Manoel Bomfim
O Brasil nação volume 1
PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS
capítulo 4
o definitivo império do brasilcapítulo 4
§ 39 – A choldra dos partidos – sobre a nação abandonada
Durante esse torvo período, em que o bragantismo brasileiro se definia destruindo os efeitos de 1826-32, sistematizada a política em conciliação... progressista; durante esse período, o pensamento e a moralidade se aferiam pela mistificação representativa, concretizada nas mentiras correntes, oficializadas. Finalmente, cristalizou-se a degradação na choldra do poder gangorra – conservador-liberal, mas, em essência, tudo a mesma coisa; e a mesma coisa se perpetuava. Nestas condições, indaga-se: “Para que dois partidos?... Um desses, já transcritos, explica-o nitidamente:
... sem partidos para se oprimirem alternadamente, fora impossível manter o odioso sistema... No sistema representativo do Brasil, o partido que está de cima sustenta o absolutismo pela fácil dominação que ele lhe proporciona... e o partido que está debaixo tolera o absolutismo com a esperança, filha da experiência, de que um dia também o terá à sua disposição, para saborear o gozo do poder... Este ou aquele partido pode, sempre, sem audiência regular da nação, ser chamado a governá-la, e acha sempre os meios constitucionais aparentes, obtendo o apoio da câmara, ou conquistando-a pela dissolução, e por eleições sempre feitas ao sabor do governo... o sistema representativo tem descido tanto, e a nação está de tal sorte subjugada ao governo, que este pode com uma pincelada pintá-la toda de encarnado, ou de amarelo... Aqui, não é o país, é o governo quem verdadeiramente decide de tudo... Os partidos têm influência segundo são chamados ao governo, e os seus candidatos nessa conformidade são votados...
Bacharel, jurista, Sousa Carvalho leva todo o mal à conta das instituições escritas – por pouco liberais... Se a explicação não tem valor, o fato por ele atestado, no entanto, é definitivo:
... a degeneração do sistema representativo, proveniente da onipotência do governo... Não admira que, assim, o caráter se rebaixe, as inteligências se esterilizem, e a moralidade pública diminua... Os nossos partidos, ora um, ora outro, investidos e desapossados do mando despótico, representam o papel de escravos que castigam os parceiros, e são, em seguida, por eles castigados...
E fecha a verrina, a proclamar como grande prova de liberalismo seu – o não ter concorrido, como presidente de província, para fazer câmara unânime ao seu partido. E termina citando: “O Sr. Visconde de Itaboraí presidente do Conselho, na sessão de 18 de Julho, reconheceu que desgraçadamente neste país não há eleição, tirando daí a conclusão de que ninguém se podia considerar legítimo representante do país”.
O outro liberal, Landulfo Medrado, é mais sintético, e igualmente cominatório. Depois de acentuar a impotência e desmoralização dos partidos, conceitua:
Tavares Bastos, também liberal:
Melo Morais, mal-arregimentado, nem por isso é menos explícito e autorizado:
Historiador, ele contempla aquele passado, que ainda alcançara, e mostra: “Nesses tempos, que lá vão e não hão de voltar (de 1826 a 36)... não havia parlamentarismo, não se pediam favores... o ministro respeitava o deputado pela sua independência e poder... Que diferença, entre o eleito de então, e o nomeado ou designado de hoje!...” Continuando, ele, registra a evolução da miséria eleitoral:
José de Alencar, depois de passar pelo conselho da coroa, pôde afirmar:
Tal aparecia, ao poeta de Iracema, aquele mundo em que trabalhava: despotismo sobre nulos. No entanto, Araripe Júnior, não político, sem nenhum intuito de propaganda política, ao comparar os dias em que floresceu Alencar com os de 1879, tem destes conceitos: “Ainda não tínhamos chegado à época dissolvente que atravessamos, época que tem gerado em nós brasileiros tão pronunciado desgosto de nós mesmos.”157
No termo de tudo, quando o regime se esboroa ao golpe dos abolicionistas em quem falava a alma brasileira, a miséria da política de embustes, e mentiras, e interesses vis, desata em desatino, para novos embustes, e transigências, e apostasias: o trono, a repetir 1821-22, vem para a cauda dos revolucionários abolicionistas. Dos políticos, uns, ferrenhos escravocratas da véspera, aceitam aquilo mesmo que mais repeliam, e transigem miseravelmente, submetendo-se a legalizar, em três dias, a abolição, que a nação revolucionada lhes impunha. Outros, mais despeitados do que coerentes, desabafam contra o regime que assim os deixa – a nu. E como no despeito vêm verdades, consignemo-lo: Silveira Martins, ao discutir-se, no senado, o projeto imposto pelos aquilombados do Cubatão: “O parlamento tem atacado todos os princípios e subvertido todas as noções de dignidade... nenhum partido é forte quando trafica com as suas ideias...” Paulino Soares de Sousa, no mesmo ensejo: “Que resguardo podem oferecer homens que ontem pensaram de um modo e hoje procedem de outro; que politicamente não têm corpo para a responsabilidade que lhes cabe?” Esses homens poderão ser muito honrados na vida particular, mas não têm, como disse o honrado senador pelo Rio Grande do Sul, a honorabilidade precisa para a função de governo... E, sem piedade, pegou do correligionário João Alfredo, abolicionista de emergência, atirou-o por terra, pregando-lhe nas costas o palavreado escravocrata com que o mesmo, um ano antes, havia combatido a abolição – que não admitia sem indenização... que não devia ser brusca, porque, dizia mesmo o Cons.: “Não sou dos homens que se deixam levar por ameaças e vivórios...”
