domingo, 3 de março de 2019

Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXIII - Decadentes

Cruz e Sousa

Obra Completa
Volume 1
POESIA



O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos

Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos




OUTROS SONETOS 







DECADENTES


Richepin, Rollinat! gritos sangrentos
Da carne alvoroçada de desejos,
Mosto de risos, lágrimas e beijos,
Estertores de abutres famulentos.


Desesperado frêmito dos ventos,
De harpas, sutis, fantásticos harpejos,
Clarins de guerra, e cânticos e adejos
De aves – todos os vivos elementos.


Tudo flameja e nas estrofes canta,
Estruge, zune, em borbotões levanta
Noites, luares, fulgurantes dias.


Mas nessa ideal temperatura forte
Tudo isso é triste como a flor da morte
Que brota dentro das caveiras frias...






OLAVO BILAC


Vim afinal para o solar dos astros,
De irradiações puríssimas e belas,
Numa viagem de alterosos mastros,
Numa viagem de saudosas velas...


Das alegrias nos febris enastros
Que as almas prendem para percebê-las,
Vim cantando e feliz, fugindo aos rastros
Da terra de onde vi e ouvi estrelas.


E por aqui, nas lúcidas paisagens,
Vestido das mais fluídicas roupagens
Tecido de ouro, nos clarões imersos...


Ando a gozar, entre lauréis e palmas,
O que cantei na terra, junto às almas,
Na eterna florescência dos meus versos.






DOENTE


As unhas perigosas da bronquite
Nas tuas carnes sensuais e moles
Não deixarão que o teu amor palpite
Nem que os olhares pelos astros roles.


É fatal a moléstia. Só permite
Que te acabes por fim e que te estioles.
Sem que em teu peito o coração se agite,
Sem que te animes, sem que te consoles.


Vai se extinguindo a polpa dessas faces...
Mas se ainda hoje em mim acreditasses,
Como no tempo virginal de outrora,


Tu curar-te-ias com pequeno esforço
Das serranias através do dorso,
Pela saúde dos vergéis afora.





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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu
corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.



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