Germinal
Émile Zola
Tradução de Francisco Bittencourt
Tradução de Francisco Bittencourt
Quarta Parte
II
Numa reunião realizada na véspera em casa de Rasseneur, Etienne e
mais alguns camaradas haviam escolhido os delegados que deveriam ir no
dia seguinte falar com a direção. Quando à noite a mulher de Maheu soube
que seu homem fora um dos convocados para a missão, ficou desesperada e
perguntou-lhe se ele queria que os pusessem na rua. O próprio Maheu
aceitara não sem relutância. Ambos, no momento de agir, apesar da
injustiça da sua miséria, caíam na resignação característica daquele povo,
apavorados com o futuro, preferindo baixar mais uma vez a cabeça. Para os
problemas diários, ele, de hábito, entregava-se ao julgamento da mulher,
que era boa conselheira. Desta vez, no entanto, acabou por zangar-se, tanto
mais que participava secretamente dos receios dela.
— Deixa-me em paz! — disse ele, deitando-se e dando-lhe as
costas. — Queres que eu abandone meus camaradas... Estou cumprindo um
dever.
Ela deitou-se por sua vez; nenhum falava; após um longo silêncio a
mulher respondeu:
— Tens razão, vai... Mas, desta vez, estamos perdidos, meu velho.
Comeram ao meio-dia em ponto; o encontro era à uma hora, no
Avantage, de onde, em seguida, iriam à casa do Sr. Hennebeau. Almoçaram
batatas; como havia apenas uma migalha de manteiga, ninguém a tocou;
ficaria para ser comida com pão, à noite.
— Sabes que contamos contigo para falar — disse de repente
Etienne a Maheu.
Este, apanhado de surpresa, não pôde responder, a voz embargada
pela emoção:
— Ah, não! Isso já é demais! — saltou a mulher. — Não me
importa que vá, mas proíbo-o de falar. Essa é boa! Por que há de ser ele e
não outro?
Etienne, então, começou a explicar seu projeto com fogosa
eloquência. Maheu era o melhor operário da mina, o mais querido, o mais
respeitado, o exemplo do bom senso. Pela sua boca, as reivindicações dos
mineiros teriam um peso decisivo. No começo, o escolhido para falar era
ele, Etienne, mas chegara a Montsou havia muito pouco tempo. Um natural
da região seria escutado com mais boa vontade. Enfim, os camaradas
confiavam seus interesses ao mais digno, não podia recusar, seria uma
covardia.
A mulher fez um gesto impotente e desesperado.
— Pois vai, vai, homem, sacrifica-te pelos outros. Que mais posso
dizer?!
— Mas o que é que eu vou falar? — balbuciou Maheu. — Vão sair
só asneiras...
Etienne, satisfeito por tê-lo convencido, bateu-lhe no ombro.
— Dirás aquilo que sentes, e vais sair-te muito bem.
Com a boca cheia, o velho Boa-Morte, cujas pernas estavam
desinchando, escutava balançando a cabeça. Fez-se silêncio. Quando
comiam batatas, as crianças se engasgavam e ficavam muito comportadas.
Depois de ter engolido, o velho murmurou lentamente:
— Podes dizer o que quiseres, não vai adiantar nada, será como se
tivesses ficado calado. Ah, eu conheço muito bem essas coisas! Há quarenta
anos, éramos jogados para fora do edifício da direção pelas baionetas
caladas. Hoje talvez eles recebam vocês, mas permanecerão tão impassíveis
como essa parede. Diabo! quem tem dinheiro não se importa com os outros.
Outra vez o silêncio. Maheu e Etienne levantaram-se, deixando o
resto da família muito abatida diante dos pratos vazios. Ao sair, juntaram-se
a Pierron e Levaque, e os quatro se dirigiram para a taberna de Rasseneur,
onde os delegados dos conjuntos habitacionais operários vizinhos
chegavam em pequenos grupos. Quando os vinte membros da delegação
estavam presentes, decidiu-se quais condições seriam opostas às da
companhia; em seguida partiram para Montsou.
O cortante vento do nordeste varria a estrada. Davam duas horas
quando chegaram.
