. Tinha retirado todo e qualquer vestígio de cabelo. Passara gilete.
Tomou seu café e saiu com os livros da escola. Não disse nada. A Memória não
estava preparada para esse filho sofrendo quieto. O silêncio do guri deixou à
negra ileié em agoniação, como algum espírito em perdição de não saber o que
fazer. Passou o dia esperando Lamparina. Sabia que devia mais que pedir
desculpas. Quando Ogum chegou, lhe contou da sua doidice e nervosismo com o
filho. Passou o dia e o menino ainda não voltava. Não sabiam onde procurar. O
barulho no portão fez os dois correrem até a portaria. É o Supimpa
— Boa noite, mãe...
— Boa noite, meu filho.
O
coração estava muito pequenino para fazer funcionar todo o seu corpo. As pernas
davam avisos que iriam desmoronar. A barriga dava voltas e minguava, nem água
conseguia beber. Continuava possuída de pavor. Tinha medo das respostas para
suas perguntas sobre o filho dissipado. Precisava saber. Jura que se ele está
com medo da sua raiva, ela não está zangada, quer apenas pedir perdão
— Mãe...
— Sim, meu filho. — nunca esteve preparada
para o que pensava que iria ouvir, mãe nenhuma se prepara para escutar
— O Lamparina foi embora.
— O quê?
— Ele partiu. — saiu em respiro de alívio
e choro. Conforto que o guri tava bem e desespero que ele estava em fuga dela
— Pra onde?
— Longe, mamãe... — conteve o barulho do
choro, mas as águas estavam transbordando daquele represamento dos olhos. O seu
menino partiu e foi ela a empurrar o neguinho para o mundo
— Qual a mãe que faria isso com seu
próprio filho? — choramingava pelos cantos
Isso
tudo há de passar. Repete dito popular. O que não há de passar é a hora de
levantar para o trabalho. O tempo corre a favor da vida e desfavorece a
memória. As águas rolam e passam. O tempo segue sempre diferente a cada vez, jamais
pelos mesmos lugares. As claridades de outro dia ainda não se apareceram. Os
barulhos do sol estão dormindo.
Manualdo
entra em sossego na cozinha da Memória
— Bom dia.
— Bom dia. — responde Ogum, que já está sentado
em um banco sem encosto. Olhos cansados do pouco sono. O mais novo serve o seu
café preto, não usa combinação de leite. Fatia um pedaço de pão e não aproveita
mistura no pão amanhecido. Não sente gosto de nada antes do almoço. O café e o
pão são apenas ração de munição, própria de soldado para se por em pé, caminhar
à frente de combate. Bucha de canhão.
Os dois
homens tomam seu café em
silêncio. Antes de saírem, guardam dentro da marmita o almoço
já preparado para eles: feijão preto, arroz, carne moída com batatas e
macarrão. Nem sempre é assim, na vez do macarrão têm bolinhos de arroz e
tomates. Mais raro é substituir a carne moída por pedaços de carne assada.
Ogum, quando está na pressa, não se dá ao trabalho de aquecer o almoço, engole
tudo frio. Manualdo, ao contrário, não abandona a cerimônia de aquecer a
marmita e ficar retirado e sozinho. Comer no meio do dia é festa, jamais pode
ser feito com desdém.
Maria
Memória caminha de lado a lado, parece bicho enjaulado
— Minha preta, por que levantar tão cedo?
— Incomoda ficar sozinha na cama.
Ogum
pensa em reclamar da solidão preocupada: os dois de costas e olho arregalado. Tem o
medo que está sentindo e a saudade de ficar entrando e saindo naquelas carnes
graúdas. Sente falta da mistura desordenada na cama. Acabam, ele e ela,
lutando sozinhos. Cada um do seu jeito. Abre os olhos, ergue as costas, fixa o
olhar e se prepara para explicar das suas vontades insatisfeitas. Desiste. Melhor,
não. Agora não é o pior ficar de boca fechada. É mais acertado. Essa coisa de ficarem
espalhando os seus sofrimentos, não dá certo. O tal de olho grande existe pra
engolir os sonhos dos descuidados e com língua desatada. Olha para as mãos e
lhes promete uma chance. Dá um breve beijo em Maria Memória e se
vai para o pátio, ele não é apenas a nervadura firme das virilhas, ele é mais
que isso, ele é seus dedos e boca, e olhos, e cheiro, e beijos, mas a negra
ileié o quer enfiado com dureza
— Minha preta... lembra os meninos de
procurar o capim do Ícaro.
— Tá bem, Ogum. — responde uma máquina,
como alguém que se sente com a alegria desfalecida, desejosa de se reviver, mas
não sabe por onde começa. Lembra-se de simpatia para recuperar paixão. Depois
que o marido sai, vai até o quarto e procura por uma folha de papel, escreve
com um toco de lápis o seu nome e do Ogum. Precisa de 7 pedaços de maria-mole.
Claro, que não tem em
casa. Substitui por pedaços de gelatina. Embrulha a gelatina
no papel com os nomes. Mais tarde, vai deixar tudo num jardim bem bonito, como
oferenda para São Cosme São Damião. Junto faz oração aos santos para que o seu
Ogum volte para os seus braços. Esquece de perguntar se ela quer recuperar a paixão...
Os dois
homens saem antes das cantorias do galo. Seguem a pé. Caminham para o emprego.
Manualdo sonha com sua bicicleta, enquanto o ar gelado da madrugada lhes
provoca sentidos de frio. Ogum esfregar as mãos como aquecimento. Levam nas
cabeças as vontades da Memória e da Cariciosa. Os marmiteiros passam por um
sujeito pequeno, que se vai a caminhar todo enrolado em casaco e touca de lã.
As mãos vão enfiadas nos bolsos, enquanto leva pendurada uma sacola de lona,
balançando ao ritmo de seus passos curtos. Enxergam os olhos e nariz do pequeno
— Bom dia, seu guarda.
— Bom dia, rapazes.
— E o lobisomem?
— Anda sumido.
O
pequeno toma outro rumo e some entre os becos. Manualdo, que ficara o tempo
daquela conversa estranha, em silêncio, se rompe em curiosidade
— Ogum, conta essa história de lobisomem...
— Pensamento demais na cabeça do pequeno.
— o mais velho dá a conversa por encerrada.
Maria
Memória, ao mesmo tempo, caminha de lado a lado, põe as mãos nas cadeiras e faz
cara de desconforto. Resolve ir para a cama. Mais adiante, leva a oferta aos
santos. Deita de lado, fica de costas. Não tem jeito. Não tem maneira. Está em desconforto. Examina
as próprias mãos. Estão em
fogo. Num jeito de repartir a dor da ausência, passa a
direita pelo corpo. Vai deslizando até as coxas. Deixa a esquerda a dar
pequenos beliscões em seus bicos. Uma se esfrega, enquanto a outra tenta se
entrar, força que as coxas se abram. Curva as pernas quando se sente enfiada e
leva a esquerda na boca. Fica se acertando
— Minha Santa, me perdoa...
Os dois movem
pedais imaginários.
Assobiam.
E gemem.
Suspiram.
E se prometem.
Levam na
cabeça jeitos de aliviar a vontade malcontente.
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Leia também:
11 - Tu mentiu, negão
13 - Não existe bem que nunca acabe, nem barata em galinheiro
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