sábado, 12 de agosto de 2017

Aos Nossos Filhos e Filhas

Elis Regina 

"Aos Nossos Filhos"




E quando largarem a mágoa
E quando lavarem a alma
E quando lavarem a água
Lavem os olhos por mim


Façam a festa por mim








Perdoem a cara amarrada
Perdoem a falta de abraço
Perdoem a falta de espaço
Os dias eram assim

Perdoem por tantos perigos
Perdoem a falta de abrigo
Perdoem a falta de amigos
Os dias eram assim

Perdoem a falta de folhas
Perdoem a falta de ar
Perdoem a falta de escolha
Os dias eram assim

E quando passarem a limpo
E quando cortarem os laços
E quando soltarem os cintos
Façam a festa por mim

E quando largarem a mágoa
E quando lavarem a alma
E quando lavarem a água
Lavem os olhos por mim

Quando brotarem as flores
Quando crescerem as matas
Quando colherem os frutos
Digam o gosto pra mim

Digam o gosto pra mim



Composição: Ivan Lins / Vitor Martins


....



Pergaminho Científico


“Aos nossos filhos” 

– artigo de Rosely Lira


Publicado em julho 8, 2012 
por pergaminhocientifico







Em janeiro de 2012 a morte de Elis Regina completou 30 anos. Eu tinha 14 anos, mas lembro muito bem da comoção nacional e da perda que representou para a música brasileira que, a cada ano, foi empobrecendo em termos de intérpretes e de letras marcantes que nos tocavam de uma maneira singular. Elis Regina era especialista em emocionar a todos que a assistiam, mesmo cantando com os olhos fechados, como se estivesse num diálogo interno e sem absolutamente nenhuma testemunha das suas autodescobertas, angústias, dúvidas e inquietações.



Trinta anos… O tempo passa mesmo voando ou a gente é que não se dá conta de que o tempo passa tão rápido? Muitas vezes nem o nosso próprio espelho denuncia essa velocidade e as marcas que vão se formando no nosso rosto e corpo. É preciso que alguém de fora nos alerte sobre como estamos gordas demais ou magras demais; com os cabelos grisalhos demais ou até como a nossa expressão de cansaço ou de tristeza se faz tão marcante, tomando o espaço do riso aberto da juventude, isento de maiores preocupações. Parece que quem está fora continua buscando na gente aquela leveza e os traços simples e livres e até parece que é um ato de crueldade, já que desconhecem ou minimizam o quanto caminhamos e que os obstáculos que enfrentamos e vencemos deixou marcas tão profundas que muitas vezes extrapolaram os sentidos e se manifestaram através das rugas, da introspecção ou do olhar desconfiado e triste. Envelhecer e amadurecer é carregar uma vida toda de erros e acertos e isso pesa.



Hoje ouvi, depois de muitos anos, a música, na voz de Elis Regina, Aos nossos filhos (letra de Ivan Lins e Vitor Martins) e mais uma vez me emocionei com a interpretação fantástica e com a letra profunda. Quando Elis gravou essa música ainda tinha os filhos bem pequenos e parecia que estava pedindo um perdão adiantado pelas suas falhas ou oferecendo uma explicação sobre a sua incapacidade momentânea de ser ou de fazer diferente. Elis tentou e fez diferente, mas sucumbiu às suas fraquezas, mas nós estamos vivos. Pois é: estamos vivos… A letra é de dois homens, mas só posso falar do papel de mãe e seria uma arrogante se tentasse emitir alguma opinião sobre como eu seria se fosse homem e pai. Talvez a interpretação masculina da letra até seja diferente da minha. Talvez a genialidade de Elis faça, por mim, essa leitura sob a ótica feminina.



Ser mãe, para mim, é uma tarefa que começa exatamente no dia em que sabemos da gravidez e que não termina nunca. Acho até que nem termina quando o filho se vai antes da gente. Se é um compromisso diário e eterno, não tem manual nem como colocar os filhos dentro de um armário até amadurecermos ou termos melhores condições financeiras, como é que vamos escolher se vamos errar ou acertar? Se não existe uma receita não pode ser justo que as pessoas se sintam no direito de nos fazer cobranças, pois insisto que só é possível dar o que temos hoje, a quem quer que seja, mas principalmente aos nossos filhos. Não adianta para nós, como filhos, cobrarmos dos nossos pais ações diferentes ou de qualquer outro pai ou mãe.


Acho que essa é a mensagem da música: “Perdoem… Os dias eram assim.” As pessoas reagem diferentemente em cada momento e essa relação entre pais e filhos talvez seja o melhor exercício para a compreensão e para o perdão que possa existir. Os pais estão sempre a pedir perdão aos filhos, como se eles nunca deixassem de ser crianças. Os pais sempre julgam que poderiam ter feito o melhor, como se a eles coubesse o dom da perfeição. Aos filhos, parece que sempre cabe o dom do julgamento e da cobrança.


A segunda parte da música expressa, para mim, toda a esperança de que os filhos possam nos redimir e que possam fazer diferente, depois de terem se libertado das falhas que viram que os pais cometeram e, que, por conta delas, tanto os julgaram. “Digam o gosto pra mim.” é o verdadeiro pedido de clemência naqueles momentos finais da vida, quando precisamos ouvir que tudo valeu a pena e que os nossos filhos superaram o que não conseguimos superar e que fizeram aquilo que tanto queríamos ter feito. Infelizmente, nem sempre acontece assim… Pais e filhos cometem erros iguais e diferentes. Nem sempre os filhos fazem melhor do que os pais fizeram. Nem sempre perdoam os seus pais e nem sempre são perdoados por seus filhos.


“Digam o gosto pra mim.” é o que gostaria de dizer aos meus filhos momentos antes de fechar os olhos, como na cena final de um drama. Assim, encerraria meus dias como se tivesse saído de um filme, acreditando que tudo deu certo para os meus personagens preferidos. Sairia de cena com a sensação maravilhosa de ter escolhido o melhor filme para a minha vida.




Aos Nossos Filhos
(Ivan Lins e Vitor Martins)

Perdoem a cara amarrada,
Perdoem a falta de abraço,
Perdoem a falta de espaço.
Os dias eram assim…Perdoem por tantos perigos,
Perdoem a falta de abrigo,
Perdoem a falta de amigos,
Os dias eram assim…

Perdoem a falta de folhas,
Perdoem a falta de ar
Perdoem a falta de escolha,
Os dias eram assim…

E quando passarem a limpo,
E quando cortarem os laços,
E quando soltarem os cintos,
Façam a festa por mim…
E quando lavarem a mágoa,
E quando lavarem a alma
E quando lavarem a água,
Lavem os olhos por mim…Quando brotarem as flores,
Quando crescerem as matas,
Quando colherem os frutos,
Digam o gosto pra mim…
Digam o gosto pra mim…





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