quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Uma foguista do diabo

Ensaio


baitasar

As quenturas daquelas noites não eram do ar mormacento que aflige a todos logo após o almoço, afinal já quase chegavam as horas da madrugada. O sol era apenas uma lembrança na escuridão. O ventilador empoeirado estava quebrado. O suor se aproveitava das hélices paradas para escapar grosso e opaco daqueles dois corpos deitados, lado a lado — O general ta brigado com a sua foguista?
—        Por quê? — o general nunca respondia de imediato, lançava outra pergunta por cima, como resposta, como técnica amena de interrogador: ganhar tempo no pensamento do interrogado
—        O general não me olha mais com os olhos da torcida do Flamengo.
—        Não consigo, mocinha...
—        Tenta meu flamenguista.
—        ... pelo menos até resolver alguns assuntos.
Meia-noite - a metade da noite se foi: a luz não se importa com a escuridão - a lâmpada do abajur queimada — Vamos casar?
—        Casar é coisa pra louco! E já tenho casamento com o fardamento. — o mormaço do almoço continuava pela madrugada, o perfume não se importa com a flor, o abajur não se importa com a lâmpada, e Olalla não se importa com o abajur
—        Assim está melhor, amorzinho. — o desejo não se importa com o amor, o meu general ainda não perfumou o bigode.
Aquela era minha menina, não havia tentativa perdida, educada até perto da sabedoria, não se perdia da paciência, remexia delicadamente e o aroma subia da cintura aos furos do nariz — O meu general não vai perfumar os fios? — e aquele olhar de torcedor do Flamengo lhe voltava na prorrogação, enquanto o juiz não apita o fim: o golo tava valendo. O Calçacurta pediu mudança de posição, queria jogar de centroavante rompedor, estilo aipim, fincado na zona do agrião. O polegar e o indicador da mão esquerda ajeitavam o bigode, os fios alinhados do meio para as pontas, prontos para o combate - esse jogo havia virado uma guerra: corpo a corpo - baionetas, línguas, sangue, gozo
—        Adoro essa língua nos cabelos do fogo — a menina brincava com o general, brincava com o fogo da tentação, brinque com os pelos meu foguista pervertido.
O carvão do lápis apagado da brasa marcava a brancura angelical do púbis da foguista. As cinzas ainda quentes e o sono enervado do general. Olalla abraçava Calçacurta com força, usava sua vontade para encher de vontade o general, precisava do conforto de um corpo com vida, acalorado — Fala filha-da-puta, se a cabritinha não fala: vai piorar.  Caminha de um lado a outro da pequena cela, os gritos não saem, ficam engolidos dentro da preta, se a moça fala mando parar com tudo isso, nada, nenhum músculo se mexe — O que se faz, general?
—        Enfia os fios por baixo e não sai do pau-de-arara até gemer, acorda querido, acorda general, Olalla tinha vontade para os dois — Não para foguista, não para.
Ela era o cavaleiro do cavalgadura, enquanto a lâmpada do abajur continuava queimada — General, acho que essa preta não aguenta mais nada, o que se faz? — já estava feito — Some com tudo!
O amor é sublime porque não precisa do corpo: compartilha da memória os agrados, esquece os desagradecimentos. Olalla ergueu os braços e levou as mãos aos cabelos, empurrou-os para trás, apertava a sela com os joelhos e o animal fazia caretas — O que foi, general? — sabia o que fez, estava lhe educando para contentar, para controlar, para acalmar — Não para foguista, não para — sabia como se faz, não para, não para, era tudo que o filho do homem conseguia dizer, um beija-flor embriagado com perfume da foguista
—        A foguista também gosta, o general perguntava durante o galope, mas não esperava resposta, mais rápido, mais rápido
—        O meu general parece um beija-flor. — a menina Olalla conhecia as lições da casa: a mentira não se importa com a verdade. O general lhe agarrava a enseada da ancoragem, estava entalhado até o fundo, empurra e puxa, empurra e puxa — Isso, minha foguista, leve como uma beija-flor.
As curvaturas agitavam, os galopes atingiam Olalla, os fios entravam por baixo, e no centro da terra as entranhas da lava incandescente, o pau-de-arara firme e forte, Olalla balançava e os fios entrando e saindo por baixo, o sangue caindo em gotas, a bacia de alumínio toda amassada aparava a goteira humana — Quero os seus dedos, general! — desmontava da sela em movimento, não morreu dos fios entrando, não morreu dos socos, Olalla se oferece para o bigode e as mãos do Calçacurta, o general me deixou esse mau costume com seus dedos. A lava incandescente ameaçando transbordar, Olalla sente que o vulcão se prepara para despejar pelos céus da sua boca — A foguista não tem vergonha na cara. — os fios do bigode nos pelos do fogo, o seu céu na boca do vulcão se preparando, tossindo para explodir, limpa uma, duas, três vezes a garganta, a foguista sente a lava derretida derramando, até que a grande explosão sobe ao céu — O general não tem vergonha na cara! — a foguista enfia o dedo do meio no fim do intestino do Calçacurta. Outra explosão, mais fogo, não para, não para, tu és uma foguista do diabo — Cada um escolhe o que vai fazer nesta vida, general.

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