Ensaio
baitasar
Alisava
com o polegar e o indicador da mão esquerda os fios do bigode. Enquanto remexia
delicadamente – sempre do mesmo jeito: do meio para as pontas – o aroma da
Olalla, rolos da memória lhe subiam nos dois furos do nariz, como o fumacê da
combustão enchia os dutos de saída da churrascada — Comi uma deliciosa ovelha!
— estava pronto para as demais tarefas do dia. Antes, cumpria um breve
cumprimento — Até breve! E não me perca a foguista. — Olalla tinha cabelos da
cor fogo, longos e ondulados, lábios avermelhados, carnudos, úmidos, olhos
azulados, mas era o couro aveludado, eriçado nas mãos do general, que
enlouquecia o homem. Nas despedidas, ele inclinava o queixo levemente, acenava
com a mão direita, a mão esquerda não lhe descia do bigode, e se aproximava
para cochicho de reverência — A sua casa oferece influentes incentivos para o
dia a dia do homem. — agradecia e lhe oferecia minha mão que ele levava aos
lábios, delicadamente. Homem educado e fino.
Abri
minha própria casa quando cheguei nestas terras de capões e corvos. Não foi
difícil encontrar meninas prontas para uma vida melhor. Todas lindas. Terras de
fartura e beleza, mas sem regras, me aprenderam o que mostrar e esconder, como
fazer preço da quantia adequada, oferecer desconto, e provocar encarecimento —
Meninas, isso são apenas negócios!
Acho
que é por isso que me chamam mulher que é homem, penso como os homens, tenho a
autoridade dos homens. Aprendi. Tudo se aprende quando se quer. Conto histórias
como um homem. Gosto dos homens. Gosto das mulheres. Adoro gatos selvagens...
domesticar, deixar gatoso. Animal de luxo e recreação. Angorá. Siamês. Cruzar
até encontrar a mutação doméstica. O vira-lata que ronrona satisfeito, adornado
com laços de fita, lavado com xampu, penteado e escovado. Adorava escorregar os
dedos nas listras pardas do seu pelo enquanto me sugeria fazer o que eu queria
fazer pensava que era mais imortal que eu... — Meu filho...
— Sim, mamãe.
— Preciso de um cigarro.
— Cigarro não, mamãe.
— Vai à merda! Quero um cigarro...
— O médico...
— Esse vai se fudê, o que vocês querem
comigo? Acabou! — meus filhos vocês perderam de me conhecer no melhor da beleza
e alegria. Caminhava flutuando, nunca fiz barulhos com meus passos, nem deixei
pegadas por onde passei. Aprendi en la Montaña
esse jeito de ir e vir, me escondendo. Aparecendo e desaparecendo.
Criei
estes sete como se fossem das minhas entranhas
— O meu cigarro! — em dezembro plantamos
ervilha, na época da chuva
— Meu menino, tudo vem com a chuva. — eu
não quero que minhas filhas sejam como mi
papá y mi hermana, sofreriam muito trabalhando en la Montaña, que elas cresçam como eu...
não, eu não quero — Sou bêbada, puta... não, minhas filhas não. — esse ano a
chuva foi boa. As plantações cresceram bem, mas muita chuva trás minhoca, então
precisam colher antes. Foi um bom ano de chuva, tivemos suficiente para comer e
vender, é preciso fazer uma pequena oração, conversar com os espíritos antigos
— Quando chove e o plantio é bom, fico
feliz, fico em paz. — a freguesia aumenta, a alegria fica barulhenta, fico
nessa vida até vocês crescerem. Não, não é por vocês, gosto do meu jeito de
fazer as coisas. Gosto de mandar. Gosto de ser chefe. E na minha casa eu mando.
Gosto de ser convencida com educação.
Espero
que tudo dê certo para os meus filhos estudarem, serem melhor do que eu... às
vezes, me canso dos turistas, penso em me livrar da carga que mal aguento, com
o passar do tempo fiquei envelhecida, frouxa e feia, por isso, a trilha das
doenças está me atacando, me sinto subindo la
Montaña com um saco nas costas e
outro na mão
— Mi
niños y niñas são meus
tesouros... — Eu sei, mamãe. — peço que se cale, esse guri ta sempre querendo
me agradar, mas não larga da vontade de conhecer a mãe de natureza. Eu lhe dei
comida, mas quer saber quem lhe deu esse seu olho azulado e cabelo avermelhado.
