terça-feira, 25 de outubro de 2022

Victor Hugo - Os Miseráveis: Fantine, Livro Sexto - Javert / II — Como Jean se pode tornar Champ

Victor Hugo - Os Miseráveis


Primeira Parte - Fantine

Livro Sexto — Javert



II — Como Jean se pode tornar Champ


Uma manhã, estando Madelaine no seu gabinete ocupado a pôr em ordem alguns negócios urgentes, relativos ao seu cargo, para os deixar prontos caso se tornasse necessária a sua ida a Montfermeil, vieram dizer-lhe que o inspetor Javert pretendia falar-lhe. Madelaine, ouvindo este nome, não pôde furtar-se a uma impressão desagradável. Javert, desde a ocorrência da repartição de polícia, evitava-o mais do que nunca, de modo que Madelaine não o tornara a ver.
 
— Mandem-no entrar — disse ele. 

Javert entrou. 
Madelaine ficara sentado ao pé do fogão, com uma pena na mão e os olhos postos num maço de papéis, que folheava e anotava e que continha autos de contravenções de posturas. Não se mexeu, pois, de onde estava, em respeito de Javert. Não podia deixar de lembrar-se da pobre Fantine e convinha-lhe mostrar-se glacial. 
Javert cumprimentou respeitosamente o maire, que estava de costas para ele, continuando a fazer as suas anotações, sem sequer o encarar. 
O inspetor de polícia deu dois ou três passos no gabinete e parou, sem quebrar o silêncio. 
Um fisionomista que fosse familiar com a natureza de Javert, que tivesse estudado aturadamente aquele selvagem servidor da civilização, aquele extravagante composto do romano, do espartano, do frade e do caporal, aquele espião incapaz de uma mentira, aquele esbirro virgem, um fisionomista que tivesse conhecimento da secreta e antiga aversão que ele professava a Madelaine, o seu conflito com o maire, e que naquele momento o observasse, teria dito consigo: «O que terá acontecido?» Era evidente, para quem conhecesse aquela consciência reta, clara, sincera, proba, austera e feroz, que Javert conseguira resolver algum problema íntimo. Javert não sentia nada na alma, que o não deixasse transluzir no rosto. Era, como as pessoas de génio violento, sujeito a mudanças repentinas. Nunca a sua fisionomia denotara mais estranha e inesperada expressão. Ao entrar, inclinou-se ante Madelaine, com um olhar em que não havia nem rancor, nem cólera, nem desconfiança; parara a alguns passos de distância por trás da cadeira de braços em que o maire se achava sentado e ali se conservava ainda, de pé, numa atitude quase disciplinar, com a rudeza ingénua e fria de um homem que nunca soube o que era a afabilidade e foi sempre paciente; esperava sem proferir uma palavra, sem fazer um movimento, numa humildade verdadeira e numa resignação tranquila, que aprouvesse ao maire voltar-se; sereno, sério, de chapéu na mão e olhos baixos, com uma expressão que marcava o meio termo entre o soldado diante do superior e o réu na presença do juiz. 
Todos os sentimentos, assim como todas as recordações que se lhe poderiam ter suposto, haviam desaparecido. Naquele rosto, simples e impenetrável como o granito, havia apenas a expressão de uma tristeza profunda. Todo o seu aspecto respirava submissão, firmeza e uma espécie de corajoso esmorecimento. 
Finalmente, o maire pousou a pena e voltou-se um pouco: 

— Então que é? O que há de novo, Javert? 

Javert conservou-se por um instante silencioso, como se es􀆟vesse a reunir as ideias, dizendo depois com uma espécie de solenidade triste, que não excluía contudo a simplicidade: 

— O que há, senhor maire, é que foi cometido um ato criminoso. 

— Que ato? 

— Um agente inferior da autoridade faltou ao respeito a um magistrado do modo mais grave. Venho, pois, como é meu dever, dar-lhe notícia do fato. 

— Quem é esse agente? — perguntou Madelaine. 

— Eu — disse Javert. 

— O senhor? 

— Eu mesmo. 

— E quem é o magistrado que tem motivo para se queixar do agente?
 