As grandes dificuldades nacionais aí ficam intactas, insolúveis; a longa série dos ministérios, na gerência dos negócios públicos, consomem-se na vida medíocre dos expedientes e palativos estéreis; e enredam-se nas intrigas de uma política de conveniências pessoais, que exclui toda dignidade de sentimentos, e toda elevação de concepções... No alto, uma cediça afetação de simplicidade, sem pensamento nem verdade... em baixo, multidões prosternadas no chão das humilhações... um povo ignaro... encadeado à eterna servidão do corpo e da alma... decepções cruéis... esperanças mentidas, esforços, perdidos...
Tavares Bastos, também liberal:
... o esbanjamento, a afilhadagem, o desperdício, que caracteriza o governo brasileiro... mediocridades sem espírito, sem dignidade, sem nobreza, sem patriotismo, sem orgulho, e que abrem o caminho e prosseguem triunfantes o andar do despotismo... um governo ignorante de seus próprios vícios, arrasta o país ao abismo dos desenganos... a imoralidade pública, o desânimo, os estremecimentos vagos: confiai agora nos destinos de uma sociedade constituída sobre bases tais!... Leis que são um duplo crime, contra o código fundamental e contra o futuro do país... O país governado pelo interesse privado das coteries, e dos governícolas... Não reconheço quais sejam os nossos partidos políticos... e sim a facção que se agarra à presa... Lembro-me com tristeza de que sou brasileiro, e de que não há esperança, talvez, neste século, de felicidade para esta pátria!... Quantos brasileiros temos visto nós – erguer a fronte e conservá-la altiva?... Neste país compram-se, a dinheiro de contado, e por tabela fixa, honras e grandezas. Há corretores para este negócio...
Melo Morais, mal-arregimentado, nem por isso é menos explícito e autorizado:
Tomando assento na câmara temporária, reconheci ser aquilo uma farsa... a falsa política tem absorvido tudo... a política do egoísmo e das posições oficiais é o único pensamento... Se as câmaras fizessem o que devem, e não o que o executivo lhes manda fazer, o sistema representativo seria uma verdade, e não uma comédia como temos representado, e continuaremos...
Historiador, ele contempla aquele passado, que ainda alcançara, e mostra: “Nesses tempos, que lá vão e não hão de voltar (de 1826 a 36)... não havia parlamentarismo, não se pediam favores... o ministro respeitava o deputado pela sua independência e poder... Que diferença, entre o eleito de então, e o nomeado ou designado de hoje!...” Continuando, ele, registra a evolução da miséria eleitoral:
Na eleição que se procedeu em 1840, já havia abusos por parte das influências dos partidos, mas ainda não se tinha desenvolvido manifestamente a prepotência governamental... Na eleição de 1842 (pelos conservadores), a influência maléfica do executivo se fez sentir em algumas províncias, mas, até aí, nunca deixou de haver uma oposição mais ou menos forte e numerosa... Dissolvida essa câmara pelo ministério liberal de Almeida Torres, na eleição que se lhe seguiu, apareceu com mais franqueza a compressão do governo, tanto que, se pode dizer – foi Almeida Torres o inventor da intervenção imediata do governo na escolha dos candidatos a deputado... sendo certo que foi por ocasião da verificação de poderes dos deputados então eleitos, que apareceu o expediente das depurações...
