quinta-feira, 28 de junho de 2012

E você, não entendeu?

MAFALDA

Quino




Te Molesta Mi Amor

Pablo Milanés e Silvio Rodríguez





Te Molesta Mi Amor
 Pablo Milanés - Silvio Rodríguez

¿Te molesta mi amor?
Mi amor de juventud
y mi amor es un arte de virtud
¿Te molesta mi amor?
Mi amor sin antifaz
y mi amor es un arte de paz
¿Te molesta mi amor?
Mi amor de humanidad
y mi amor es un arte en su edad
¿Te molesta mi amor?
Mi amor de surtidor
y mi amor es un arte mayor.

Mi amor es mi prenda encantada
es mi extensa morada
es mi espacio sin fin
mi amor, no precisa frontera
como la primavera
no prefiere jardín.

Mi amor, no es amor de mercado
porque un amor sangrado
no es amor de lucrar
mi amor es todo cuanto tengo
si lo niego o lo vendo
para que respirar...

¿Te molesta mi amor?
Mi amor de juventud
y mi amor es un arte de virtud
¿Te molesta mi amor?
Mi amor sin antifaz
y mi amor es un arte de paz.

¿Te molesta mi amor?
Mi amor de humanidad
y mi amor es un arte en su edad
¿Te molesta mi amor?
Mi amor de surtidor
y mi amor es un arte mayor.

Mi amor no es amor de uno solo
sino alma de todo
lo que urge sanar
mi amor es un amor de abajo
que el devenir me trajo
para hacerlo empinar.

Mi amor, el más enamorado
es el mas olvidado
en su antiguo dolor
mi amor abre pecho a la muerte
y despeña su suerte
por un tiempo mejor
mi amor, este amor aguerrido
es un sol encendido
por quien merece amor...


