sexta-feira, 28 de outubro de 2022

O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo IV - A Lésbica (3)

Simone de Beauvoir


02. A Experiência Vivida




O SEGUNDO SEXO
SlMONE DE BEAUVOIR




PRIMEIRA PARTE

FORMAÇÃO
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CAPÍTULO IV
A   LÉSBICA


continuando...


As circunstâncias, entretanto, têm também um lugar importante nessa escolha. Ainda hoje os dois sexos vivem em grande parte separados; nos internatos, nas escolas de moças, passa-se facilmente da intimidade à sexualidade; encontram-se muito menos lésbicas nos meios em que a camaradagem entre rapazes e moças facilita experiências heterossexuais. Muitas mulheres que trabalham em oficinas e escritórios, entre mulheres, sem muitas oportunidades de encontrar homens, estabelecem ligações amorosas entre si: material e moralmente é-lhes cômodo associar suas vidas. A ausência ou o malogro de relações heterossexuais as entregará à inversão. É difícil traçar uma fronteira entre resignação e predileção: uma mulher pode dedicar-se às mulheres porque um homem a desiludiu, mas por vezes êle a desilude porque era uma mulher que ela procurava nele. Por todas essas razões é falso estabelecer uma distinção radical entre heterossexual e homossexual. Passado o tempo indeciso da adolescência, o homem normal não se permite mais uma extravagância pederástica; mas muitas vezes a mulher normal retorna aos amores que — platonicamente ou não — lhe encantaram a mocidade. Decepcionada pelo homem, procurará em braços femininos o amante que a traiu; Colette indicou em La Vagabonâe esse papel consolador que desempenham muitas vezes na vida das mulheres as volúpias condenadas: acontece que algumas passam a existência inteira a se consolar. Mesmo uma mulher satisfeita com os amplexos masculinos pode não desdenhar volúpias mais calmas. Passiva e sensual, as carícias de uma amiga não a desgostarão, porquanto lhe bastará entregar-se, deixar-se satisfazer. Ativa, ardente, ela aparecerá como "andrógina", não em virtude de uma misteriosa combinação de hormônios mas sim pelo fato de se encararem a agressividade e o gosto da posse como qualidades viris; Claudine amando Renaud nem por isso deixa de desejar os encantos de Rézi; é plenamente mulher sem deixar de desejar ela também possuir e acariciar. Bem entendido, entre as mulheres "decentes" tais desejos perversos são cuidadosamente recalcados: manifestam-se entretanto sob a forma de amizades puras mas apaixonadas, ou sob a máscara da ternura maternal: algumas vezes revelam-se violentamente no decurso de uma psicose ou durante uma crise de menopausa. 

Muito mais absurdo portanto seria pretender classificar as lésbicas em duas categorias estanques. Pelo fato de que uma comédia social se superpõe amiúde a suas verdadeiras relações, elas próprias sugerem a divisão em "viris" e "femininas" comprazendo- se em imitar um casal bissexuado. Mas não se deve iludir porque uma usa um tailleur severo e outra um vestido vaporoso. Olhando de perto, a não ser em casos limites, verifica- se que sua sexualidade é ambígua. A mulher que se faz lésbica porque recusa o domínio do homem, experimenta muitas vezes a alegria de reconhecer em outra a mesma amazona orgulhosa; outrora muitos amores culposos floresciam entre as estudantes de Sèvres, que viviam juntas longe dos homens; tinham orgulho de pertencer a uma elite feminina e queriam permanecer sujeitos autônomos. Essa cumplicidade que as reunia contra a casta privilegiada permitia a cada uma admirar numa amiga esse ser prestigioso que amava em si mesma; abraçando-se mutuamente, era cada uma homem e mulher ao mesmo tempo e se encantava com suas virtudes andróginas. Inversamente, uma mulher que quer gozar de sua feminilidade em braços femininos, conhece também o orgulho de não obedecer a nenhum senhor. Renée Vivien amava ardentemente a beleza feminina e queria ser bela; enfeitava-se, orgulhava-se de seus cabelos compridos, mas agradava-lhe também sentir-se livre, intata. Em seus poemas ela exprime seu desprezo por aquelas que consentem em se tornar escravas de um homem pelo casamento. Seu pendor pelos licores fortes, sua linguagem por vezes grosseira e suja eram manifestações de seu desejo de virilidade. Na realidade, na imensa maioria dos casais, as carícias são recíprocas. Disso decorre que os papéis se distribuem de maneira muito incerta: a mulher mais infantil pode desempenhar o papel de um adolescente em face de uma matrona protetora, ou o da amante apoiada ao braço do amante. Elas podem amar-se dentro da igualdade. Sendo os parceiros homólogos, todas as combinações, transposições, trocas, comédias são possíveis. As relações equilibram-se segundo as tendências psicológicas de cada uma das amigas e o conjunto da situação. Se há uma que ajuda ou sustenta a outra, ela assume as funções do homem: protetor tirânico, tolo que se explora, suserano respeitado ou às vezes cáften. Uma superioridade moral, social, intelectual outorga-lhe amiúde a autoridade; entretanto a mais amada gozará dos privilégios de que a reveste o apego apaixonado da mais amorosa. A associação de duas mulheres, como a de um homem com uma mulher, apresenta numerosos aspectos diferentes; assenta no sentimento, no interesse ou no hábito; é conjugai ou romanesca; dá ensejo ao sadismo, ao masoquismo, à generosidade, à fidelidade, à devoção, ao capricho, ao egoísmo, à traição; há, entre as lésbicas, prostitutas como também grandes amorosas. 