O criado que os atendeu mandou que esperassem, fechando
novamente a porta; voltou em seguida, introduzindo-os no salão e abrindo
as cortinas. Uma luz pálida, filtrada pelos rendões, clareou o ambiente. Os
mineiros, tendo ficado sozinhos, não ousaram sentar, embaraçados, todos
muito limpos, vestidos convenientemente, com barbas feitas pela manhã,
com cabelos e bigodes amarelos. Rolavam os bonés entre os dedos,
lançavam olhares de esguelha para o mobiliário, que era uma confusão de
todos os estilos, que o gosto pela antigalha pusera em moda: poltronas
Henrique II, cadeiras Luís XV, uma escrivaninha italiana do século XVII,
um contador espanhol do século XV, um frontal de altar como lambrequim
da lareira e apliques de vestimentas litúrgicas decorando os reposteiros.
Esses ouros velhos, essas sedas velhas de tons fulvos, todo esse luxo de
capela colhera-os num mal-estar respeitoso. Os tapetes do Oriente pareciam
estar embaraçando seus pés com sua lã alta. Mas o que mais os sufocava era
o calor, um calor de aquecedor que envolvia com sua surpresa aqueles
rostos gelados pelo vento da estrada. Cinco minutos tinham-se escoado.
Sentiam-se cada vez mais inquietos no bem-estar daquele salão rico e
confortavelmente fechado.
Finalmente o Sr. Hennebeau fez sua entrada, abotoado militar
mente, ostentando na sobrecasaca a roseta formal da sua condecoração. Foi
ele o primeiro a falar.
— Pois muito bem... Ao que parece os senhores se revoltaram... —
E interrompeu-se para acrescentar com uma rigidez polida: — Sentem-se,
estou disposto a conversar.
Os mineiros voltaram-se, procurando assentos com os olhos.
Alguns arriscaram-se a sentar nas cadeiras, enquanto outros, temerosos de
estragar as sedas bordadas, preferiram ficar em pé.
Silêncio. O Sr. Hennebeau, que arrastara sua poltrona para junto da
lareira, examinava-os inquisitorialmente, tentando lembrar-se dos seus
rostos. Acabou reconhecendo Pierron, que se escondia na retaguarda, e seus
olhos pousaram em Etienne, sentado à sua frente.
— Vejamos, o que têm a me dizer? — perguntou ele. Esperava
ouvir o rapaz tomar a palavra, e ficou a tal ponto surpreendido ao ver
Maheu avançar, que não pôde conter-se e acrescentou:
— Então é você, um bom operário, que sempre se mostrou
razoável, um antigo membro de Montsou, cuja família trabalha na mina
desde a primeira escavação!... Ah... vai tudo muito mal! Entristece-me
bastante vê-lo encabeçando os descontentes!
Maheu escutou de olhos baixos. Depois, começou com uma voz a
princípio hesitante e surda:
— Senhor diretor, é justamente porque sou um homem tranquilo, a
quem ninguém pode atacar, que meus camaradas me escolheram. Isso deve
servir-lhe como prova de que não se trata de uma revolução de desordeiros,
de más pessoas que procuram instaurar a anarquia. Queremos apenas
justiça, estamos cansados de andar morrendo de fome e parece-nos que
chegou a hora de um entendimento para que ao menos tenhamos pão todos
os dias.
Sua voz era cada vez mais firme. Levantou os olhos e continuou,
fixando o diretor:
— O senhor sabe muito bem que não podemos aceitar o novo
sistema. Somos acusados de revestir mal. É verdade, não dedicamos a essa
tarefa o tempo necessário. Mas, se o fizéssemos, nosso salário seria ainda
mais reduzido, e, como ele já não chega para nos alimentar, seria então o
nosso fim, o golpe de misericórdia que arrasaria os homens que trabalham
para o senhor. Pague-nos melhor e revestiremos melhor, empregaremos no
escoramento as horas recomendadas, em lugar de nos encarniçarmos no
abate, que é a única coisa que nos rende. Não há outro acordo possível, o
trabalho precisa ser pago para ser feito... E o que o senhor inventou no lugar
disso? Uma coisa que não nos entra na cabeça: baixou o vagonete e depois
pretendeu compensar essa baixa pagando o revestimento à parte! Mesmo
que isso fosse verdade, ainda assim estaríamos sendo roubados, já que o
revestimento sempre tomará mais tempo. Mas o que mais nos enfurece é
que nem isso é verdade: a companhia não compensa coisa nenhuma, ela
simplesmente põe dois cêntimos por vagonete no bolso, eis tudo.