GRANDE SERTÃO: VEREDAS

João Guimarães Rosa


terça-feira, 26 de junho de 2012

O esfriamento das virilhas

Becos sem saída - Pão amanhecido


 baitasar
Os jovens casadouros dormiram folgados nos confortos do sofá. As núpcias fora feita sob as medidas do sono de cada um. Roncaram ao pleno dos pulmões. As novidades eram antigas. Um com outro se tinham esclarecido em tempos de antes. Virou cada um para o seu lado favorecido e puseram o sono a dormir. Os ruídos saíram pelas bocas e estremeceram pela cobertura de lã.
Daquela noite, restou a memória do sono. Único. Dormido de uma vez só. Sem acordamentos ou resmungos. Compromisso cumprido, os dois estavam legalizados. Como se metiam a salvar tudo com a memória e não faziam uso dos instantâneos dos retratos, ficaram apenas as histórias da Memória. Registração de mãe engravidada. Resmungos da mulher de coração mole, fé e língua afiadas. Vive arrependida das implicâncias com Ogum, mas não consegue poupar o descaso dele com o uso das mãos, desde as núpcias da filha. Os sofrimentos das suas virilhas rejeitadas só fazem crescer o estômago dentro da barriga, os olhos alojam o caos na inteligência. Está desmamada
—        Estou horrível!
Com o estufamento ela fica mais esquiva, emotiva. mais descontrolada. Sente-se só, não tem com quem falar. Ninguém. Sobrevive à mesmice dos dias e noites desviando o pensamento para Obá. Pede ajuda para ir em frente, são dias de comer, devorar e desenvolver. Em outras vezes, estende suas orações de devoção para santa Rita de Cássia, a santa do impossível. Aquela que foi muitas mulheres antes de ser santa. Noiva, casada, mãe e viúva. Mulher tornada santa em vida pelos arrastados. Quer ajuda de conforto, mas não consegue por um fim nas implicâncias com todos. O filho Lamparina também tem sofrido de perto
—        Seu filho de uma quinhenta, corta o cabelo!
—        Mãe, é black power!
—        Não me interessa, parece bicho... ainda apanha do polícia por vagabundo.
—        O que deu na senhora?
—        O que deu em você pra me desobedecer?! — estava presa na incompreensão de todos naquela casa, parecia estar caída em uma profunda tumba, abafada pela solidão do seu precipício mudo, enterrada viva, perdia a glória que se partia esperneando, sem paciência com as palavras que lhe saem, sentiu vontade de um cigarro, assoprar na fumaça sua insatisfação, sua teimosia, a rebeldia de escolher morrer sufocando pelas próprias mãos, se pelo menos fumasse
—        Você que não me invente de perder o ano na escola...
—        Vai dar tudo certo, mãe. — ela acha que vai dar tudo errado.
Ogum tem vivido com medo de incomodar. Está esfalfado. Perde o gosto mais um pouco a cada pouco. Não sabe quem começou o quê. Se o desuso das mãos veio antes da chatice ou se a chateza provocou o descostume das mãos de homem na Memória. Pensa de recorrer com palavras ao Manualdo, mas desiste de apelar ao mais novo. O guri já vai com seus estorvos, além do mais, não sente conforto de falar com o moleque sobre o amolecimento da carne. O esfriamento das virilhas. É coisa que não se confessa. Vai levando.
Muitas vezes, tem medo que a brandura do seu endurecimento não seja um jeito provisório. Não entende mais o que se passa, pois quando se pega pelas mãos o mastro ergue feito ferro como a chamar a ventania. Tem a certeza da própria força. Grita algumas poucas-vergonhas para Memória enquanto se enfia com força, sem parar, sem comentários. Assim, enfiado nas mãos, no silêncio dos pensamentos, tem se encontrado. É o seu macho. O seu dono. Depois que se termina fica apreciando as mãos molhadas — Essas mãos costumavam deliciar sua Maria, agora... estão me fazendo o serviço. O nervosismo não se passa, nem desaparece, vira agitação e ansiedade. Quando chega a hora de dormir, demora mais que de hábito para deitar. Espera pelo sono da Memória. Chega aos pés de bailarina, sem ruídos. Flutua. Deitada de lado, a esposa dorme de olhos arregalados. Finge. Os dois aparentam esquecidos um do outro. Não se enxergam.
Numa outra dessas noites de insônia disfarçada, Memória levantou e ficou mancando de um lado a outro, a barriga estufada e engaiolada. A negra ileié estava amalucada. Foi até os guris pra meter olho de vigilância. Todos bem, menos o moleque Lamparina, ainda se atrevia de cabelo grande. A Maria amalucada agarrou tesoura e se pôs a picotar o cabelo do neguinho atrevido
—        Quero vê se agora não vai cortar...
Na manhã, daquela noite de tesouraços descontrolados, ficou esperando o barulho de revolta do filho. Estava misturada entre a vergonha e o medo. Lamparina saiu do banheiro raspado. Tinha retirado todo e qualquer vestígio de cabelo. Passara gilete. Tomou seu café e saiu com os livros da escola. Não disse nada. A Memória não estava preparada para esse filho sofrendo quieto. O silêncio do guri deixou à negra ileié em agoniação, como algum espírito em perdição de não saber o que fazer. Passou o dia esperando Lamparina. Sabia que devia mais que pedir desculpas. Quando Ogum chegou, lhe contou da sua doidice e nervosismo com o filho. Passou o dia e o menino ainda não voltava. Não sabiam onde procurar. O barulho no portão fez os dois correrem até a portaria. É o Supimpa
—        Boa noite, mãe...
—        Boa noite, meu filho.
O coração estava muito pequenino para fazer funcionar todo o seu corpo. As pernas davam avisos que iriam desmoronar. A barriga dava voltas e minguava, nem água conseguia beber. Continuava possuída de pavor. Tinha medo das respostas para suas perguntas sobre o filho dissipado. Precisava saber. Jura que se ele está com medo da sua raiva, ela não está zangada, quer apenas pedir perdão