Entretanto, certas circunstâncias dão a essas ligações caracteres singulares. Elas não são consagradas por uma instituição ou pelos costumes, nem reguladas por convenções: são vividas, consequentemente, com mais sinceridade. Homem e mulher •— ainda que esposos — representam mais ou menos sempre um para outro, e principalmente a mulher a quem o homem impõe sempre alguma norma de conduta: virtude exemplar, encanto, coquetísmo, puerilidade ou austeridade. Nunca ela se sente ela mesma na frente do marido ou do amante. Junto de uma amiga ela não representa, não precisa fingir, são demasiado semelhantes para não se mostrarem a descoberto. Essa similitude engendra a intimidade mais total. O erotismo muitas vezes importa muito pouco nessas uniões: a volúpia tem um caráter menos fulminante, menos vertiginoso do que entre o homem e a mulher, não provoca metamorfoses tão violentas. Quando se separam carnalmente, os amantes voltam a ser estranhos; o corpo masculino chega a parecer repugnante à mulher, e o homem experimenta por vezes morno enjoo diante do de sua companheira. Entre mulheres, a ternura carnal é mais igual, mais contínua; nunca são arrebatadas em êxtases frenéticos; mas jamais caem numa indiferença hostil; verem-se, tocarem-se constitui um prazer tranquilo que prolonga, em surdina, o prazer da cama. A união de Sarah Posonby com sua bem-amada durou quase cinquenta anos sem uma nuvem: parece que souberam criar um éden sereno à margem do mundo. Mas a sinceridade também se paga. Como se mostram abertamente sem preocupação de se dissimularem ou se controlarem, as mulheres são levadas entre si a violências incríveis. O homem e a mulher intimidam-se pelo fato de serem diferentes; ele sente piedade diante dela, inquietação, esforça-se por tratá-la com cortesia, indulgência, distinção; ela respeita- o e teme-o um pouco, procura dominar-se diante dele; cada qual se preocupa com poupar o outro misterioso cujos sentimentos e reações não mede direito. A calma masculina, seja indiferença ou domínio sobre si mesmo, é um dique contra o qual se quebram as cenas femininas; mas, entre duas amigas, há sobre lanço de lágrimas e convulsões: sua paciência em remoer censuras e explicações é insaciável. Exigências, recriminações, ciúme tirania, todas essas pragas da vida conjugai se desencadeiam de forma exasperada. Se tais amores são por vezes tempestuosos é também porque estão geralmente mais ameaçados do que os amores heterossexuais. São condenados pela sociedade, conseguem mal integrar-se nela. A mulher que assume a atitude viril — pelo seu caráter, sua situação, a força de sua paixão lamentará não poder dar a sua amiga uma vida normal e respeitável, não poder desposá-la, arrastá-la por caminhos insólitos: são os sentimentos que Radcliffe Hall atribui a sua heroína em Poço de Solidão; esses remorsos traduzem-se por uma ansiedade mórbida e principalmente por um ciúme torturante. Por seu lado, a amiga, mais passiva ou menos apaixonada, sofrerá em consequência da censura da sociedade; julgar-se-á degradada, pervertida, frustrada, terá rancor contra quem lhe impõe um tal destino. É possível que uma das duas mulheres deseje um filho; ou ela se resigna com tristeza à esterilidade, ou ambas adotam uma criança, ou a que deseja a maternidade pede os serviços de um homem; a criança é por vezes um traço de união, mas também por vezes uma causa de atrito. 