José de Alencar, depois de passar pelo conselho da coroa, pôde afirmar:
Não se conta com a nação, que é peça inútil nesse xadrez político... o descrédito dos partidos forma a medula do segundo reinado... ostentação de absolutismo, pois que só nos governos absolutos é que o impulso vem de cima... As ideias em que se definem os programas dos partidos tornam-se propriedade exclusiva de um pequeno número de nulidades que porventura cerquem o trono. Sem o menor escrúpulo, esses homens, baldos de pensamento... escalam o governo...
Tal aparecia, ao poeta de Iracema, aquele mundo em que trabalhava: despotismo sobre nulos. No entanto, Araripe Júnior, não político, sem nenhum intuito de propaganda política, ao comparar os dias em que floresceu Alencar com os de 1879, tem destes conceitos: “Ainda não tínhamos chegado à época dissolvente que atravessamos, época que tem gerado em nós brasileiros tão pronunciado desgosto de nós mesmos.”157
157 José de Alencar, pág. 29.
No termo de tudo, quando o regime se esboroa ao golpe dos abolicionistas em quem falava a alma brasileira, a miséria da política de embustes, e mentiras, e interesses vis, desata em desatino, para novos embustes, e transigências, e apostasias: o trono, a repetir 1821-22, vem para a cauda dos revolucionários abolicionistas. Dos políticos, uns, ferrenhos escravocratas da véspera, aceitam aquilo mesmo que mais repeliam, e transigem miseravelmente, submetendo-se a legalizar, em três dias, a abolição, que a nação revolucionada lhes impunha. Outros, mais despeitados do que coerentes, desabafam contra o regime que assim os deixa – a nu. E como no despeito vêm verdades, consignemo-lo: Silveira Martins, ao discutir-se, no senado, o projeto imposto pelos aquilombados do Cubatão: “O parlamento tem atacado todos os princípios e subvertido todas as noções de dignidade... nenhum partido é forte quando trafica com as suas ideias...” Paulino Soares de Sousa, no mesmo ensejo: “Que resguardo podem oferecer homens que ontem pensaram de um modo e hoje procedem de outro; que politicamente não têm corpo para a responsabilidade que lhes cabe?” Esses homens poderão ser muito honrados na vida particular, mas não têm, como disse o honrado senador pelo Rio Grande do Sul, a honorabilidade precisa para a função de governo... E, sem piedade, pegou do correligionário João Alfredo, abolicionista de emergência, atirou-o por terra, pregando-lhe nas costas o palavreado escravocrata com que o mesmo, um ano antes, havia combatido a abolição – que não admitia sem indenização... que não devia ser brusca, porque, dizia mesmo o Cons.: “Não sou dos homens que se deixam levar por ameaças e vivórios...”
Não podia deixar de acabar assim, uma sequência política que contava, logo no seu início, com abjeções, como a do Tratado de Aliança Ofensiva, com a Confederação Argentina, celebrado a 24 de março de 1848, retificado pelo governo do Brasil, e não aceito pelo Presidente Rosas, tão infame ele era. Foram tratadores, por parte do Brasil, Carneiro Leão e Rodrigues Torres, quando no governo havia, Paranaguá e José Clemente. Como comentários, registrem-se estes, de Rodrigues dos Santos, deputado por São Paulo, e ardente monarquista:
... vergonha do Brasil... arriscou a coroa ao desar que passou pela rejeição do mesmo... o governo argentino não o aceitou – por ser ofensivo à independência do Estado oriental, o que foi um quinau dado ao governo do Brasil... o governo aliou a monarquia brasileira ao ditador de Buenos Aires, para o fim de pacificar o Brasil, e deu, assim, o testemunho de que era incapaz de dominar as comoções intestinas do Império...
Depois disso, um governo monárquico que se alia a governos estrangeiros, republicanos, para manter a ordem interna; daí por diante, na marcha que se acelera, é natural que o regime venha acabar na deliquescência de 1888-89. Um grande jornalista, com especialidade de sensatez e bom humor – Ferreira de Araújo, desde 1884 se convertia em profeta:
Atravessamos uma época verdadeiramente calamitosa... Há um micróbio moral que devasta as consciências... A política imperial à amparar-se nestas duas muletas – a corrupção e o favoritismo... quando desaparecer o atual imperante, que fará esta geração de homens de Estado que ele preparou?!...
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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."
Cecília Costa Junqueira
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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).
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O Brasil Nação - v1: § 40 – Já é corrupção... - Manoel Bomfim
O Brasil nação - v1: Prefácio - Manoel Bomfim
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