—        Mãe...
—        Sim, meu filho. — nunca esteve preparada para o que pensava que iria ouvir, mãe nenhuma se prepara para escutar
—        O Lamparina foi embora.
—        O quê?
—        Ele partiu. — saiu em respiro de alívio e choro. Conforto que o guri tava bem e desespero que ele estava em fuga dela
—        Pra onde?
—        Longe, mamãe... — conteve o barulho do choro, mas as águas estavam transbordando daquele represamento dos olhos. O seu menino partiu e foi ela a empurrar o neguinho para o mundo
—        Qual a mãe que faria isso com seu próprio filho? — choramingava pelos cantos
Isso tudo há de passar. Repete dito popular. O que não há de passar é a hora de levantar para o trabalho. O tempo corre a favor da vida e desfavorece a memória. As águas rolam e passam. O tempo segue sempre diferente a cada vez, jamais pelos mesmos lugares. As claridades de outro dia ainda não se apareceram. Os barulhos do sol estão dormindo.
Manualdo entra em sossego na cozinha da Memória
—        Bom dia.
—        Bom dia. — responde Ogum, que já está sentado em um banco sem encosto. Olhos cansados do pouco sono. O mais novo serve o seu café preto, não usa combinação de leite. Fatia um pedaço de pão e não aproveita mistura no pão amanhecido. Não sente gosto de nada antes do almoço. O café e o pão são apenas ração de munição, própria de soldado para se por em pé, caminhar à frente de combate. Bucha de canhão.
Os dois homens tomam seu café em silêncio. Antes de saírem, guardam dentro da marmita o almoço já preparado para eles: feijão preto, arroz, carne moída com batatas e macarrão. Nem sempre é assim, na vez do macarrão têm bolinhos de arroz e tomates. Mais raro é substituir a carne moída por pedaços de carne assada. Ogum, quando está na pressa, não se dá ao trabalho de aquecer o almoço, engole tudo frio. Manualdo, ao contrário, não abandona a cerimônia de aquecer a marmita e ficar retirado e sozinho. Comer no meio do dia é festa, jamais pode ser feito com desdém.
Maria Memória caminha de lado a lado, parece bicho enjaulado
—        Minha preta, por que levantar tão cedo?
—        Incomoda ficar sozinha na cama.
Ogum pensa em reclamar da solidão preocupada: os dois de costas e olho arregalado. Tem o medo que está sentindo e a saudade de ficar entrando e saindo naquelas carnes graúdas. Sente falta da mistura desordenada na cama. Acabam, ele e ela, lutando sozinhos. Cada um do seu jeito. Abre os olhos, ergue as costas, fixa o olhar e se prepara para explicar das suas vontades insatisfeitas. Desiste. Melhor, não. Agora não é o pior ficar de boca fechada. É mais acertado. Essa coisa de ficarem espalhando os seus sofrimentos, não dá certo. O tal de olho grande existe pra engolir os sonhos dos descuidados e com língua desatada. Olha para as mãos e lhes promete uma chance. Dá um breve beijo em Maria Memória e se vai para o pátio, ele não é apenas a nervadura firme das virilhas, ele é mais que isso, ele é seus dedos e boca, e olhos, e cheiro, e beijos, mas a negra ileié o quer enfiado com dureza
—        Minha preta... lembra os meninos de procurar o capim do Ícaro.
—        Tá bem, Ogum. — responde uma máquina, como alguém que se sente com a alegria desfalecida, desejosa de se reviver, mas não sabe por onde começa. Lembra-se de simpatia para recuperar paixão. Depois que o marido sai, vai até o quarto e procura por uma folha de papel, escreve com um toco de lápis o seu nome e do Ogum. Precisa de 7 pedaços de maria-mole. Claro, que não tem em casa. Substitui por pedaços de gelatina. Embrulha a gelatina no papel com os nomes. Mais tarde, vai deixar tudo num jardim bem bonito, como oferenda para São Cosme São Damião. Junto faz oração aos santos para que o seu Ogum volte para os seus braços. Esquece de perguntar se ela quer recuperar a paixão...
Os dois homens saem antes das cantorias do galo. Seguem a pé. Caminham para o emprego. Manualdo sonha com sua bicicleta, enquanto o ar gelado da madrugada lhes provoca sentidos de frio. Ogum esfregar as mãos como aquecimento. Levam nas cabeças as vontades da Memória e da Cariciosa. Os marmiteiros passam por um sujeito pequeno, que se vai a caminhar todo enrolado em casaco e touca de lã. As mãos vão enfiadas nos bolsos, enquanto leva pendurada uma sacola de lona, balançando ao ritmo de seus passos curtos. Enxergam os olhos e nariz do pequeno
—        Bom dia, seu guarda.
—        Bom dia, rapazes.
—        E o lobisomem?
—        Anda sumido.
O pequeno toma outro rumo e some entre os becos. Manualdo, que ficara o tempo daquela conversa estranha, em silêncio, se rompe em curiosidade
—        Ogum, conta essa história de lobisomem...
—        Pensamento demais na cabeça do pequeno. — o mais velho dá a conversa por encerrada.
Maria Memória, ao mesmo tempo, caminha de lado a lado, põe as mãos nas cadeiras e faz cara de desconforto. Resolve ir para a cama. Mais adiante, leva a oferta aos santos. Deita de lado, fica de costas. Não tem jeito. Não tem maneira. Está em desconforto. Examina as próprias mãos. Estão em fogo. Num jeito de repartir a dor da ausência, passa a direita pelo corpo. Vai deslizando até as coxas. Deixa a esquerda a dar pequenos beliscões em seus bicos. Uma se esfrega, enquanto a outra tenta se entrar, força que as coxas se abram. Curva as pernas quando se sente enfiada e leva a esquerda na boca. Fica se acertando
—        Minha Santa, me perdoa...
Os dois movem pedais imaginários.
Assobiam. E gemem.
Suspiram. E se prometem.
Levam na cabeça jeitos de aliviar a vontade malcontente.