O que dá às mulheres encerradas na homossexualidade um caráter viril não é sua vida erótica que, ao contrário, as confina num universo feminino: é o conjunto das responsabilidades que elas são obrigadas a assumir pelo fato de dispensarem homens. Sua situação é inversa à da cortesã que adquire por vezes um espírito viril à força de conviver com os homens — Ninon de Lenclos, por exemplo — mas que depende deles. A atmosfera singular reinante em torno das lésbicas provém do contraste entre o clima de gineceu em que se desenrola sua vida privada e a independência masculina de sua vida pública. Conduzem-se como homens em um mundo sem homem. A mulher só, apresenta- se sempre como um pouco insólita; não é verdade que os homens respeitem as mulheres: eles se respeitam mutuamente através de suas mulheres — esposas, amantes, teúdas e manteúdas; quando a proteção masculina não se projeta mais sobre ela, a mulher fica desarmada em face de uma casta superior que se mostra agressiva, escarninha ou hostil. Como "perversão erótica", a homossexualidade feminina mais faz sorrir do que outra coisa, mas se implica um modo de vida suscita desprezo ou escândalo, Se há muita provocação e afetação na atitude das lésbicas, é porque elas não têm nenhum meio de viver sua situação com naturalidade: a naturalidade implica em não refletir sobre si mesmo, agir sem se representar os atos; mas as condutas de outrem levam sem cessar a lésbica a tomar consciência de si. Somente sendo bastante idosa ou dotada de grande prestígio social é que ela pode seguir o seu caminho com uma indiferença tranquila. 

É difícil decretar, por exemplo, se é por gosto ou reação de defesa que tão amiúde ela se veste de maneira masculina. Há certamente nisso, em boa parte, uma escolha espontânea. Nada é menos natural do que se vestir como mulher; sem dúvida, a roupa masculina é também artificial, mas é mais cômoda e mais simples, favorece a ação ao invés de a entravar; George Sand, Isabel Eberhardt usavam roupas de homem; Thyde Monnier em seu último livro (Moi) diz de sua predileção pelas calças; toda mulher ativa gosta de saltos baixos, de tecidos robustos. O sentido da toilette feminina é evidente: trata-se de se "enfeitar" e enfeitar-se é oferecer-se; as feministas heterossexuais mostraram-se outrora tão intransigentes a esse respeito quanto as lésbicas: recusavam-se a fazer de si mesmas uma mercadoria que se exibe, adotavam tailleurs e chapéus de feltro sem adornos; os vestidos enfeitados, decotados, pareciam-lhes o símbolo da ordem social que combatiam. Hoje, elas conseguiram dominar a realidade e o símbolo tem a seus olhos menor importância. Ele a conserva para a lésbica na medida em que esta se sente ainda com reivindicações a fazer. Ocorre também — quando particularidades físicas lhe motivam a vocação •— que as roupas austeras lhe assentem melhor. Cumpre acrescentar que um dos papéis desempenhados pelo adorno é satisfazer a sensualidade preensiva da mulher; mas a lésbica desdenha o consolo dos veludos, da seda; como Sandor, ela os apreciará em suas amigas, ou o próprio corpo delas os substituirá. É também por essa razão que a lésbica gosta muitas vezes de bebidas fortes, de fumos fortes, de falar em linguagem rude, de impor a si mesma exercícios violentos: eroticamente ela partilha a doçura feminina, mas ama, por contraste, um clima sem pieguismos. Por esse expediente pode ser levada a comprazer-se na companhia dos homens. Mas aqui um novo fator intervém: a relação amiúde ambígua que mantém com eles. Uma mulher muito convencida de sua virilidade não quererá senão homens como amigos e camaradas: essa segurança quase só se encontra naquela que tem interesses comuns com eles, que — nos negócios, na ação ou na arte — trabalha e vence como um deles. Gertrude Stein, quando recebia os amidos, só conversava com os homens e deixava a Alice Toklas o cuidado de entreter as mulheres x. É com as mulheres que a homossexual muito viril terá uma atitude ambivalente: despreza-as mas tem diante delas um complexo de inferioridade como mulher e como homem; receia aparecer-lhes como uma mulher falhada, um homem inacabado, o que a conduz a exibir uma superioridade altiva ou a manifestar contra elas — como a travestida de Stekel — uma agressividade sádica. 

Mas este caso é bastante raro. Vimos que em sua maioria as lésbicas recusam o homem com reticência: há nelas, como na mulher fria, nojo, rancor, timidez, orgulho; elas não se sentem realmente iguais a êle; a seu rancor feminino acrescenta-se um complexo de inferioridade viril: o homem é o rival mais bem armado para seduzir, para possuir e conservar a presa; detestam seu poder sobre as mulheres, detestam a "mácula" que o macho impõe à mulher. Irritam-se ao vê-lo deter os privilégios sociais e senti- -lo mais forte do que elas: é uma humilhação pungente não poder lutar com um rival, saber que êle é capaz de a esmagar com um soco. Essa complexa hostilidade é uma das razões que levam certas homossexuais a se exibirem; só entre si mantêm relações, organizam espécies de clubes para mostrar que não têm nem social nem sexualmente necessidade de homens. Passam desse modo facilmente a fanfarronadas inúteis e a todas as comédias da inautenticidade. A lésbica representa primeiramente o papel de homem; posteriormente ser lésbica já se torna um jogo; a fantasia transforma-se em libre e a mulher, a pretexto de subtrair-se à opressão do homem, faz-se escrava de seu personagem; não quis encerrar-se na situação de mulher, torna-se prisioneira da de lésbica. Nada dá pior impressão de estreiteza de espirito e de mutilação do que esses clãs de mulheres libertas. Cumpre acrescentar que muitas mulheres só se declaram homossexuais por complacência interessada: por isso mesmo adotam mais conscientemente atitudes equívocas, esperando ademais excitar os homens que gostam de "viciosas". Essas que tamanho zelo mostram — e são evidentemente as que mais despertam a atenção — contribuem para lançar o descrédito sobre o que a opinião encara como um vício ou uma atitude.


