Os 50 maiores livros (uma antologia pessoal): IV – O Vermelho e o Negro, de Stendhal
Este é um romance pouco falado atualmente, mas não há justificativa para ignorar esta obra-prima de Stendhal — que tinha o nome civil de Henri-Marie Beyle. É o livro que traz um dos maiores personagens da literatura de todos os tempos: o mal sucedido alpinista social Julien Sorel. André Gide escreveu que este livro de 1830 é o primeiro romance do século XX, por estar muito à frente de seu tempo. Tem razão Gide. A trama divide-se em duas partes: na primeira parte, no interior da França, Sorel abandona o trabalho da carpinteiro ao lado do pai e dos irmãos para tornar-se acólito do padre (ou cura) Chélan. Este lhe consegue um lugar de tutor dos filhos do prefeito de Verrières, Sr. de Rênal. Sorel parece um clérigo austero e seríssimo, mas na verdade prefere a Sra. de Rênal à Bíblia. O casal é descoberto e o cura o indica para um seminário. Novas maquinações e nosso herói vai para Paris, agora como secretário do Marquês de La Mole.
A segunda parte passa-se em Paris, onde conhece Mathilde de La Mole, filha do novo empregador de Sorel. Ela fica dividida entre o crescente interesse por Sorel — em função de suas admiráveis qualidades pessoais — e sua repugnância em se envolver com um homem de classe inferior. Não contarei desfecho do romance, nem o retorno da Sra. de Rênal à história, mas sou obrigado a falar mais um pouco sobre Sorel. Ele é o símbolo do homem inteligente e talentoso que sucumbe aos privilégios do nascimento e à falta de traços de nobreza. Havia um mal disfarçado sistema de castas na França. (Bem, e não há ainda hoje algo semelhante no Brasil?) Enquanto sonha estar sob o comando de Napoleão – seu modelo que mofava em Santa Helena – para fazer fortuna e viver grandes paixões, busca o seminário e tudo o que pensa que possa fazê-lo ascender socialmente. Lá, começa a alimentar secretamente seus desejos de grandeza, característica que mantém ao longo do romance sob várias formas. Todo O Vermelho e o Negro é um passo-a-passo do desperdício, do desaproveitamento e da aniquilação de Sorel. A arte suprema de Stendhal — uma autor objetivo e piadista que dizia gostar da prosa cartorial — está em fazer com que a época em que se passa o romance pareça atrasada em relação ao personagem. Pelo romance perpassam a frustração e a falsa alegria de quem pensa que vai vencer, o contraste entre o campo e a cidade, com suas hipocrisias distintas, a guerra, os conflitos religiosos e, é claro, o amor e suas traições. Obrigatório.
P.S. — Stendhal nunca explicou o título de seu romance. Simplesmente, não se sabe a que se refere.
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