— É o senhor maire

Madelaine endireitou-se na cadeira e Javert prosseguiu com ar sereno e de olhos baixos como até ali. 

— Senhor maire, venho pedir-lhe que solicite a minha exoneração da autoridade competente.

Madelaine, estupefato, ia para responder, mas Javert interrompeu-o: 

— O senhor dirá talvez que posso pedir a minha demissão, mas isso não é suficiente. Dar a demissão não comporta descrédito. Eu, porém, delinqui, devo ser punido. É necessário que seja expulso. — Após breve pausa, acrescentou: — Senhor maire, outro dia foi injustamente severo para comigo; seja-o hoje justamente. 

— Mas porquê? — exclamou Madelaine. 

— Que quer dizer esse aranzel? Qual é a ação culpável que o senhor cometeu contra mim? O que foi que fez? Em que me ofendeu? Acusa-se, quer ser demitido... 

— Expulso — disse Javert. 

— Ou expulso, como quiser; afianço-lhe que não o percebo. 

— Vai já perceber, senhor maire. 

— Javert soltou um profundo suspiro e continuou, sempre frio e tristemente: 

— Senhor maire, faz agora seis semanas, ficando furioso depois do que sucedeu por causa daquela rapariga, que o denunciei. 

— Denunciou-me!? 

— À prefeitura da polícia de Paris. 

Madelaine, que não costumava rir-se muito mais do que Javert, desta vez pôs-se a rir. 

— Por ter invadido as atribuições da polícia, sendo maire

— Não, senhor, denunciei-o como antigo forçado das galés. O maire tornou-se lívido. 

Javert, que não tinha erguido os olhos, continuou: 

— Assim o julgava. Há muito que eu andava com isto na ideia, Uma grande semelhança, as indagações a que o senhor mandou proceder em Faverolles, a sua grande força, o que aconteceu com o velho Fauchelevent, a sua perícia em atirar, o modo como arrasta um pouco uma das pernas, em suma, que sei eu? Tolices! Mas, enfim, tudo isto fizera com que eu o tomasse por um tal Jean Valjean.
 
— Um tal?... Como foi que lhe chamou? 

— Jean Valjean. É um forçado que eu conheci há vinte anos, quando era guarda ajudante da chusma de Toulon. Esse tal Jean Valjean, segundo consta, depois que saiu das galés, roubou um bispo, depois cometeu outro roubo à mão armada numa estrada, do qual foi vítima um rapazinho saboiano. Havia oito anos que se escondera, escapando, sem se saber como, a todas as diligências empregadas para se dar com ele. A mim afigurou-se-me... Enfim, fiz o que disse. A cólera decidiu-me a denunciá-lo à prefeitura de Paris.

Madelaine, que tornara a pegar no maço de processos havia alguns instantes, retorquiu em tom de indiferença: 

— E que lhe responderam? 

— Que eu tinha endoidecido. 

— E então? 

— Tinham toda a razão para o supor.
 
— Ainda bem que o reconhece! 

— Não podia deixar de ser, pois o verdadeiro Jean Valjean foi encontrado. A folha de papel que Madelaine segurava escapou-se-lhe da mão e ele, levantando a cabeça, olhou fixamente para Javert, exclamando com inexprimível acento: 

— Ah! Javert prosseguiu: 

