Apolodoro[1] e um Companheiro
Depois que Sócrates assim falou, enquanto que uns se põem a
louvá-lo, Aristófanes tenta dizer alguma coisa, que era a ele que
aludira Sócrates, quando falava de um certo dito; e súbito a
porta do pátio, percutida, produz um grande barulho, como de
foliões, e ouve-se a voz de uma flautista. Agatão exclama:
“Servos! Não ireis ver? Se for algum conhecido, chamai-o; se
não, dizei que não estamos bebendo, mas já repousamos”.
Não muito depois ouve-se a voz de Alcibíades no pátio, bastante
embriagado, e a gritar alto, perguntando onde estava Agatão,
pedindo que o levassem para junto de Agatão. Levam-no então
até os convivas a flautista, que o tomou sobre si, e alguns
outros acompanhantes, e ele se detém à porta, cingido de uma
espécie de coroa tufada de hera e violetas, coberta a cabeça de
fitas em profusão, e exclama:
“Senhores! Salve! Um homem em
completa embriaguez vós o recebereis como companheiro de
bebida, ou devemos partir, tendo apenas coroado Agatão, pelo
qual viemos? Pois eu, na verdade, continuou, ontem mesmo não
fui capaz de vir; agora porém eis-me aqui, com estas fitas sobre
a cabeça, a fim de passá-las da minha para a cabeça do mais
sábio e do mais belo, se assim devo dizer. Porventura ireis
zombar de mim, de minha embriaguez? Ora, eu, por mais que
zombeis, bem sei portanto que estou dizendo a verdade. Mas
dizei-me daí mesmo: com o que disse, devo entrar ou não?
Bebereis comigo ou não?"
Todos então o aclamam e convidam a entrar e a recostar-se, e
Agatão o chama. Vai ele conduzido pelos homens, e como ao
mesmo tempo colhia as fitas para coroar, tendo-as diante dos
olhos não viu Sócrates, e todavia senta-se ao pé de Agatão,
entre este e Sócrates, que se afastara de modo a que ele se acomodasse. Sentando-se ao lado de Agatão ele o abraça e o
coroa.
Disse então Agatão:
- Descalçai Alcibíades, servos, a fim de que
seja o terceiro em nosso leito.
- Perfeitamente - tornou Alcibíades; - mas quem é este nosso
terceiro companheiro de bebida? E enquanto se volta avista
Sócrates, e mal o viu recua em sobressalto e exclama: Por
Hércules! Isso aqui que é? Tu, ó Sócrates? Espreitando-me de
novo aí te deitaste, de súbito aparecendo assim como era teu
costume, onde eu menos esperava que haverias de estar? E
agora, a que vieste? E ainda por que foi que aqui te recostaste?
Pois não foi junto de Aristófanes, ou de qualquer outro que seja
ou pretenda ser engraçado, mas junto do mais belo dos que
estão aqui dentro que maquinaste te deitar.
E Sócrates:
- Agatão, vê se me defendes! Que o amor deste
homem se me tornou um não pequeno problema. Desde aquele
tempo, com efeito, em que o amei, não mais me é permitido
dirigir nem o olhar nem a palavra a nenhum belo jovem, serão
este homem, enciumado e invejoso, faz coisas extraordinárias,
insulta-me e mal retém suas mãos da violência. Vê então se
também agora não vai ele fazer alguma coisa, e reconcilia-nos;
ou se ele tentar a violência, defende-me, pois eu da sua fúria e
da sua paixão amorosa muito me arreceio.
- Não! - disse Alcibíades - entre mim e ti não há reconciliação.
Mas pelo que disseste depois eu te castigarei; agora porém,
Agatão, exclamou ele, passa-me das tuas fitas, a fim de que eu
cinja também esta aqui, a admirável cabeça deste homem, e
não me censure ele de que a ti eu te coroei, mas a ele, que
vence em argumentos todos os homens, não só ontem como tu,
mas sempre, nem por isso eu o coroei. -
E ao mesmo tempo ele
toma das fitas, coroa Sócrates e recosta-se.
Depois que se recostou, disse ele:
- Bem, senhores! Vós me
pareceis em plena sobriedade. É o que não se deve permitir
entre vós, mas beber; pois foi o que foi combinado entre nós.
Como chefe então da bebedeira, até que tiverdes
suficientemente bebido, eu me elejo a mim mesmo. Eia, Agatão,
que a tragam logo, se houver aí alguma grande taça. Melhor
ainda, não há nenhuma precisão: vamos, servo, traze-me
aquele porta-gelo! exclamou ele, quando viu um com capacidade de mais de oito “cótilas”. Depois de enchê-lo,
primeiro ele bebeu, depois mandou Sócrates entornar, ao
mesmo tempo que dizia: - Para Sócrates, senhores, meu ardil
não é nada: quanto se lhe mandar, tanto ele beberá, sem que
por isso jamais se embriague.
Sócrates então, tendo-lhe entornado o servo, pôs-se a beber;
mas eis que Erixímaco exclama:
- Que é então que fazemos,
Alcibíades? Assim nem dizemos nada nem cantamos de taça à
mão, mas simplesmente iremos beber, como os que têm sede?
Alcibíades então exclamou:
- Excelente filho de um excelente e
sapientíssimo pai, salve!
