domingo, 27 de agosto de 2017

O Brasil Nação - v1: § 40 – Já é corrupção... - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil nação volume 1





PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS



capítulo 5
o acervo do império





§ 40 – Já é corrupção...




O segundo Império deu a prova definitiva – do mal que no Brasil se incluiu com a herança direta do Estado português. Longo, bem explícito na longa paz em que transcorreu, ele é, também, uma demonstração – da nação anulada, contida, e viciada nos seus dirigentes. Em cinquenta anos, e que foram os da plena expansão da vida moderna, não há um momento, na política do Brasil, em que se sinta vontade nacional, a não ser no termo de tudo – para impor a libertação dos escravos. Quanto ao mais, de insinceridade a embuste, de embuste a dissimulação, renegamento, traição... a política, sujando o caráter da nação, não tarda ser: degradação, corrupção, dissolução moral... A história, concretização de motivos e acentuação de valores, apresenta-se-nos com este paradoxo, que vale por uma demonstração: apesar dos muitos decênios de luta interna, em paralelo com os nossos quarenta anos de paz interior, a maior parte dos povos neoibéricos apresentam-se, hoje, num mais efetivo progresso político e social do que o Brasil... É que nenhum deles teve de incluir em seus destinos o equivalente do Estado português, ao passo que nós indigestamos de podridão. De tal sorte, não houve valor de virtudes próprias à alma brasileira, nem aspirações democráticas e sãs que pudessem vencer as misérias vivaces em que se emaranhou a política nacional. E quando contemplamos os muitos e longos anos de paz, é para ver a nação gemer, em 1860, dos agravados processos de 1825, e pedir medrosamente, em 1870, aquilo que, em 1831, se considerava indispensável, mesmo entre os que desfrutavam o poder. 

Inteiramente fechado ao verdadeiro influxo da opinião; alheio aos legítimos e necessários estímulos da vida nacional, o segundo Império foi um período de corrupção, O que se salvou, no bafio daquela estagnação, vem de um esforço de artifício, por uma honestidade puramente fiscal, e, ainda assim, incompleta, tudo em moralidade convencional, puritanismo fácil, de quem pode; puritanismo que, pactuando com abjurações e transigências, servindo-se delas, provocando-as, ora explorava a improbidade, ora desmoralizava, desnudando misérias, e desfibrando os homens, a título de corrigi-los. Tal foi o imperante em face dos seus políticos. De modo geral, não podia haver legítima probidade naquela gente que se tinha poluído em todas traficâncias políticas, através dos mais torpes compromissos, renegando repetidamente as próprias convicções. Ora, a probidade é o coração no caráter, como inteira fidelidade do indivíduo à sinceridade do seu pensamento. Naquele mundo de subalternos, nivelados na adulação, não podia haver probidade. A adulação, a mais vil nas formas das relações humanas, é o dissolvente a que nenhum caráter resiste; desnatura a gratidão em servilismo, vale como traição do indivíduo a si mesmo, e, como desfaçatez e despudor, já é corrupção, em que se confunde o corruptor com o corrompido. A história destaca os nomes dos grandes corruptores-corrompidos, criadores da escola política em que se exaltou o segundo reinado. Araújo Lima, Calmon, Hermeto, Vasconcelos, Alves Branco, Costa Carvalho... valem mais, no rebaixamento da vida pública, do Brasil, do que mesmo Vilela Barbosa, ou José Clemente, que tiveram a relativa honestidade de serem sempre iguais a si mesmo, como instrumentos do primeiro e essencial bragantismo; com eles, por eles mesmos, não haveria ilusões nacionais. No momento supremo e ótimo do segundo Império, quando este se apresentava ao mundo – vencedor, redentor e humano, José de Alencar pôde dizer, em pleno parlamento, sem ser contraditado: “Tais são os tempos, que independência de caráter passa por insensatez, a ductibilidade por sabedoria...” Tomando dos fatos, ele mostra


a repugnância, o desprezo e o tédio, inspirados pelo triste espetáculo da nossa política... a degeneração progressiva e rápida, a degradação política a que temos chegado... a política do Brasil, não vale a competência, nem o caráter, nem o patriotismo; convicções, coerência, independência de vontade são pesos que afundam irremissivelmente...