— Aqui está o que sucedeu. Parece que havia para os lados de Ailly-le-Haut-Clacher um pobre homem, chamado Champmathieu, que vivia em extrema miséria. A gente dessa classe ninguém sabe de que ela vive. Ultimamente, neste Outono, Champmathieu foi preso por um roubo de umas maçãs, feito a um tal... pouco importa o nome! Houve roubo, escalamento e ramos de árvores quebrados. O caso é que prenderam Champmathieu, que ainda tinha na mão um ramo da fruteira, e ferram-me com o maroto na cadeia. Até aqui a coisa pouco passa de um processo correcional. Mas o que é a Providência! Como o cárcere estava em mau estado, o senhor juiz julgou acertado mandar transferir Champmathieu para Arras, onde é a prisão distrital. Ora, encontra-se ali um antigo forçado, chamado Brevet, que está preso não sei porquê, e a quem, por ter bom comportamento, fizeram porteiro. Ainda bem, senhor maire, o Champmathieu não tinha posto o pé dentro da prisão, Brevet exclamou: «Olá! Eu conheço este homem! Também é cá da malta! Olhe cá para mim, você é o Jean Valjean!» Champmathieu, mostrando-se muito admirado, exclamou também: «Jean Valjean! Quem é Jean Valjean?». «Não te faças pacóvio», tornou Brevet, «tu és o Jean Valjean, estiveste nas galés de Toulon, há uns vinte anos; estivemos lá ambos». Champmathieu negou. Depois disto, o senhor maire bem compreende, aprofundou-se o assunto, e eis o que veio a saber-se. Há coisa de trinta anos, era este tal Champmathieu podador de árvores em diferentes terras, mas principalmente em Faverolles, onde se lhe perdeu o rasto. Passado muito tempo tornou a ser visto em Auvergne, depois em Paris, onde ele diz ter sido carpinteiro de carros e ter estado com uma rapariga lavadeira, mas isso parece não estar bem provado. Ora, o que era Jean Valjean antes de ter ido para as galés pelo crime de roubo qualificado? Podador. Aonde? Em Faverolles. Ainda outra prova: o nome de batismo desse tal Valjean era Jean e o apelido da mãe, Mathieu. Não há nada mais natural do que julgar-se que ao sair da prisão tivesse adoptado o nome de sua mãe, para se esquivar a indagações, e passasse a chamar-se Jean Mathieu. Depois foi para Auvergne, de Jean a pronúncia da terra faz chan, e começam a tratá-lo por Champmathieu. O homem não se importou com esta mudança, e ei-lo transformado em Champmathieu. O senhor maire tem seguido o meu raciocínio, não é verdade? Bem. Fizeram-se indagações em Tiverolles. A família de Jean Valjean tinha desaparecido, sem que ninguém desse notícias dela. Como o senhor maire bem sabe, nesta classe há frequentes vezes destes desaparecimentos completos de famílias. Procura por aqui, procura por ali, mas nada. A gente desta qualidade quando não é lama, é poeira. E depois, como o princípio desta história data de há trinta anos, já não há ninguém em Faverolles que se lembre de Jean Valjean. Indaga-se em Toulon. Além de Brevet, há apenas mais dois forçados que conheceram Jean Valjean. São os condenados a prisão perpétua, Cochepaille e Chenildieu. Mandaram-nos buscar para os confrontar com o suposto Champmathieu. Para eles, como para Brevet, é Jean Valjean. A mesma idade, cinquenta e quatro anos, a mesma estatura, o mesmo modo de andar, o mesmo homem, enfim, era ele. Foi nesta ocasião que eu mandei a minha denúncia à prefeitura de Paris. Responderam-me que tinha perdido o juízo e que Jean Valjean estava em Arras em poder da justiça. Avalia decerto a admiração que isto me causou, quando julgava ter aqui o próprio Jean Valjean! Escrevi logo ao senhor juiz, que me mandou ir a Arras, fazendo conduzir Champmathieu à minha presença. 

— E então? — interrompeu Madelaine. 

Javert respondeu com o seu ar incorruptível e triste:
 
— Senhor maire, a verdade é a verdade. Fiquei contristado, mas ele é Jean Valjean. Reconheci-o também.

 Madelaine disse em voz muito baixa: 

— Está bem certo de não se ter enganado? 

Javert riu com esse riso doloroso em que se expande às vezes uma profunda convicção e respondeu: 

— Mais do que certo. Em seguida, conservou-se um instante pensativo, pegando maquinalmente em pitadas de areia do areeiro que estava sobre a mesa e acrescentou:
 
— E agora que eu vi o verdadeiro Jean Valjean, não posso até entender como cheguei a julgar outra coisa. Peço-lhe, portanto, que me perdoe, senhor maire

Ao dirigir estas palavras suplicantes e graves àquele que seis semanas antes o havia humilhado no departamento de polícia, dizendo-lhe: «Saia daqui!», Javert, o homem altivo, apresentava, sem que o suspeitasse, o aspecto da mais simples dignidade. Madelaine respondeu à sua súplica com esta repentina pergunta: 

— E o que disse esse homem? 