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Leia também: 
11 - Tu mentiu, negão 

13 - Não existe bem que nunca acabe, nem barata em galinheiro

domingo, 24 de junho de 2012

Tu mentiu, negão

Becos sem saída - Núpcias


II
baitasar
Pronto e iluminado para o aborrecimento inconfessável: tomar banho. Sai a andar pelo quarto. Fala com o que pensa para além do remorso, o manso boi, touro já foi
—        Não arrasta os pés, ninguém precisa acordar. — olha para trás, no tempo de ver a Memória acomodada na cama. Aposta que na sua volta, daquele sacrifício de banho com caneco, a mulher já vai estar presa no sono. Vê um dos peitos da mulher espirrar desajeitado para fora da camisa de dormir. Continuam bonitos. Quase não vê a pontinha esticada, mas a vontade o faz ficar com água na boca. Aquela garupa a faz mais linda. Adora o seu jeito de deitar na largura. É uma preta graúda
—        O que tá olhando? — a voz tremeu, ela também estava se preparando
—        A minha preta continua gostosona.
—        Vá logo, tome o seu banho...
A voz da Memória não sai na firmeza que ela gostaria, patinou na garganta. Ogum sabe que atingiu seu alvo de flechamento, a graúda começa a ficar alagadiça de dentro para fora
—        Minha preta, casamento não é loteria. — ela sabe, ela sabe, é um acordo que precisa ser levado com cautela e caldo de galinha, assim nunca faz mal a ninguém
—        Mas precisa de confiar na sorte.
Quando chegou à cozinha o fogo da lenha já virara brasa desfalecida, quase cinza. Calcula quanta lenha e tempo vai precisar para animar o fogo... e a água esquentar no ponto de banheiro. Nem é tão frio. Revisa a contagem negativa da tortura de uma friagem. Decide por acalorar o banho. Enche a panela e coloca tudo sobre a chapa de ferro morna. Joga os tocos de pau na fornalha anestesiada. Espera pelas labaredas, está sentado sobre um mocho muito baixo. No tempo de ficar na tocaia do fogo desveste os chinelos e acomoda um dos pés no colo para cortar as unhas. A penumbra daquele toco de luz disfarçava suas vontades de veludo. Com a tesoura em punho se aproxima para o serviço de poda. Impossível. Desiste nas primeiras tentativas. Vai precisar colocar os pés no molho da água morna. Caminha de um lado a outro. Senta e espera a água ficar com o calor do fogo. Até que levanta para buscar a bacia das águas que se encontra nos primeiros vapores, mistura o quente com o frio, quer o jeito de suportar sem dor. Enfia os pés no caldo amornado e deixa afrouxando as pinças. Uma quentura gostosa lhe sobe pelo corpo, depois que a quentura resfria devolve a água na chaleira que vai para a chapa de ferro desaquecida. Precisa avivar o fogo, procura por mais lenha. Acabaram. Esquece as unhas. Solta um cochicho de palavrão
—        Quem quer fogo busque a lenha, quem quer fogo busque a lenha — resmunga baixinho, mas a vontade é gritar com a força de cada pulmão, sabe que em nada ajuda despertar a casa. Sai no pátio às escuras procurando a lenha, acabaram e esqueceu-se de juntar os paus para o fogo
—        Praga de urubu não mata cavalo. — lembrava-se de ouvir o vizinho rachar lenha, bem cedinho na manhã, o vizinho não fará implicação de birra se ele emprestar uns poucos tocos de galhos secos. Enfia o pescoço por cima da cerca, encara na escuridão a lenha. Decide pela doação. No dia seguinte se explica e repõem os tocos de madeira. Rapidamente planeja o ataque: entrar pelo portão, tudo muito simples. Pegar a lenha e sair em retirada. Enfia o boné e vai para o portão
—        Até aqui, tá fácil. — abre o portão e a sineta bate o sinal de boas vindas — Merda... merda... — olha para os lados, nada. Ergue os olhos, nada.
A lua está escondida. A escuridão é completa. A noite está em silêncio. O beco está surdo. Todos dormem. Até a cachorrada. Um pequeno arrepio de frio. Abre o portão. Sai para o beco, anda alguns passos e escuta uma saudação que lhe parece familiar
—        Boa noite, vizinho. — para congelado e olha para o lado, é o guarda da noite com seu cassetete salvador enfiado na cintura, o nariz recostado no queixo
—        Boa noite, seu guarda...
—        O vizinho vai passear ou é um causo de lobisomem?
—        Insônia... e o amigo vigilante?
—        Ando atrás de denúncias.
—        Denúncias?
—        Isso mesmo... parece que viram um amaldiçoado sem roupa, lá na encruzilhada, rodava no chão da esquerda pra direita, como um homem que virou bicho.
—        Isso parece coisa de mandinga.
—        Pode que sim, pode que não, mas caso eu encontre algum bicho peludo com orelhas compridas e cara de morcego, faço o animalejo desaparecer de pavor. — o vigia de coisa nenhuma continuava parado, esperava por aclaração daquele inesperado
—        Vizinho... essa escuridão carrega muita coisa escondida nas costas.
—        Acontece coisa que ninguém entende.
—        Eu mesmo tenho que fazer cuidado de caminhar, outra noite uma mulher desconhecida ficou a me reclamar na praça.
—        E o senhor?
—        Não fui, podia ser traição... e se me sai da escuridão algum desonesto?
—        Bem que fez...
—        E o amigo por que se vai a caminhar de cuecas? — o baixinho anda na cata da ameaça antes do ribeirinho sair da vila. Chama trabalho de cautela
—        Caminho dormindo.
—        Ah, fala e se levanta durante o sono...
—        Isso.
—        Então, o vizinho tá dormindo?
—        Já acordei.
—        É bom já ter acordado, assim pode voltar pra dentro e não vai preso por desvergonha.
—        Já to indo.
O Ogum volta para sua cozinha resmungando que Deus é bom, o diabo não é mau, mas o guarda da noite é um reduzido de merda em dieta de altura
—        Só vem para estes lados no serviço de caçar preto, esse sujeitinho tem pra si que todo preto é bandido ou lobisomem.
O resmungador procura por velas. O toco de vela queima muito rápido. Vai ficar cego de luz. Sorri amarelo jura que a sorte não havia de abandonar quem não merece ser largado
—        Merda! — mede com as palavras as suas novas possibilidades, o toco de luz queimou todo
—        Otimismo, Ogum... não pode piorar. — suas chances continuam as mesmas no escuro, ainda procura por velas.
Sobe no mocho, até a altura daquela tábua retorcida, o armário da cozinha. Com uma das mãos afasta a cortina de pano xadrez com vermelho e preto, a outra segura o toco de vela apagado. Revira com os olhos os copos, afasta os pratos com a língua, segura com os pés garfos e facas. Encontra duas velas. Acende as duas. Toma um gole da pinga Ferrão na Abelha. Sente a queimação do estômago que se espalha. Está pronto. Enche a bacia de água fria da chaleira e se vai ao quarto de banho. Tira as cuecas. Fica com os chinelos de dedos. Os havaianos de sola pretinha. Pega a caneca cheia d’água e se abstém da própria vontade para se satisfazer na fartura da Maria Memória. Molha-se com nervosismo e fúria. Alagado de água esfriada procura pelo sabão. Esqueceu também a toalha. Treme de frio e raiva. Impede o desalento. Vai até o quarto da cozinha deixando um rastro de água. Volta com o sabão amarelo da louça em uma das mãos, um pano de enxugar pratos na outra. Raspa aquele detergente de barra sobre a cabeça e fica em esfregação até desengordurar o corpo, sentir-se brilhante e polido. Joga-se sob a água da bacia de uma só vez. Mantém a própria agitação escondida, respira profundamente. Agarra-se ao pano dos pratos com exagero e seca as partes. O queixo treme.
Seco e polido, ele sai do quarto de banho. Estende o pano novamente na cozinha. Larga o sabão de volta na bandeja. Recolhe bacia e chaleiras. A cada passo arrastado o chão de madeira estremece, rangendo os pregos fincados na madeira, dentes na carne amaldiçoada. E assim, só de chinelos havaianos e uma vela na mão iluminando seu caminho, volta para Maria Memória
—        Cortou as unhas?
—        Cortei...
Num assopro deixa o quarto nas escuras. Não vai reparar, deitada de lado. Gosta de examinar outras partes
—        Hum...
—        O que foi, minha preta?
—        Cheiro gostoso, meu negão... gostei, perfume novo?
Devagarzinho, as mãos da Memória esquentam o corpo de pau de carga com um fogo diferente da lenha. O toco não é mais de madeira. Parece com o ferrão da abelha. E ele se fica assim, reacendendo a própria chama pelas mãos da Memória. Ela agora espalha o cheiro do amor. Adora seu perfume de mulher desejosa. Vai varrendo as cinzas. A cada gemido do homem, a mulher pedia silêncio e lhe tapava a voz com uma das mãos
—        Sem gritos...
Anjos vinham aos pensamentos de Ogum segredavam
—        Ogum, o paraíso é para os que sofrem.
—        Psiu... — pede silêncio aos anjos
—        O quê, negão?
—        Minha preta graúda... não para...
Maria Memória refresca as lembranças e coloca os olhos no centro daquilo que quer extrair com a boca. Está envolta em baba, mas não é de raiva, a bacia redonda aquece com o bafo do seu negão, um com a cabeça junto aos pés do outro
—        Ai1
—        O que foi, minha preta?
—        Tuas unhas do pé... não cortou!
—        Nem estão tão compridas...
—        Tu mentiu, negão.
—        Amorzinho, eu dou um jeito nas unhas depois.
—        Perdi a vontade.
—        Minha preta, não faz assim... não fica de birra.