Respondo metade da verdade — Não sei por onde vive a sua mãe. — por prudência
nunca procurei saber, prometi segredo a menina e não quis viver a tentação de
contar, quem não sabe não tem o que mentir
— Sentem, vou contar tudo, como eu vivi la vida.
O meu cigarro...
— Mamãe... — não havia o que fazer, lhe
estendi o cigarro. Olhou como se estivesse me olhando, se despedia da única
intimidade que lhe restou no fim. Fechou os olhos e parou de tentar respirar.
Começava assim, a lenda
— Meu querido, se fosse fazer filho
escolhia época da chuva, quando plantamos milho. — digo que esse ano a chuva
foi boa. As plantações cresceram bem, mas muita chuva trouxe muita minhoca,
então precisam colher antes — Um bom ano de chuva. Vamos ter clientes
suficientes para vender as meninas. Quando chove o plantio é bom, fico feliz,
fico em paz.
— Descanse em paz.... — faz muito que a
casa perdeu o seu comércio habitual e refinado. Depois da morte do general
Calçacurta as coisas não foram mais as mesmas — Vamos sentir falta dele. O
homem sabia controlar o descontrole. — mamãe nunca esqueceu, e as escondidas,
do seu jeito, rezava pelo homem. Foi a sua viúva perpétua.
Sete
filhos criados por essa mulher, ainda quentinha da vida, mas já morta,
esfriando, se misturando a poeira cósmica dos espíritos antigos. Cumprida da
vida. Sete irmãos e irmãs de mães diferentes e pais desconhecidos. Clientes —
Trabalhem, meninas... que a Preta cuida de tudo. — e cuidou das suas meninas
— O que a mocinha quer fazer? Nunca deixou de ouvir o interesse das
interessadas, não achava justo tomar decisão que não era sua, nem fazer
fingimento que não tinha nenhuma influência nos ânimos da freguesia
— Quero tirar... — sentia um aperto de
molestamento, mas ela decidia dessas coisas com as meninas quando era pedida
sua consideração. Mamãe cuidava o seu negócio como um negócio, queria que a
tristeza não fosse escondida por alegria dourada
— Não quero gente triste, fingindo
contentamento. — não entendia mamãe, viveu do fingimento daqueles homens e
mulheres, e nunca esqueceu de perguntar — O que a mocinha quer fazer?
— Quero deixar... — os olhos se alegravam
— Se a mocinha quiser faço criação da criança. — não diziam que sim, nem que
não — Eu sou... — Não diga nada, minha filha... não repita essa palavra feia. — levou os dedos
levemente aos lábios da mocinha sementeira, não queria lhe impedir de falar, mas
não queria lhe deixar escapar aquela palavra de uso do homem mal educado,
escravizado pelo costume de mau jeito das mulheres — Mocinha, a má educação se
trás de casa... — a mocinha Olalla sabia que ensinamentos esperavam dela,
enquanto a barriga sementeira não arredondasse o jeito era seguir na lida com a
lição da casa.
Voltaram
com a conversa quando não havia mais disfarce que pudesse esconder que a
mocinha estava cheia de vida — Está bem, mocinha. Até sua volta aos
atendimentos fica com os cuidados de limpeza da casa. — todas às vezes ela
conseguira solução. Não queria a criança olhando a mãe, ano após ano,
trabalhando com acusação de desapreço. Depois do nascimento, a menina decidia
se partia com o filho ou renunciava a criação — Vai doer?
— Sempre... para sempre, mocinha. —
cuidava dos preparativos, cuidava dos cuidados. Mamãe sabia o que elas
precisavam, também sabia o que eles queriam ouvir, mas isso não é ensinado vem
do nascimento
— Adoro quando um homem me convence e pensa
que me acalma... esquece que somente a morte é mais forte que a vida — mas isso
não é ensinado.
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