— Ah, senhor maire, o caso é péssimo! Se é Jean Valjean, há reincidência. Escalar um muro, partir os ramos de uma árvore, furtar uma pouca de fruta, para uma criança é uma diabrura; para um homem é um delito; mas para um forçado é um crime. Ora, no fato de que se trata houve escalamento e roubo. Já não pertence portanto à polícia correcional, pertence ao tribunal do júri, não são alguns dias de cadeia, são as galés por toda a vida. E depois, há ainda a história do rapaz saboiano, que estou certo não deixará de ser apresentada. Com os diabos! Qualquer outro que não fosse Jean Valjean tinha com que se entreter. Mas Jean Valjean é um grande manhoso. Até nisso o reconheci. Se fosse outro, sentir-se-ia quente com o caso; inquietar-se-ia, daria por paus e por pedras. A caldeira canta sempre ao pé do lume e não quereria ser Jean Valjean. Ele, pelo contrário, finge não perceber o que lhe dizem: «Sou Champmathieu, ninguém me tira disto!» Mostra-se muito admirado e finge-se estúpido, porque lhe parece melhor assim. O maroto é esperto, mas não lhe serve de nada a esperteza, porque há todas as provas. Sendo, como é, reconhecido por quatro pessoas, é por força condenado. Vai ser conduzido perante o júri de Arras, para onde estou citado como testemunha. 

Madelaine aproximara-se novamente da mesa, lançando mão do maço de papéis e continuando a folheá-lo tranquilamente, lendo e escrevendo como que deveras ocupado com o que estava fazendo. De repente, voltou-se para Javert e disse-lhe:
 
— Está bem, Javert. Afinal de contas, interessam-me muito pouco todos esses pormenores. Estamos a perder tempo quando há tanto que fazer. Vá imediatamente a casa daquela pobre mulher chamada Buseaupied, que vende hortaliça à esquina da rua de Saint-Saulve, e diga-lhe que apresente a sua queixa contra o carroceiro Pedro Chesnelong. Este homem é um bruto que ia esmagando a pobre mulher e seu filho, por isso deve ser punido. Em seguida vá a casa do senhor Charcellay, na rua Montre-de- Chamipigny, que se queixou de que uma goteira da casa vizinha lhe deita a água da chuva para a sua, deteriorando-lhe os alicerces. Verifique depois se são exatas as contravenções das posturas, que me participaram, na rua Guibourg, em casa da viúva Doris, e na rua do Garraud-Blanc, em casa da senhora Renée le Bossé, lavrando o competente auto no caso de o serem. Mas parece-me que isto é trabalho demais. Não tem de se ausentar? Não me disse que ia a Arras, daqui a oito ou dez dias, por causa do tal julgamento? 

— Antes disso, senhor maire

— Então quando? 

— Parece-me ter dito ao senhor maire que o julgamento tinha lugar amanhã e que por isso partia esta noite na diligência. 

Madelaine fez um movimento imperceptível e tornou: 

— E quanto tempo durará o julgamento? 

— Um dia, quando muito. A sentença será proferida o mais tardar amanhã à noite. Mas eu não esperarei pela sentença, que é infalível; assim que acabar o meu depoimento, voltarei imediatamente. 

— Está bem! — disse Madelaine. 

E despediu Javert com um gesto. Este, porém, não se moveu. 

— Perdão, senhor maire — disse ele. 

— Quer mais alguma coisa? — perguntou Madelaine. 

— Senhor maire, resta-me recordar-lhe... 

— O quê? 

— Que devo ser demitido. 

Madelaine levantou-se. 

— Javert, o senhor é um homem honrado, por isso merece a minha estima. Exagera a falta que cometeu, e demais, é uma ofensa que só a mim diz respeito. O senhor é digno de subir e não de descer. Espero que continue no exercício das suas funções. 

