quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O futebol nem é tão importante, mas os personagens...

Ensaio 07

baitasar

Adelaide sempre foi desde que nasceu coisa nenhuma, nas conferências com o seu analista psicólogo, espírita, além-túmulo, subconsciente, inconsciente, místico, histérico, confessou que ainda na barriga da mãe tinha decidido: se aqui nesta província só existem vermelhos e azuis, maragatos e chimangos, brancos e pretos, cavalos e vacas, não seria nem isso, nem aquilo, muito antes pelo contrário, serão todos ou ninguém.
Brincava de mocinho e bandido com os meninos, mas não era o mocinho ou o bandido, gostava de ser o juiz para ordenar o enforcamento — Quantas vezes me senti menino.
Brincava de médica com as meninas, mas não era a doutora ou a paciente, gostava de ser a enfermeira para ajudar a salvar vidas. Até o dia que a Inês, uma garotinha de 6 anos, estava mais doente que brincando, vomitou em seus pés, nesse dia desistiu de salvar vidas — Quantas vezes me senti menina.
Então, dormiu e passaram a experimentar bonecas, carrinhos, tambores, cornetas, soldadinhos de chumbo – perdeu um exército inteiro do pai – saladinhas, sopinhas, o que interessava era o divertimento do seu menino e da sua menina. Adelaide ficou em risco exposta no dia em que seu irmão, mais velho por um ano – nas conferências de aparições telepáticas confessou que gostaria de ter nascido um ano antes do irmão, Isso teria feito muita diferença. – intrometeu-se nas brincadeiras. O chato do irmão é real e azul, ela decidiu que também teria uma cor da paixão: vermelha. Aceitou o jogo daquelas forças supremas. Seria um espinho atravessado no pé daquele guri chato e abelhudo. A felicidade dos colorados frustrava o contentamento do irmão — Adoro! — enquanto o irmão rezava pela infelicidade dos colorados, ela também torcia fervorosamente pela desdita dos gremistas, não queria o pai triste, mas não tinha como suportar o irmão com seus gritos de felicidade — Odeio!
Por essa e outras mais razões, a camiseta azul, presente do Sèzar, está estendida em sua cama. Está sufocada por esta realidade que não é real porque só existe nas aparências — Se eu pudesse mudaria o nome do Brasil para Inter! — respondeu quando à professora do 2º ano perguntou o que ela gostaria de mudar no mundo.
E, no entanto, ali estava com a camisa azul, É bem bonita, sempre lembra que o pai foi gremista, mas aquele ano antes do irmão fez muita diferença.
Olha para o relógio, já quase lhe chega a hora marcada, coisas de nada. Desveste suas roupas e vai para o banho, gosta de caminhar nua. Gozava com sinceridade aquele passeio sem importância até o chuveiro. Sem suas roupas sente-se real, não se distrai com as aparências.
O perfume das águas aliviam suas tensões.
Está pronta, mas falta a camiseta azul. Pensa no pai melancólico com sua escolha pelo colorado, sorriu para ele e vestiu a camiseta gremista. Não se viu no espelho.
O Sèzar estava parado à porta, as mãos nos bolsos da calça, os olhos sorrindo, a boca se abrindo com sua alma — Está pronta?
Ela está pronta.
Os colorados não se lembraram de abraçar os Eucaliptos – ou não quiseram, apenas venderam as memórias – faltou acarinhar o velho estádio colorado, agora não é mais possível mudarem as aparências.
Saem para abraçar o estádio Olímpico, um abraço de despedida e reencontro com as histórias memórias, um último abraço no velho pai.
Ele está lá.
—        Eu fui!

Gremistas ou colorados, todos são alguma coisa que não existe, como um sono morto, quase um desassossego.


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Ensaio 06 - As cabras-cegas, as aparências e a bolsa tiracolo 
Ensaio 08 - Gremistas ou colorados... misturam-se a realidade

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