quinta-feira, 21 de março de 2019

Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXIV - Lirial

Cruz e Sousa

Obra Completa
Volume 1
POESIA



O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos

Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos




OUTROS SONETOS 







LIRIAL


Vens com uns tons de searas, 
De prados enflorescidos 
E trazes os coloridos 
Das frescas auroras claras.

E tens as nuances raras 
Dos bons prazeres servidos 
Nos rostos enlourecidos 
Das parisienses preclaras.

Chapéu das finas elites, 
De rosas e clematites, 
Chapéu Pierrette – entre o sol

Passando, esbelta e rosada, 
Pareces uma encantada 
Canção azul do Tirol.





TO SLEEP, TO DREAM


Dormir, sonhar – o poeta inglês o disse... 
Ah! Mas se a gente nunca mais sonhasse 
Ah! Mas se a gente nunca mais dormisse 
E as ilusões não mais acalentasse?

E o que importava que o futuro risse 
De um visionário que tal cousa ideasse; 
Se não seria o único que abrisse 
Uma exceção da vida humana à face?...

Se os imortais filósofos modernos 
Que derrubaram todos os infernos, 
Que destruíram toda a teogonia,

Orientando a triste humanidade, 
Deixaram, mais e mais, a piedade 
Inteiramente desolada e fria?





NO CAMPO


Acordo de manhã cedo 
Da luz aos doces carinhos: 
Que rosas pelos caminhos! 
Que rumor pelo arvoredo!

Para o azul radioso e ledo 
Sobe, de dentro dos ninhos, 
O canto dos passarinhos 
Cheio de amor e segredo.

Dentre moitas de verdura 
Voam as pombas nevadas, 
Imaculadas de alvura.

Pelas margens das estradas 
Que penetrante frescura! 
Que femininas risadas!





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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu
corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.



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