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Leia também: 
10 - Pega essa vela, negão 

12 - O esfriamento das virilhas

sábado, 23 de junho de 2012

Pega essa vela, negão

Becos sem saída - Núpcias
I
baitsar
Um mau presságio para o casório da Maria Cariciosa, os ventos espalhavam o que a boca das fofocas cochicha: a macaca daquele afogamento até os joelhos vai trazer desgraça
—        Acidentes acontecem... — dizia a mãe, depois do tempo passado. Repetia sempre a mesma coisa, as lembranças encharcadas daquela noite se vinham em bocas desavisadas. A leoa devorava com os olhos as carcaças cuvilheiras metidas na besta. Cuidava de desandar o mau agouro, nem queria qualquer insinuação ao casamento da filha feito com a autoridade do mar depois do arredondamento da barriga
—        Antes tarde do que mais tarde.
E não consentia alusão de desprestigiamento ao seu consórcio com Ogum, na mesma cerimônia de casada. Desde a noite do banho no lago dos pedalinhos chama Ogum de marido e ele a pede como sua esposa. Estavam abençoados pela água. Casados até que a morte os separe. Não reparou nenhum resfriamento nos pedidos do negrão. Ela tem se resguardado, acredita que coisa oferecida demais perde o valor e a perseguição fica enjoadiça. Um pouquinho de fome dá mais sabor ao tempero.
Aquele banho-de-igreja da Maria Cariciosa e do Manualdo, firmado pelo Capitão-boca-mole, não teve mais formalidades que a presença das testemunhas da família e dos vagamundos que se banhavam com sabão no lago. Tudo jurado antes do afundamento dos joelhos na água de chafariz. E todos fugindo do guarda noturno. Indivíduo dos mais pequenos e com nariz dos mais grandes. Seus cuidados de vigilância não se atentam aos que se chegam à vila Boa Esperança, mas seus olhos perseguem em atenção os que saem da vila. São olhares de cálculos em importância e perigo. Um dos seus serviços é caminhar por dentro da aldeia de tábuas pobres e telhado de zinco. Andar nos becos. Vez que outra, põe a correr alguma alma penada perambulando pelo pardieiro
—        Obrigado, seu guarda. — quando recebe algum agradecimento dos vileiros faz questão de dizer que está em ofício preventivo e a serviço dos endinheirados
—        Emprego preservativo. — avalia os perigos que podem sair dos becos para as ruas depois da praça. Sua missão é impedir que as ameaças vindas da Boa Esperança chegassem pra lá, nas casas com carros na garagem dos Jardins Suspensos do Lago. Nesta guerra é o cabeça-de-praia. Presume os riscos que correm aquelas gentes das casas grandes e garante embarque e desembarque dos endinheirados. Olhar atento e faro apurado lhe deixa medir pela ponta do nariz a circunstância gravosa. Conhece pelo cheiro.
O guarda da noite puxava dedo de prosa com Maria Memória e saia em ataque
—        A dureza na vila são os marginais. — repetia sempre a mesma condenação. Queria lhe convencer da sua verdade. Maria Memória devolvia sem muito incomodo a presunção do porta-voz dos cremosos
—        Homem pequeno... muitas mentiras inventam uma verdade. — o acanhado de tamanho e atrevido de conversa respondia
—        A vila exige demais da gente do bem.
Naquela noite de núpcias e afogamentos dos joelhos, foi ele que estendeu o cassetete que a Maria Memória agarrou com unhas dentes, enquanto com a outra mão mirava o nariz do baixinho. E ficou assim, pendurada pelo nariz e pelo porrete até desatolar do lago. Depois do ocorrido superado, Maria Memória planeja uma pequena casinha para sua filha casada e com barriga de ninhada
—        Até marimbondo tem casa. — por esses tempos de arrumação das manias, duas pecinhas de acomodamento já seriam suficientes. Afinal, a jovem parelha de noivos só tem carência da pecinha do acasalamento, necessidades de vergonha já conhecidas um do outro, e a cozinha para matar as obrigações de comilância. O apego das conversas podia acontecer na casa da frente. As necessidades do aparelho sanitário seriam acudidas pela casa de banho do casarão. Lugar dos maiores investimentos em acomodação.
Ladrilhos vidrados com desenhos em relevo variados cobrem as paredes. A desigualdade da cor das esmeraldas proporciona um brilho intenso e cambiante. Mostra o trabalho de todos em ajuntar os restos das obras construtoras dos arredores da vila. O vaso curativo, na tonalidade rosa desmerecida e reflexos amarelados, lembra flores enfraquecidas pelo descaso. Murchas na falta de água. A pia auriverde dá ao piso cinza chumbo um aspecto nacionalista. Enquanto a baia do banho se mantém separada por uma cortina plástica, com reflexos azulados na cor verde-água. A família tem o maior orgulho de emprestar suas acomodações aos visitantes. Nenhuma visita se vai sem fazer algum descarrego pelo quarto do banho. Lugar de orgulho e júbilo. Uso de todos. A alma da casa e o cartão das visitas.
A Maria Memória é fábrica pontual da comida em família, tem ambição de transmitir à filha suas heranças culinárias. Marido bom fica se o estômago está bem tratado. Mas tem tempo, espera pelas necessidades e vontades da guria, decide que vai comer o mingau pelas beiradas, a sua menina precisa de jeito no convecimento
—        Minha filha, precisa ir acostumando no preparo da comida.
—        Mamã, eu quero trabalhar, não quero serviço de casa.
—        Bobagem, é obrigação e orgulho ser dona da casa. — o mundo dessas humanada só faz volta para trás com a mulherada, a guria que fosse acalmando a birra, esposa boa é aquela que fica no domingo assistindo televisão sozinha
—        Menina, eles gostam de jogar bolicho e beber umas cervejinhas. — a mais velha dá de ombros, as coisas se alteram, mas tudo haveria de se ajeitar. Ela sabe que aos poucos é que as tetas se enchem e que muito mais rápido podem esvaziar. Precisa de cuidado e não secar pelo bico o leite da criança, ficar a teta sem precisão de uso. Essa atenção de cautela é a mesma que leva a panela no fogão. Filho que chora a fome precisa ser curado. A comida, isso é que importa. Cara de fome não é a mesma cara da barriga cheia
—        Tudo na sua hora de nascer e de finar-se.
Passa a mão sobre a sua barriga redonda e pensa que não tem motivo de susto. Nada lhe vinha com novidade. Adivinha o tempo chegando, sabe que vai fazer uso da comadre Socorro. Com ela sempre foi assim, na hora dos apertos, gritava pela Socorro. A sua garotinha veio nas mãos da Socorro, negra das mais competentes no serviço de dar à luz aos curumins
—        Não cansam de dizer que a Socorro tem mãos de santa. — fala arrependida do assunto, aparta para longe os pensamentos de nascimento, sua menina não precisa ter preocupação de nascimento tão antes, será tudo na sua hora. Por agora, as urgências são outras. Não têm onde ter casa. Na pressa do casório, o preparativo do acasalamento se resumiu em acomodar os curumins guris no quarto, o jovem casal no sofá da sala. O Lamparina na cozinha, esticado no chão. Por sorte, o soldado Supimpa foi para o quartel, outro chamado de prontidão. Esses milicos vivem de alvoroço e quebradeira. Lá se foi o guri.
Sexta-feira com a lua redonda em brancura, até no galinheiro a farra estava grande. Todos carregados de entusiasmo e perturbação. Os olhos do Ogum assanhados. Tinha molhado o bico na cachaça. Coisa pouca, mas por precaução Memória deu aos guris chá de camomila, aquietados no chão ao lado do sofá-cama
—        Tomem tudo.  — dormiram um com a cabeça junto aos pés do outro. Espera sua vez de reviver algum amoquecar adoidado.
Está preocupada com as próprias memórias de bagunça. Lembra e não lembra as primeiras intimidades de casal casado com o Virgílio, depois o ajuntamento de necessidade com o Ogum. Cada um com benefício e desbotamento. Nada nunca é perfeito, nem para sempre. A única coisa que conta é o amor sem regras de certo e errado, esse louco quando chega provoca refregas de cegueira e ardência nas carnes... até que o acomodamento sossega as urgências.Um facho de labareda levou um desconforto calorento perna acima da Memória. Desconfia que o Ogum também se animou mais que o normal. Pareceu ver aquela cabeça de quepe lavando as mãos com todo o cuidado de uso embaixo das unhas. Um sorriso de tarado nos lábios carnudos. Fez cortadura e lixamento dos aferramentos das mãos, um ferramental com dedos de empilhadeira, fortes e longos. A saliência já é visível. O entusiasmo foi avivando na Memória muitas estações de quentura e derramamento.
Maria lembra precisão de cortadura das unhas dos pés imensos. Tudo é imenso nesse homem. Parecem pés de caranguejo. Respira profundamente. Descansa mais seguidamente entre uma tarefa e outra. A concentração no respiro se torna mais necessária. Está em pé com as mãos na cintura, percorre o dormitório iluminado pela chama da vela de cera. Todos no beco estão nas escuras.
Na certeza, ficam alguns dias sem acender as lâmpadas e esquentar o banho. Economia de energia de luz, mais gasto com lenha. E a descolorida apagada. Todos já fizeram uso da água esquentada na lenha. Falta Ogum. Mais lenha vai queimar. O preço do toco de madeira está subindo. É assim mesmo, quando muitos querem a mesma coisa, pagam mais a frente do valor. Mais árvore de eucalipto vai ser desenraizada.
Memória olha para os cinco e já dormem no sono solto das alucinações e fingimentos. Na iluminura da vela a soneira se vem mais forte. E os mosquitos também
—        Pragas do demônio... — aproxima a vela dos meninos e já estão sendo picados. Passa a esmagar com tapas. Tem as mãos vermelhas do sangue dos filhos. Passa a mão embaixo da cama e retira a bomba de flit. Com rápidas bombadas do detefon vai derrotando os pequenos vampiros. Outra inspeção. Desta vez, os fincudos se foram. Depois de acabar com a chupança nos guris, Maria Memória se aproximou do boné de ferroviário
—        Negão, vai dormir de boné?
—        Esqueci, minha preta, esqueci... guarda pra mim.
—        E o banho? — resmunga que já tomou
—        Vai lavar só a mão?
—        Tá frio.
—        Vai vai, vai logo, não esquece de cortar as unhas do pé.
—        Não tem precisão... — a olhada da Maria Memória o atira com força pela penumbra incompleta do quarto, derrama sua preguiça como o leite fervido ao descuido
—        Merda, o boi é que sofre, mas o carro é que geme. — engole a moleza em seco. Está em pé, na cata os chinelos
—        Pega essa vela, negão.

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Leia também: 
09 - Comunistas desgraçados!