[1] Uma heterossexual que acredita — ou quer persuadir-se — que transcende com seu valor a diferença dos sexos, terá às vezes a mesma atitude: Mme de Staël, por exemplo.


Na realidade, a homossexualidade não é nem uma perversão deliberada nem uma maldição fatal [2]. É uma atitude escolhida em situação, isto é, a um tempo motivada e livremente adotada. Nenhum dos fatores que o sujeito assume com essa escolha — dados fisiológicos, história psicológica, circunstâncias sociais — é determinante, embora todos contribuam para explicá-la. É para a mulher uma maneira, entre outras, de resolver os problemas postos por sua condição em geral, por sua situação erótica em particular. Como todas as condutas humanas, ela acarretará comédias, desequilíbrio, malogro, mentira ou, ao contrário, será fonte de experiências fecundas, segundo seja vivida na má-fé, na preguiça, na inautenticidade ou na lucidez, na generosidade e na liberdade.


[2] O Poço de Solidão apresenta uma heroína marcada por uma fatalidade psicofisiológica. Mas o valor documentário desse romance é muito pequeno a despeito da reputação que teve.



continua página 165...

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Leia também:

O Segundo Sexo - 01. Fatos e Mitos: que é uma mulher?

O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo II - A Moça (1)
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O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo I - Infância (4)
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O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo II - A Moça (1)
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O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo II - A Moça (6)
O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo II - A Moça (7)
O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo III - A Iniciação Sexual (1)
O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo III - A Iniciação Sexual (2)
O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo III - A Iniciação Sexual (3)
O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo III - A Iniciação Sexual (4)
O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo III - A Iniciação Sexual (5)
O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo III - A Iniciação Sexual (6)
O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo IV - A Lésbica (1)
O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo IV - A Lésbica (2)
O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo IV - A Lésbica (3)
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As mulheres de nossos dias estão prestes a destruir o mito do "eterno feminino": a donzela ingênua, a virgem profissional, a mulher que valoriza o preço do coquetismo, a caçadora de maridos, a mãe absorvente, a fragilidade erguida como escudo contra a agressão masculina. Elas começam a afirmar sua independência ante o homem; não sem dificuldades e angústias porque, educadas por mulheres num gineceu socialmente admitido, seu destino normal seria o casamento que as transformaria em objeto da supremacia masculina.
Neste volume complementar de O SEGUNDO SEXO, Simone de Beauvoir, constatando a realidade ainda imediata do prestígio viril, estuda cuidadosamente o destino tradicional da mulher, as circunstâncias do aprendizado de sua condição feminina, o estreito universo em que está encerrada e as evasões que, dentro dele, lhe são permitidas. Somente depois de feito o balanço dessa pesada herança do passado, poderá a mulher forjar um outro futuro, uma outra sociedade em que o ganha--pão, a segurança econômica, o prestígio ou desprestígio social nada tenham a ver com o comércio sexual. É a proposta de uma libertação necessária não só para a mulher como para o homem. Porque este, por uma verdadeira dialética de senhor e servo, é corroído pela preocupação de se mostrar macho, importante, superior, desperdiça tempo e forcas para temer e seduzir as mulheres, obstinando-se nas mistificações destinadas a manter a mulher acorrentada.
Os dois sexos são vítimas ao mesmo tempo do outro e de si. Perpetuar-se-á o inglório duelo em que se empenham enquanto homens e mulheres não se reconhecerem como semelhantes, enquanto persistir o mito do "eterno feminino". Libertada a mulher, libertar-se-á também o homem da opressão que para ela forjou; e entre dois adversários enfrentando-se em sua pura liberdade, fácil será encontrar um acordo.
O SEGUNDO SEXO, de Simone de Beauvoir, é obra indispensável a todo o ser humano que, dentro da condição feminina ou masculina, queira afirmar-se autêntico nesta época de transição de costumes e sentimentos.


"O que é uma mulher?"


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