— E isso mesmo, aí está a verdade... — murmuraram os outros
delegados ao verem o Sr. Hennebeau fazer um gesto violento, como para
interromper. De resto, Maheu cortou a palavra ao diretor. Agora que começara,
as palavras vinham sozinhas. Chegava a escutar-se, com surpresa, como se
um estranho falasse nele. Eram coisas acumuladas no fundo do seu peito;
coisas que não sabia que estavam ali armazenadas e saíam aos borbotões do
seu coração. Falou da miséria em que viviam, do trabalho duro, da vida de
bestas de carga, da mulher e das crianças chorando de fome em casa. Citou
os últimos pagamentos ínfimos, as quinzenas irrisórias, desfalcadas pelas
multas e pelas folgas, levadas às famílias desesperadas. Seria isso um plano
para destruí-los?
— Assim é que, senhor diretor — concluiu ele —, viemos aqui
para lhe dizer que, se é para morrer, preferimos morrer sem fazer nada; ao
menos não estaremos exaustos quando chegar a hora. Deixamos o trabalho
e só voltaremos a ele se a companhia aceitar nossas condições. Ela quer
baixar o preço do vagonete, pagar o revestimento à parte. Nós queremos
que as coisas continuem como eram e exigimos ainda que nos deem cinco
cêntimos a mais por vagonete... Agora chegou a sua vez de dizer se é pela
justiça e pelo trabalho.
continua na página 189...
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O pai de Zola tinha 44 anos quando conheceu Émilie-Aurélie Aubert, numa de suas viagens a Paris. Apesar da grande diferença de idade — a moça não chegara aos vinte anos —, acabaram casando — se. O resultado dessa união foi Émile Zola, nascido em 12 de abril de 1840, durante uma estada do casal em Paris. O menino mal conheceu o pai: em 1847, François faleceu.
As coisas ficaram difíceis. Sozinha e com grandes esforços, a mãe procurou equilibrar o orçamento doméstico e fazer que o filho estudasse. De certa forma, ela teve sucesso: Zola foi aluno do Colégio Notre-Dame e do Colégio de Aix. Quando o rapaz atingiu a maioridade, partiu com Émilie para Paris e, graças a um amigo da família, conseguiu um emprego na Alfândega.
Em dezembro de 1859, concluía sua primeira obra em prosa, Les Grisettes de Provence (As Costureirinhas de Provença). Continuava, porém, desconhecido e insatisfeito. Ele mesmo costumava dizer: "Ser sempre desconhecido é chegar a duvidar de si; nada engrandece os pensamentos de um autor como o sucesso".
Assim, no início de 1866, deixou o emprego para dedicar-se à literatura.
Abandonou o romantismo de seus anos de adolescência e passou a admirar outros autores: Balzac (1799-1850), Stendhal (1783-1842), Flaubert (1821-1880). Essa guinada para o realismo devia-se principalmente às suas últimas leituras: das teorias evolucionistas de Darwin (1809-1882) até o Tratado da Hereditariedade Natural do Dr. Lucas, passando pela Filosofia da Arte de Taine (1328-1893). No entanto, o que parece tê-lo feito decidir-se pelo realismo foi a Introdução ao Estudo da Medicina Experimental (1865), de Claude Bernard (1813-1878). Essa obra foi importante para o rumo que Zola imprimiria a toda a sua obra: o rigor científico no romance, cujo objetivo, diria ele, é o mesmo das experiências de laboratório, isto é, o conhecimento da realidade. O que Claude Bernard havia feito com o corpo humano Zola faria com as paixões e os meios sociais.
Para fazer Germinal, Zola não se satisfez com a simples busca de documentos. Foi passar alguns meses numa região mineira. Morou em cortiços, bebeu cerveja e genebra nos botequins e desceu ao fundo dos poços para observar de perto o trabalho dos operários. Aos poucos foi se familiarizando com o meio onde viviam aqueles homens. Descobriu quais as principais doenças causadas pela mineração. Sentiu o problema dos baixos salários, os sacrifícios dos mineiros, a gota que cai com uma regularidade incrível sobre seus rostos, a dificuldade de empurrar um vagonete por um corredor estreito, o drama do salto na escuridão que eles têm de dar para poderem sobreviver. Numa passagem admirável, descreve a emoção de uma greve de operários. Mostra seu ódio animal. Um ódio que destrói tudo à sua passagem. Uma violência viva nos corpos que querem libertar-se, mesmo à custa da total destruição. Mostra também o amor feito sobre o carvão, os pequenos dramas das dívidas, as brigas no cortiço, a promiscuidade de pais e filhos em casas muito pequenas. A obra obteve enorme repercussão.
Em 29 de setembro de 1901, em Paris, Émile Zola morre asfixiado pelo gás do aquecedor.
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