11 - Tu mentiu, negão

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Eu quero aprender


Cachecol 
II
baitasar
Sèzar está me testando com o ponto gaitinha, dois pela frente, dois por trás. E parece que vai mudar a lã, mais colorida, mais crespa. Já está conseguindo tricotar e olhar para fora do meu tricô. Isso é bom, as mãos e os olhos juntos, procurando outros caminhos. Nem sempre foi assim, nem sempre é bom que seja assim.
Sem nenhuma dúvida respondeu que não queria aprender a tricotar, não queria dizer que já sabia, tricotava uma carreira por dia
—        Isso é coisa de menina...
—        Tricotar não é coisa de menina, jogar bola não é coisa de menino. — respondeu-lhe olhando direto nos olhos. E como eram lindas aquelas duas agulhas de tricô enfiadas entre minhas linhas
—        Nunca vi guri sentado tricotando, nem guria jogando bola. — a menina e a quieta companhia do seu tricô não pareciam interessadas em seus argumentos naturalistas, é natural o menino jogar bola e brincar de atiradeira, é maternal a menina tricotar e brincar de boneca, sempre foi assim; ela empurrou os ombros para cima e os deixou cair, resignada.
Sêzar não dormiu, vigiava os dedos que lhe roubavam o sono dos olhos, queriam tricotar mais carreiras por dia, não queriam esconderijos. Escutava as vozes que expulsavam o silêncio dos ouvidos, esbugalhavam seus olhos e descosturavam sua boca, para oferecer à escuridão o mais pavoroso dos gritos. O grito do silêncio completo. Calado. A colega que o deixava copiar ganhou importância de menina. Mas não tem como desatar a sombra de si mesmo, assustado com a tosse, o chiado, o aperto no peito, a charada para respirar e o convite para tricotar. Queria fugir, mas não tinha nenhum plano. Escapar por escapar.
Sêzar dava-se aos fantasmas. Mudo. Debatia-se de um lado ao outro e o suor do seu corpo banhava o catre de todos os seus medos. A puxação do ar o deixava exausto. Os seus sonhos não caminhavam despreocupados, tinham os braços retesados, balançavam firmes ao lado do corpo. Músculos frágeis para serem exibidos.
Sêzar não tem medo de morrer. Outras vezes tem. A velha senhora sentou tantas vezes em seu leito, esgotada, uma moribunda cansada e aborrecida dos próprios horrores, a mão na testa do guri: o ar entra e a barriga enche, o ar sai e a barriga desce.
Sou as suas memórias do vivido. Ele não se oferecia à vida, não vivia além de ficar escondido chutando bolas. Aquele jogo frágil era o esconderijo, lá dentro ele podia mais do que fazia. O seu mundo de fantasias.
No quarto há uma cama, sobre a cama um homem e sobre o homem um menino com medo. Assustado com os ventos e a vizinhança das almas de um outro mundo, também impossível. Parece que nada lhe será possível. Encolhido na escuridão respira boca abaixo. Com o peito inchado como uma pomba procura o ar que não pode ver, mas que está na sua volta. Sente os respingos que chegam aos pulmões doloridos. Reza pelo milagre de respirar por todas as frestas do seu cadáver de menino.
O menino engolido pela aragem gasosa, comprimido ao ar livre, não tinha aparência nem voz e não dormia. Acreditava que dormindo a brisa lhe passava despercebida e o amanhã lhe viria sem atropelos. Preferia não ver o tempo se arrastando, resignado na vigilância agitada, recostado à cabeceira com cinco travesseiros enquanto anos, dias e horas rolavam de um lado para outro, boca abaixo, aos trancos e barrancos. O puxamento do ar. A permanência da dor não muda apenas o humor, derrete a sua personalidade. Uma carreira por dia, um dia a cada vez.
Naquela cama tinha um menino e sobre o menino corria um rio teimoso que dormia em movimento. Suas águas escuras repousavam represadas, até que a estrela-d’alva anunciava a nova oportunidade às margens da via láctea leitosa. E para Sêzar um novo dia nascia velho e invisível. Quieto num canto, cheio de travessuras. E só quando as águas do rio transbordavam da represa corriam por riachos e rios até o mar, cumpriam o destino de se transportarem aos oceanos. Da guimba para o maior que retornava ao menor, como chuvas nas suas nascentes. Tinha lágrimas para nascer como um nascente.
Naquela cama tem um homem que conhece cada uma das estrelas do rio lácteo. E sobre aquele rio tem um barco que não dorme. Não quer que o tempo lhe passe despercebido, por isso navega rio abaixo e acima. Tem medo dos lugares com passagem e entrada por terra, não gosta das cavernas.
Naquela cama vazia tinha um menino que ainda não sabe se acordou, mas vai de um lugar para outro, enquanto a escola o espera. A menina do tricô era uma esperança. Os medos seriam guardados em pequenas caixinhas. Precisava manter o controle. Repetia, repetia e repetia, olhando para o pequeno espelho
—        Este ano me promete.
Mas as promessas do ano não passam de desejos que se copiam, enquanto nada de novo acontece. As espinhas, as pernas finas e a brancura da pele que o torturam não são de verdade. Nem os travesseiros são de verdade, apenas a menina é de verdade. Tudo apontava para um grande fracasso, mas até o fracasso seria melhor que a transparência da indiferença de toda e qualquer coisa que o cortejo mortuário de olhares com silêncios. Sêzar ouve os pensamentos ou pelo menos acha que ouve
—        Coitado...
—        Deus me livre ficar com um aleijado assim!
Analisa com atenção e minúcia as leis da natureza em seu corpo. Examina a testa, as bochechas magras, o pescoço, os ombros. Jamais se vê sorrindo de verdade. Os risos do menino são inventados. Treinados à exaustão. Tudo falso, até mesmo o ar que engole boca abaixo, uma carreira por dia, um sorriso por dia, tudo contadinho
—        Quero ser outra pessoa?
Ele quer!
Coloca o creme na escova e massageia os dentes bem do jeitinho que mamãe ensinou: com os dentes de cima move a escova para baixo e com os de baixo move para cima. Várias vezes para cada um deles
—        Sêzar, meu filho, tenha paciência, os dentes são para sempre. Algum dia, você ainda vai me agradecer.
—        Obrigado, mamãe. — ele agradece, desde já.
Sêzar está ansioso, por isso chegou tão cedo. Quase não conseguiu engolir o café. Queria abreviar o tempo e a distância do caminho, engolir as pedras das ruas com seus passos acelerados e olhos espetados. Ansiava iniciar com as boas-vindas à garota do tricô. Dispensaria a carona da mamãe, já era um homem
—        Mãe, sem essa. Não precisa me levar.
—        Mas, meu filho...
—        Mãe, eu não quero.
Chegou de carro com a abertura do portão do colégio. A mãe motorista levou um tempo até acreditar que nem tudo que chiava era asma. Ela montou para Sêzar um plano de atitudes com a escola. Uma crise é uma crise, todos precisavam estar preparados: confiar na medicação, seguir a orientação médica e chamar dona Áurea. Sempre em estado de alerta. Sempre no nível quatro, mas pronta para subir ao nível cinco.
Ele foi o primeiro a chegar.
Passou pelo portão de ferro e borboletas o seguiram. Finalmente, conseguiu sorrir. Um sorriso pequeno, uma gargalhada descontrolada para Sêzar. Foi para sua aresta ao lado do santuário da Imaculada Senhora. Dali observava reservadamente o ir e vir naquela praça de cimento e ferro. Tinham um acordo, pelo menos esse era o entendimento de Sêzar, eles o deixavam bisbilhotar e fingiam que ele não existia. Não tinha prestígio de influência. Era um nada e só lhe prescreviam pensamentos de cuidados e prejuízo
—        Hoje, não vou jogar bola.
Ninguém o convida para jogar. Sonhava em ser um zagueiro destruidor, daqueles que 'passa a bola, mas o jogador fica'. Nunca jogou.
Olha as paredes, as árvores, os bancos de cimento, os caminhos de pedra e o jardim das freiras. O tempo invade de ansiedade. Logo atrás, vem o burburinho. Formigas cortadeiras, jardineiras, trabalhadoras, guardas, vigilantes, saúvas, medíocres. Vejo baratas. Os espaços se preenchem desordenados. Como diria o coordenador do pátio e dos corredores, tudo preenchido com indisciplina. É o jeito revolucionário da ternura. O disciplinador quer tudo certinho para manter o controle. Os jovens não querem ser controlados, querem transformar o mundo com a ternura e a rebeldia. Virar de cabeça para baixo, fazer de um jeito diferente dos pais. Mas como os pais, eles são os seus pais.
Chegavam caminhando e ficavam esparramados pelo pátio.
As vozes se elevam de todos os cantos e santos
—        E aí, parceiro...
—        Vamos esmagar os vermes!
As tribos se formam de antigas amizades. Os alunos com seus abrigos marinho ou azul e camiseta branca. As gurias com saia marinha ou azul e blusa branca. Nos dias de frio, usam blusão vermelho. Um dos disciplinadores fica no portão, confere o uniforme e os recados dos pais. Chegam pelo portão até o pátio interno, acomodados em prateleiras... esperam um bom prato e digestão fácil.
Sèzar se aproxima da menina do tricô
—        Eu quero aprender... — sorri o riso do coração.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Minha culpa