Subindo, no tempo, com o veio da podridão, encontramos a notação de Tavares Bastos, para 1862: “... presidentes e ministros ignorantes e corrompidos...” Galgando um pouco mais – 1860, encontramos os conceitos peremptórios de Landulfo:


... o silêncio parlamentar, ou a sua expressa adesão, sancionou o sistema da corrupção... governo virtualmente morto, inferior ao papel que se lhe confia. Para se manter algum tempo, só tem um recurso – o das violências e reações, porque a mesma corrupção está gasta e impotente... corrupção dos costumes, corrupção política... Para resolver a crise é mister aniquilar a corrupção, e a corrupção campeia impávida, impudente... O governo corrompe e é corrompido. As câmaras corrompem e são corrompidas... A ninguém é lícito manter ilusões de regeneração, quando o princípio donde a esperavam é demonstrado proceder pela corrupção...


E, então, fulmina: “A história dirá, um dia, a verdade da corrupção, e o nome do corruptor...” Anos depois, Sayão Lobato endossará o conceito, apontando até a origem da corrupção: Vem de cima a corrupção dos povos... No entanto, se é um fato a corrupção, não é exato que fosse Pedro II a origem e o fator exclusivo dela. Dando verdade à voz do seu despeito, José de Alencar excedia a mesma verdade quando fazia do efetivo poder pessoal a causa de degradação política. Negando-lhe a senatoria, a ele, que era um valor intelectual, do Brasil de então; a ele, José de Alencar, em que havia um tanto de caráter e coerência, o imperador repetia o que já havia feito com Martiniano de Alencar e com Otoni; tratando a escolha de senadores como atribuição exclusiva do seu poder, usando-a como privilégio – para satisfação das suas prevenções, das suas vinganças e dos seus rancores; manejando-a como recurso da sua politicagem pessoal, Pedro II não fazia mais do que repetir Araújo Lima: Bezerra é o equivalente de Matoso Maia. Lembremo-nos de que o regime total começou com a escolha de Barbuda (Marquês de Jacarepaguá), trazendo das urnas 12 votos, somente. 

Repetimo-lo: não foi o imperador, majorado por uma política misturada de velhacaria, ambição de mando e ingenuidade chata; não foi ele quem amesquinhou e corrompeu o ânimo dos comparsas na politicagem. Um regime que, vindo de Araújo Lima e Hermeto, passa por Carvalho Melo, não precisa de mais para a declarada degradação. Em 1842, o renegado futuro Montalegre pretende injuriar Feijó com o lembrar-lhe – que ele, Feijó, “por uma lógica que não compreendo, faz alarde de ser um dos principais chefes da revolução”. Em verdade, quando o político que começara republicano, confessa não compreender lealdade e coerência em política, não há mais a minguar, como dignidade dela. Anterior a tudo isso, contemporâneo da crise de 1842, e ativo na repressão, foi Caxias, o general que fez reputação e nobreza com a estratégia de pacificador, estratégia que era a corrupção sob a sugestão das baionetas. Tinha oito anos, apenas, o segundo Império, e Tosta, presidente de Pernambuco, para os fins de suplantar os brios da legendária província, baixa um edito que é um modelo de torpeza na corrupção: “Perdoa-se qualquer crime, e ainda se dá o prêmio de três contos de réis, a quem prender revolucionários...” Como se vê, a justiça manda afirmar: o segundo Império já não teve o que corromper; o seu papel foi, apenas, o de sistematizar o bom aproveitamento da mesma corrupção. Bem meditado, se se comparam esses dias, em que recrimina José de Alencar, e aqueles da senatoria do criado Barbuda, a diferença está, somente, em que, então – havia ainda uma nação para insurgir-se, e, agora, (186070), o regime já fizera uma obra completa: a degradação já era corrupção, que, sendo de toda a política, manifestava-se como degradação da própria nação, desamparada de brio, sem possibilidade de remissão. Na ausência de efetivos políticos, para os poderes do Estado, o moderador era tudo. Contra o seu absolutismo, só havia, mesmo, o liberalismo farisaico do imperante, único querer sobre a mesquinhez de criaturas feitas para subserviências miúdas e confessadas, sem outro ideal além da ostentação do falso poder, como lhes concedia o parlamentarismo reinante.





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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira



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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).


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