- Também tu, salve! - respondeu-lhe Erixímaco; - mas que
devemos fazer?
- O que ordenares! É preciso com efeito te obedecer:
pois um homem que é médico vale muitos outros;
ordena então o que queres.
- Ouve então - disse Erixímaco. - Entre nós, antes de chegares,
decidimos que devia cada um à direita proferir em seu turno um
discurso sobre o Amor, o mais belo que pudesse, e lhe fazer o
elogio. Ora, todos nós já falamos; tu porém como não o fizeste
e bebeste tudo, é justo que fales, e que depois do teu discurso
ordenes a Sócrates o que quiseres, e este ao da direita, e assim
aos demais.
- Mas, Erixímaco! - tornou-lhe Alcibíades - é sem dúvida bonito
o que dizes, mas um homem embriagado proferir um discurso
em confronto com os de quem está com sua razão, é de se
esperar que não seja de igual para igual. E ao mesmo tempo,
ditoso amigo, convence-te Sócrates em algo do que há pouco
disse? Ou sabes que é o contrário de tudo o que afirmou? É ele
ao contrário que, se em sua presença eu louvar alguém, ou um
deus ou um outro homem fora ele, não tirará suas mãos de
mim.
- Não vais te calar? - disse Sócrates.
- Sim, por Posidão - respondeu-lhe Alcibíades; nada digas
quanto a isso, que eu nenhum outro mais louvaria em tua
presença.
- Pois faze isso então - disse-lhe Erixímaco - se te apraz; louva
Sócrates.
- Que dizes? - tornou-lhe Alcibíades; - parece-te necessário,
Erixímaco? Devo então atacar-me ao homem e castigá-1o
diante de vós?
- Eh! Tu! - disse-lhe Sócrates - Que tens em mente? Não é para
carregar no ridículo que vais elogiar-me? Ou que farás?
- A verdade eu direi. Vê se aceitas!
- Mas sem dúvida! - respondeu-lhe - a verdade sim, eu aceito, e
mesmo peço que a digas.
- Imediatamente - tornou-lhe Alcibíades. - Todavia faze o
seguinte. Se eu disser algo inverídico, interrompe-me
incontinenti, se quiseres, e dize que nisso eu estou falseando;
pois de minha vontade eu nada falsearei. Se porém a lembrança
de uma coisa me faz dizer outra, não te admires; não é fácil, a
quem está neste estado, da tua singularidade dar uma conta
bem feita e seguida.
continua página 49...
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Apolodoro e um Companheiro(h)
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Platão (428/7-348/7 a.C.)
Nasceu em Atenas, por volta de 428/7, e era membro de uma aristocrática e ilustre família. Descendia dos antigos reis de Atenas, de Sólon e era também sobrinho de Crítias (460/403) e Cármides, dois dos "Trinta Tiranos" que governaram Atenas em -404. Lutou na Guerra do Peloponeso entre 409 e 404, e a admiração por Sócrates, que conheceu em algum momento desse período, foi decisiva em sua vida.
O seu verdadeiro nome era Arístocles, mas devido à sua compleição física recebeu a alcunha de Platão (significa literalmente "ombros largos"). Frequentou com assiduidade os ginásios, obtendo prêmios por duas vezes nos Jogos Istímicos. Começou por seguir as lições de Crátilo, discípulo de Heraclito, e as de Hermógenes, discípulo de Parménides. Em princípio, por tradição familiar deveria seguir a vida política. Contudo, a experiência do governo dos trinta tiranos que governaram Atenas por imposição de Esparta (404-403 a.C.), e da qual fazia parte dois dos seus tios Crístias e Cármides, distanciaram-no desta opção de vida, pelo menos do modo como a política era exercida. O fato que mais o marcou foi a influência que sobre ele exerceu Sócrates, tendo-se feito seu discípulo por volta de 408, quando contava vinte anos. Nele encontrou o mestre, que veio a homenagear na sua obra, fazendo-o interlocutor principal da quase totalidade dos seus diálogos.
Após a morte de Sócrates, em 399 a.C., Platão realizou inúmeras viagens, travando contato com importantes filósofos e escolas de pensamento suas contemporâneas. Em Megara, travou contato com Euclides e sua escola; no Egito, Sicília e Magna Grécia, aprofundou seus conhecimentos através do contato com a sabedoria egípcia e os ensinamentos eleáticos e pitagóricos, este último especialmente através do encontro com Arquitas de Tarento. De passagem por Siracusa, ligou-se a Díon e Dionísio, tirano de Siracusa. Estas duas personagens desempenharam papel fundamental na posterior vida política de Platão.
De volta a Atenas, fundou em 387 a Academia, passando a dedicar-se ao ensino e à composição de sua obra filosófica.
Em 365 e em 361 esteve novamente em Siracusa, a pedido do amigo Díon, numa tentativa inútil de transformar o jovem Dionísios II (-367/-342), filho e sucessor de Dionísios I, no "reifilósofo" que idealizara.
Desiludido com a dificuldade de colocar em prática suas idéias filosóficas, Platão não mais saiu de Atenas.
Durante o ultimo período da sua vida continuou a dirigir a Academia, e escreveu o Timeu, O Crítias e As Leis ,que não chegou a acabar falecendo por volta de 347.
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[1] O interlocutor de Sócrates não está só (N.T.)
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