Florbela Espanca






Minha culpa

Sei la’! Sei la’! Eu sei la’ bem
Quem sou? Um fogo-fatuo, uma miragem…
Sou um reflexo… um canto de paisagem
Ou apenas cenario! Um vaivem

Como a sorte: hoje aqui, depois alem!
Sei la’ quem sou? Sei la’! Sou a roupagem
De um doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei la’ quem!…

Sou um verme que um dia quis ser astro…
Uma estatua truncada de alabastro..
Uma chaga sangrenta do Senhor…

Sei la’ quem sou?! Sei la’! Cumprindo os fados,
Num mundo de maldades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador…


Para quê?!

Tudo é vaidade neste mundo vão…
Tudo é tristeza; tudo é pó, é nada!
E mal desponta em nós a madrugada,
Vem logo a noite encher o coração!

Até o amor nos mente, essa canção
Que nosso peito ri `a gargalhada,
Flor que é nascida e logo desfolhada,
Pétalas que se pisam pelo chão!…

Beijos d´amor? Pra quê?!… Tristes vaidades!
Sonhos que logo são realidades,
Que nos deixam a alma como morta!

Só acredita neles quem é louca!
Beijos d´amor que vão de boca em boca,
Como pobres que vão de porta em porta!…


Sem remédio

Aqueles que me têm muito amor
Não sabem o que sinto e o que sou...
Não sabem que passou, um dia, a Dor
À minha porta e, nesse dia, entrou.

E é desde então que eu sinto este pavor,
Este frio que anda em mim, e que gelou
O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!

Sinto os passos de Dor, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é demência!
Que é já vontade doida de gritar!

E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,
A mesma angústia funda, sem remédio,
Andando atrás de mim, sem me largar!


Ser poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

terça-feira, 19 de junho de 2012

El Afilador

Ricardo Vilca






Ricardo Vilca (5 de noviembre de 1953 - 19 de junio de 2007) fue un compositor, músico y maestro rural jujeño.
Originario de Humahuaca, grabó varios discos dentro del conjunto "Ricardo Vilca y sus Amigos" (ver discografía).
El artista, nacido en Humahuaca el 5 de noviembre de 1953,1 recibió en 1983 un premio de la Unesco por su contribución cultural a la Quebrada, fue durante más de 16 años docente en escuelas rurales y siempre resaltó que obtuvo en esa experiencia la materia prima que inspiró su obra musical. También fue profesor de Taller de Producción en la Escuela Superior de Música de Tilcara y se transformó en uno de los grandes animadores del rescate cultural y artístico de su zona.
Hijo de Fidel Vilca, pero criado por sus abuelos; en su adolescencia, el músico fue resaltando por su habilidad para la guitarra eléctrica. Sus primeros pasos en la música los dio al frente de un grupo de rock y de cumbias.
En los últimos años, Vilca se destacó como compositor de música para películas, realizando la banda sonora de largometrajes como Una estrella y dos cafés, de Alberto LecchiRío arriba, de Ulises de la Orden; y El destino, deMiguel Pereyra.
Aunque siempre fue muy reconocido en su zona, en los últimos años su popularidad se extendió al resto de Argentina, al menos, sobre todo después de que entre otras cosas, grabó "Guanuqueando" junto al grupo de rock argentino Divididos (editado en el disco Vengo del Placard de Otro de dicha banda). León Gieco le puso letra a uno de sus temas ("Plegaria de Sikus y Campanas"). También hizo varias presentaciones en el teatro Ateneo de la ciudad de Buenos Aires, que incluso quedaron registradas en un disco.
Minutos después de las 11 del día 19 de Junio del 2007 en el sanatorio Lavalle en la provincia de Jujuy, falleció el maestro, músico y compositor. Sólo tenía 53 años.
Con motivo de su muerte, el municipio de Humahuaca declaró tres días de duelo con la bandera a media asta e invitó a un cese de actividades en el sector privado para despedir los restos mortales del músico, cuyo cuerpo fue enterrado en el cementerio de Humahuaca.

Entender é Limitado

Clarice Lispector









Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.

Pergunta interessante...

MAFALDA

Quino





segunda-feira, 18 de junho de 2012

Sol Loiro

Armandinho






Sol Loiro
Armandinho


Te sinto tão longe, longe, longe, longe, mas te quero perto
Eu sei que tem coisas que eu faço que você não acha certo
Te sinto tão longe, longe, longe, longe, mas vou ser honesto
Prometo ser correto, pois eu sei que com você o papo é reto.

Amor da minha vida, minha conquista, você é uma ilha, você é uma ilha.
Onde as ondas quebram perto, desse mar azul eterno
Teu sol loiro me ilumina, você é minha mina.

Te sinto tão longe, longe, longe, longe, mas te quero perto
Eu sei que tem coisas que eu faço que você não acha certo
Te sinto tão longe, longe, longe, longe, mas vou ser honesto
Prometo ser correto pois eu sei que com você o papo é reto.

Meu sol loiro positivo amor,
Ao teu lado eu posso ser quem sou.
Eu sei bem fui eu quem vacilou
Reconheço e agora aqui estou ...

Amor da minha vida, minha conquista, você é uma ilha, você é uma ilha.
Onde as ondas quebram perto, desse mar azul eterno
Teu sol loiro me ilumina, você é minha mina.

