sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Gremistas ou colorados... misturam-se a realidade

Ensaio 08

baitasar


No quarto há uma cama, sobre a cama um homem, sobre o homem um menino com medo. E quando Sèzar respira boca abaixo, tem o corpo retesado, desesperado engole o ar aos goles, afogado.
O celular de Sèzar dispara um sinal sonoro, retira a máscara do nebulizador e atende — Não posso, Gustavo... não posso. — desliga e o deixa sobre a cama. Daniel e Gustavo modelam as aparências dos seus músculos na academia, uma rotina antiga dos três amigos gremistas: pesos, medidas, espelhos e dietas. Naquela tarde, Sèzar não foi, precisa da máscara do nebulizador, a máscara dos músculos pode esperar.
Muitos anos antes, ele franzino, eles montanhas rochosas. A intuição da sobrevivência do Sèzar aproximou os seus lamentos ao amontoado corpóreo do Daniel-Gustavo, dois gorilas brancos desde os tempos do colégio. Sèzar jamais gostou de esportes, tinha convicção que essas disputas de contato físico apenas reforçavam suas fraquezas, diminuíam suas chances por alguma coisa, qualquer coisa, estava encarcerado e precisava de guarda-costas. As aulas de jogar bola não ajudavam e o medo de fracassar atrapalhava mais. Não podia consolar-se com ninguém. O silêncio frio de palavra nenhuma. 
Ergueu-se sobre as pernas e pediu a sua mãe a primeira camisa de jogar bola — Futebol, Sèzar? — respondeu que ele e outros meninos – treinava os dois para serem seus guarda-costas – estavam fundando a jovem torcida organizada tricolor da escola. Assim, se tornou um torcedor futebolista ocasional e um gremista musculoso – não foi por amor, mas necessidade – agora, era um deles. Com o devido tempo e treino poderia ser transformado em uma máquina de moer carne, ou pelo menos, poderia parecer com um instrumento desses. Esse foi o começo fundador da JTC – Jovem Torcida Tricolor do Colégio.
Depois de anos pesados de chuva chega um vento furioso, se põe a limpar lá por cima e o azul começa se mostrando mais uma vez. E quando Sèzar começou a sentir que era real, não estava mais existindo numa vida que parecia um acidente, ele a levou muito a sério. Não era mais um garoto franzino, o tempo e a academia o deixaram um homem crescido, gostava de escrever, mas escrever não era real, então, sempre que o seu Grêmio – que o salvou das garras da discordância – jogava em seu estádio, ele e a jovem torcida tricolor do colégio, mais velha e pesada que nos tempos do colégio, enfiados dentro de suas camisas gremistas, esticadas nos braços e peitoral, iam para a arquibancada e gritavam e xingavam e cantavam, isso era real. Subiam e desciam correndo as arquibancadas, isso era uma avalanche. Algumas vezes saiam sem saber o resultado do jogo.
Por isso, ficou animado com a ideia do presente para Adelaide: uma camisa futebolística tricolor para sua amiga colorada. Gremistas ou colorados, todos são alguma coisa que não existe, mas quando usam suas cores de torcida misturam-se a realidade, e Teseu, Minotauro, Jasão, Esfinge, Édipo, Hércules, Velocino de Ouro, Midas, entram em campo e correm, e correm, de um lado a outro, como exércitos, soldadinhos de chumbo — Sèzar, a única vida é agora, eu e você... — as palavras da Adelaide sempre produzem um sentimento profundo nele, As outras não são vidas, mas aparências do que aconteceu ou a suspeita no que virá
—        E o que é real na vida, Adelaide, antes ou depois de agora?
—        O meu irmão. — ele não tem irmãos, mas tem a jovem torcida tricolor do colégio.
Esse é o dia, o ingresso para o grenal está no bolso, mas a camiseta vermelha permanece dobrada na gaveta, depois do banho e da barba feita, não pode mais adiar, enfia a camisa por cima dele mesmo — Pronto, está feito! — falta o boné, procura um neutro e maior possível.
A campainha toca, ela está pronta — Está pronto, Sèzar? — ele a pega pelo braço e saem para o Beira-Rio, estádio dos colorados. Lembra que precisa ter mais cuidado com suas brincadeiras e provocações — Você esta linda. —isso não é brincadeira, nem provocação, e deus criou a mulher para que a vista nos doa por horas de contemplação
—        Você também, mesmo com esse boné.
Descem do ônibus e caminham para o estádio. O boné de Sèzar enterrado nas orelhas, enfiado nos olhos, um véu de camuflagem. Nos arredores do estádio cruzam com a jovem torcida tricolor do colégio – desfalcada dele: sócio fundador – recorda o mesmo pavor do menino franzino e enfermiço, seus passos gaguejavam. Adelaide segura firme em sua mão e lhe dá o seu beijo, enquanto os rapazes passam por eles — Vi isso num filme. — ele se pergunta se aquele beijo foi real ou um disfarce.
Os amigos fortões eram todos os gremistas, ele não podia ser diferente - ou não quis - não havia chances. Ficou torcedor que torce e distorce pelo seu time, apaixonado por medo de não ser feliz, seja lá o que isso signifique. Não escolheu, foi empurrado em uma avalanche. Não tem amigos, mas amigos gremistas, as aparências da cor lhe trazem conforto — E eu? — pergunta Adelaide, ele abriu a boca e a alma se abriu de imediato, foi escorrendo da garganta aos tropeços
—        E você é a única que me faz isso... vestir o vermelho em grenal — fingir que se torce é pior que torcer contra; mentir para os amigos gremistas não foi satisfatório – mas com um pouquinho de sorte, eles nem ficam sabendo – mentir para os colorados é coisa de nada – quase uma obrigação – no fim e ao cabo de tudo, nada acontece, o futebol nem é tão importante. A mentira em si é uma covardia do mentiroso, mas ali, naquela multidão, foi apenas uma brincadeira. A paixão em demasia é um dos esconderijos da razão, mas como apaixonar se não for para ser em excessos ingovernáveis da vontade?
Olha na superfície das cores coloradas, naquela multidão silenciosa, Sèzar é apenas outro colorado, mentira ou verdade – quem se importa? – sentado na arquibancada de concreto, sofrendo em silêncio com o golo do rival. Estava enfiado dentro do boné, sem risco de ser encontrado. Triste. Melancólico.
O conforto era a mão de Adelaide na sua. Levanta e grita

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