sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Dia dos Pais


Acordada cedo

baitasar

Domingo.
Levanto cedo para tomar chimarrão. Gosto dos goles de chimarrão cedinho do dia ou nos acabamentos do entardecer. Hábitos de gosto.
O frio congela meus pés. Enfio meias para aquecer. Volto a sentir os dedos e caminho em silêncio até a cozinha. Coloco água na chaleira e acendo o fogo. Apenas um click... tantas coisas mudaram desde que descobri o fogo. Eu é que não mudei em quase nada. Mas enfim, a escuridão da noite é rasgada em frangalhos pelas claridades do dia. A água continua  aquecendo no fogo intrépido. Aproveito para pegar o ferramental do chimarrão.
A chaleira começa cantoria de fervura. A água está pronta. A cuia com a erva-mate, a água calorosa, a bomba. Sinto a algazarra dos pampas me descendo pelo gargalo estreito do pescoço: quente e amargo.
Fecho os olhos e imagino velhos e moços, agachados à volta da fogueira, convidando os espíritos antigos para um dedo de prosa; escuto velhas e moças rezando para aliviar as dificuldades da vida nos pampas: guerras, ventanias, solidão
—           Bom dia, pai... — abro os olhos desprevenidos da surpresa, tomo um gole do mate e respondo — Bom dia, minha filha!
Fica parada, em pé, me olha com um sorriso num cantinho dos seus lábios. Continua com os olhos em mim. É linda. Cresceu tão rápido. Peço para os mais velhos a protegerem das víboras venenosas. Eles cantavam e sorriam festejando a vida na poeira cósmica dos espíritos, sabem que os moinhos da roda d’água não param. O fubá grosso e o mimoso seguem sendo apertados. A canjica e a pamonha morna são fermentadas no fogo enquanto consumimos a matéria do corpo. A vida é a vida que precisa ser enfrentada junto com um saboroso licor.
O encantamento dos sonhos de um pai não enfraquece a verdade do cotidiano, nem desmerece o duro esforço de sobreviver, mas basta estar por perto... amoroso, atento, ouvindo suas vozes e enxergando seus sorrisos, amparando suas lágrimas, forte como um rochedo enquanto as ondas batem, batem, batem e recuam, recuam, recuam
—           Tão cedo acordada... — Quero conversar com o senhor. — ela senta num banco de madeira na cozinha, me oferece outro banco. As histórias e a poesia flutuam no espaço invisível entre as coisas, entre o pai e a filha. Os mistérios da vida de cada um se juntam com os pedaços da vida que podem ser contados, até que deixamos de ver uns aos outros, desinventados da própria vida
—           Pai... eu preciso dizer uma coisa.
—           Estou ouvindo, minha filha. — então é isso, vou ser avô. Os fantasmas do pai. Aprumo as costas do meu corpo desfigurado de mocidade. Devia ter feito o pedido para que não tivesse filhos tão cedo — Minha filha, espera o pai morrer, quero voltar como teu filho. — o pai que nasce da filha, devia ter pedido
—           Pai... eu te amo. — ganho um abraço quente e doce — Queria ser a primeira te abraçando, feliz dia dos Pais.
—           Quer um chimarrão?
—           Quero...

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