Javert fitou Madelaine com o seu olhar cândido, no fundo do qual parecia ver-se-lhe a consciência pouco esclarecida, mas rígida e casta, e retorquiu com voz tranquila:
 
— Não lhe posso conceder isso, senhor maire

— Repito-lhe que é uma coisa que só a mim diz respeito — replicou Madelaine. 

Porém, Javert, sem se afastar do seu pensamento, continuou:
 
— Quanto a exagerar o que fiz, não é tanto assim. Eis aqui o meu raciocínio. Suspeitei do senhor injustamente. 

— Isto não valia nada. Temos o direito de suspeitar, conquanto seja abuso suspeitar dos que nos são superiores. 

— Mas é que eu denunciei-o como forçado, sem provas, num acesso de cólera, e com o fim de me vingar, ao senhor, um homem respeitável, um maire, um magistrado! Isto é grave quanto pode ser. Eu, agente da autoridade, ofendi a autoridade na pessoa do senhor maire! Se algum dos meus subordinados tivesse feito o que eu fiz, declará-lo-ia indigno do serviço e tê-lo-ia expulso. Mais uma palavra, senhor maire. Tenho sido frequentes vezes, durante a minha vida, severo para com os outros; era justo que assim fizesse. Agora, se não fosse severo para comigo, tudo que tenho feito de justo tornar-se-ia injusto. Acaso devo eu poupar-me mais do que poupei aos outros? Não, decerto. Se só servisse para castigar os outros e não a mim, seria um miserável e teriam razão os que me chamam velhaco e mau! Senhor maire, não desejo que me trate com bondade; a sua bondade azedou-me o sangue manifestando-se para com os outros, portanto não a quero para mim. Bondade má chamo eu à que consiste em dar razão à mulher pública contra o burguês, ao agente de polícia contra o maire, ao que está num lugar inferior contra o que ocupa uma posição superior. Com essa bondade desorganiza-se a sociedade. Meu Deus, ser bom é fácil, o que custa é ser justo! Esteja certo, senhor maire, que se o senhor fosse o que eu julguei que era, não me acharia, com certeza, bondoso! Senhor maire, eu devo tratar-me, consoante trataria qualquer outro. Quando reprimia os malfeitores, quando procedia contra os tratantes, dizia muitas vezes a mim mesmo: «Se tu algum dia tropeças, se chegas a cair em alguma falta, fica descansado que não me escapas!» Ora eu tropecei, caí numa falta, tanto pior! Devo ser demitido, expulso, humilhado É apenas o que deve ser Tenho bons braços, pouco se me dá ir pegar numa enxada. Senhor maire, o bem do serviço exige um exemplo. Peço, pois, a demissão do inspetor Javert. 

Tudo isto fora pronunciado em tom humilde, mas altivo, desesperado e convicto, que dava não sei que estranha grandeza àquele homem, por quem as leis da honra eram tão desusadamente interpretadas.
 
— Pois veremos — disse Madelaine, estendendo-lhe a mão. 

Javert recuou e disse com ar feroz: 

— Desculpe-me, senhor maire, mas isto não deve ser. Um maire não aperta a mão a um beleguim. — E acrescentou por entre dentes: — Sim, beleguim; desde o momento que servi mal a polícia, não sou mais do que um beleguim! Depois fez uma profunda cortesia e dirigiu-se para a porta. Antes de sair, porém, voltou-se e disse: 

— Senhor maire, continuarei no serviço até ser substituído. 

E saiu. Madelaine ficou pensativo, escutando o eco daqueles passos firmes e seguros que se afastavam pelo corredor.

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Victor-Marie Hugo (1802—1885) foi um novelista, poeta, dramaturgo, ensaísta, artista, estadista e ativista pelos direitos humanos francês de grande atuação política em seu país. É autor de Les Misérables e de Notre-Dame de Paris, entre diversas outras obras clássicas de fama e renome mundial.


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Victor Hugo

OS MISERÁVEIS

Título original: Les Misérables (1862)
Tradução: Francisco Ferreira da Silva Vieira (1851-1888)

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