Te sinto tão longe, longe, longe, longe, mas te quero perto
Eu sei que tem coisas que eu faço que você não acha certo
Te sinto tão longe, longe, longe, longe, mas vou ser honesto
Prometo ser correto pois eu sei que com você o papo é reto.

domingo, 17 de junho de 2012

Kichute

Cachecol 
I
Quer Aprender, Sèzar?
baitasar



Comecei a ser tricotado antes do Sèzar nascer, antes da Áurea e do João se conhecerem. A mãe do Sèzar é uma mulher determinada, não deixa nada para depois, uma moçoila casadoura, flutuava com o seu sonho de ser mãe, antes mesmo de conhecer os fluidos e o gozo masculino
—        Quero ter um filho, mamãe.
Para lembrar-se que viera ao mundo para ser mãe de um menino, escolheu o nome do filho antes de conhecer o nome do pai do filho
—        O meu filho vai se chamar Sèzar.
E começou um cachecol para o filho que não tinha previsão para nascer. Todo dia uma carreira, no início tentou usar o mesmo ponto de tricô
— Minha filha, um dia nunca é igual ao outro.
Tomou como conselho o que sua mãe lhe disse e deixou de se preocupar em repetir os pontos da carreira anterior. Cada dia uma carreira com pontos de tricô que não repetia e inventava. Cada dia uma carreira, um dia de cada vez.
Quando o menino já tinha força e habilidade com as agulhas do tricô, começou ensinando o filho o ponto do tricô. O cachecol era dele, justo que manuseie no seu gosto.
Pela frente, por trás, pela frente, por trás, até terminar a carreira. No dia seguinte, troca de mão as agulhas e retorna com a mesma paciência, pela frente por trás, com a mesma disposição, pela frente por trás. Normalmente, se é que existe uma normalidade normal, tem mantido o meu tricô crescendo. Sou o cachecol do Sèzar.
São cinco horas da manhã. Não dormiu, quis e não conseguiu, desistiu do sono que não queria, não iria insistir. Mais um dia de provas na escola e não sabia as fórmulas. Levantou e foi à cozinha, tinha o vazio do corpo adormecido pelo descaso do sono. O aroma daquele cafezinho fez minha memória viajar no tempo do Sèzar, na mesma cozinha, coando o café em coador de pano, a água quente fumegando na chaleira e, ao longe, vó Jueci cantarolando
—        Haiti, Haiti, Haiti, está fazendo na cozinha, está cheirando aqui. — foi por essa época que os cheiros começaram a fincar raízes em minha memória.
Perdeu o sono porque não lembrava nenhuma fórmula matemática. A professora mandava revisar todos os exercícios. Sèzar espichava o olho e copiava da menina do lado. Depois chamava a professora. Tudo estava certinho. Ela abria um sorriso enfeitado
—        Muito bem, Sèzar!
Uma justa recompensa depois do seu esforço em não ser notado copiando as tarefas da menina sentada ao lado. Não copiava por mal, apenas gostava mais do perfume da professora quando ela estava satisfeita. A colega não tinha importância como menina, a professora não tinha importância como mulher, mas ele não queria decepcionar nenhuma delas. Copiava de uma e mentia à outra. Falsificava-se para as duas, mas não enganava a si mesmo, não gostava da matemática.
Tricotava o cachecol que está por terminar um dia. Não tenho pressa e sinto que ele não tem ligeireza. Uma carreira por dia.
O aromado café me devolve à cozinha. Está pronto. Serve na xícara, uma colherinha de açúcar, mexe e toma um pequeno gole, delicioso. Pega uma broa de milho com uma gota de goiabada, deliciosa. Outro gole de café e os dois sabores se misturam, deliciosos. Pega o tricô e faz mais carreira, pela frente por trás, pela frente por trás. Toma o último gole. Volta à cozinha e serve do mesmo café, está delicioso. Guarda o tricô.
Fico guardado dentro da sacola das lãs e agulhas. Vou sendo tricotado e vigiado, uma carreira por dia. Quando Sèzar quer lembrar das lembranças de si mesmo, olha para minha obra inacabada. Examina as variedades dos pontos em cruz, gaitinha, o colorido das lãs, sou os apontamentos da sua vida. Definitivamente, não sou um cachecol como outros cachecóis. Sou o seu cachecol, o cachecol da sua vida.
Antes de Sèzar aprender a tricotar sem parar, até cansar, jogava bola com os outros garotos, não tinha as artes e artimanhas virtuosas de dominar um jogo de bola com os pés, nem tamanho e cara de zagueiro, mas tinha asma, tão importante como fazer golos ou evitar os golos dos garotos do outro time era respirar. Era escalado para impedir os garotos do outro time. O problema era a asma, flutuava acima dos campos de terra e capim ralo. O chiado não queria ser um jogador de bola com os pés, queria respirar e ver a professora feliz.
Foi quando a menina do lado amparou e iluminou o seu sorriso, ele que não sorria para ninguém. Copiava da menina do lado. Não era trapaça do seu jeito de ver, estudava duas vezes; primeiro sozinho e sem entender nada, depois quando copiava as respostas da sua quieta companhia e entendia tudo, era tão simples. Tudo é simples, complicado era pedir ajuda.
Durante o recreio na escola, aquele entretempo que permite às crianças serem crianças, os garotos iam para sua metade do pátio, jogar futebol, com alguma coisa que chamavam de bola, mas que nem sempre era redonda, fofa e macia. Pano, papelão, meia ou tampinhas, qualquer coisa que pudesse ser usada para levar uns chutes. Por isso, todos do time usavam tênis kichute preto com meias pretas, prontos para qualquer aventura.
As gurias ficavam na outra metade, pulando corda, amarelinha, brincando de roda.
Num daqueles dias nublados e mornos de outono, Sèzar não quis jogar, seu kichute sujou de barro. Seu tênis ficou em casa secando. Foi à escola com o sapato dos passeios na casa da avó Jueci. Não conheci nenhum garoto que conseguisse evitar uma poça d’água, sem passar por dentro, espalhando lama sem conta, por tudo.
Enfiou os pés nos sapatos de passear e saiu para o colégio, muito bem recomendado: evitar poças d’água e bolas de qualquer espécie ou não iria visitar a avó. Ele queria mostrar-se à avó.
No recreio, ficou perambulando na outra metade do pátio, entre as meninas pulando e brincando. Outros meninos brincavam junto. Ficou surpreso, achava que todos os garotos jogavam bola ou ficavam na volta do campo gritando palavradas, torcendo contra ou por eles. O recreio não era apenas jogar bola.
Lá estava ela, Sueli, sentada num dos bancos à sombra do cinamomo, com suas bolinhas verdes e amarelas. Uma árvore com as cores da nossa bandeira, as cores branco e azul dos nossos uniformes descansavam na sua sombra, sossegavam na grama.
Ela estava tricotando. Os sapatos do Sèzar visitar sua avó tinham vontade própria, o levaram até aquela sombra e pararam — Enfrente a garota tricoteira — um zunzunzum que tentava empurrá-lo, continuava mudo, até que ela veio em seu socorro
—        Quer aprender? — não lhe disse mais nada, nem resmungou qualquer coisa, a presença do menino não era inconveniente, parecia querer dizer que estava disposta a lhe ensinar a tricotar, também. Tinha um sorriso nos lábios que vinha do coração. Convidava Sèzar para copiar o seu jeito de tricotar.
São tolos desde pequenos, não importa o kichute ou o sapato que usam.