domingo, 17 de março de 2019

O Brasil Nação - v2: § 57 – Romanticamente patriotas - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim


O Brasil Nação volume 2




SEGUNDA PARTE 
TRADIÇÕES



À glória de
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução


capítulo 6
novo ânimo



§ 57 – Romanticamente patriotas





Se os nossos primeiros líricos tivessem, apenas, cantado amores para a exaltação uníssona dos corações, já teriam feito muito. No entanto, não foi esse o mais potente dos influxos que trouxeram ao ânimo brasileiro, senão os estímulos diretos de nacionalismo. Cada um deles deu o melhor de sua alma ao amor da terra-mãe e das suas tradições. Os versos patenteiam esse amor; a prosa faz-nos compreender como entendiam o patriotismo. São verdadeiras lições. Até as estrofes de Gonçalves Dias. Só a tórpida política, e uma história mal-amanhada, nos falavam de pátria. Com a sua lira, clarearam-se estes céus no fulgor de uma poesia especialmente para o amor do Brasil. Não julgamos bem dos seus efeitos porque, ao chegarmos à vida, já encontramos um mundo possuído de ideais simples, fáceis... em todo caso ideais, sobretudo, o de uma pátria gloriosa e livre. Mas, pensemos que todas as anteriores gerações tiveram o berço acalentado pela poesia de: Nosso céu tem mais estrelas, nossas várzeas têm mais flores, nossos bosques têm mais vida, nossa vida, mais amores... Descansa, oh! gigante, que encerras os fados, que os términos guardas do vasto Brasil... Que seiva, que luz, que galas, não exalas, não exalas, meu Brasil... É uma terra de amores, alcatifada de flores, onde a brisa fala amores, nas belas tardes de abril... E foi no estuar desses afetos, que nos habituamos a gozar com a contemplação de ideais. E vem Alencar, cuja obra se conduziu sempre no intuito bem explícito de exaltar a alma nacional. Por isso mesmo, ele é dos que consagram a musa de Gonçalves Dias. Antes, um verdadeiro poeta, também enlevado pela paisagem da pátria, dirá do poeta d’Os Timbiras: “... o impulso do seu livro, fadado a fazer época em nossa história literária porque foi um livro criador, Primeiros Cantos, do Sr. Gonçalves Dias – que veio regenerar-nos a rica poesia nacional...” Então, dos que se seguem a Álvares de Azevedo, à exceção de Castro Alves, raros haverá, que não tenham (1) empenho em exaltar a musa do poeta de Canção do Tamoio:

Estes revoltos, largos rios, estas
Zonas fecundas, estas seculares
Verdejantes e amplíssimas florestas
Guardam o teu nome............


(1) O constante silêncio de Castro Alves para com Gonçalves Dias não significa que não haja afinidades de musa, e, menos ainda, que o poeta d’O Livro e a América não buscasse propositadamente inspirações na musa d’Os Timbiras: a terceira estrofe – A Maciel Monteiro... é uma chamada d’O Gigante de Pedra.


Ora ninguém admitirá que tal consagração se refira ao valor absoluto do poeta, se não às emoções patrióticas por ele despertadas... Senhores de todos os recursos da sugestão literária, os nossos líricos começam abrindo as paisagens onde têm de plantar o patriotismo. É a comovente exortação. Antes, a poesia brasileira se fazia no vazio, ou em perspectivas de convenção, com costumes de mentira. Gonçalves Dias é o primeiro cujas inspirações se casam à realidade deste Brasil. O seu poema – O Bardo, o próprio que sugeriu as fulgurantes estrofes de Poesia e Mendicidade, e que seria o menos próprio para dar aspectos da natureza brasileira, é, todo ele, credo de iluminado, em evocações da nossa natureza:


Lemos o nome do Senhor nos astros;
Sonhamos ilusões, lançando os olhos
Sobre a terra florida...
Cantos sempre...
Trocamos, como... Homero,
Celestes carmes por um pão...
Que é o bardo, porém? Ninguém pergunta...
................................
A virgem que em passeios solitários
Respira o aroma de uma flor singela
Pergunta, acaso, no verão torrado
Se a melindrosa flor ainda existe...


Este verão torrado é exclusivamente, genuinamente, brasileiro – do requeimado Nordeste. E, como estas, quantas outras evocações, assim espontâneas?...


– A saudade e o amor – as mais profundas
das merencórias solidões da terra
– As florestas e o mar...
................................
Quando tocada não sentir minha alma
Da luz, dos sons, das cores, das magias,
Que a natureza pródiga derrama
No regaço da terra...
................................
Estorcem-se os leques dos verdes palmares,
Volteiam, rebramam, doudejam nos ares...


As voluntárias invocações sucedem-se, inúmeras, e sempre a propósito:


Vivamos nas minhas selvas,
Nas minhas selvas do Norte...
................................
Tu verás como a luz brinca
Nas folhas de cor sombria...
................................
Gozando a viração das frescas auras
Que do Brasil os bosques brandamente
Balançam...
................................
Já viste coisa mais bela
Do que uma bela mangueira
E a doce fruta amarela...


E, assim, todas as suas Americanas... 
Mais intenso, puro ardor de juventude, Álvares de Azevedo vibra na evocação da paisagem brasileira como na contemplação de si mesmo:


Lá bem na extrema da floresta virgem,
Onde na praia em flor, o mar suspira...
................................
Estrela do pastor, no véu dourado
                  Acorda-te na serra,
Inda mais bela no azulado fogo
                 Do céu da minha terra!
................................
É doce na minha terra
               Andar cismando na serra
               Cheia de aroma e de luz,
               Sentindo todas as flores,
              Bebendo amor nos amores
              Das borboletas azuis!...


Sincero, ele transporta-se nas imagens e visões que tem guardado:


Amo o vento da noite sussurrante
                 A tremer nos pinheiros
E a cantiga do pobre caminhante.
                No rancho dos tropeiros...
................................
E a névoa e flores e o doce ar cheiroso
               Do amanhecer na serra
E o céu azul e o manto nebuloso
               Do céu da minha terra...

Sonho da vida que doirou e azula
               A fada dos amores,
Onde a mangueira ao vento que tremula
               Sacode as brancas flores...


Este enlevo é para o seu São Paulo; mas, brasileiro, ele tem a paixão do sol e da luz:


Como é doce viver nas longas praias,
Nestas ondas de sol e ventania!...
O painel luxurioso do horizonte,
Como as cândidas sombras alumia
Dos fantasmas de amor que nós amamos...
................................
Que planeta do céu, do roto seio
Golfeja luz tamanha?...
................................
Lá, onde mais suave, entre os coqueiros
O vento da manhã...


Para fechar O Poema do Frade nada achou o poeta melhor do que a sentida evocação da natureza pátria:


Meu céu! minhas montanhas verdejantes!
Cetim azul da lânguida baía!
Manhãs... de brisas sussurrantes!
Noites... de estrelas e ardentia!
... noites de luar!... melodias
Que nas folhas gemeis, ventos errantes...

Vales cheirosos, onde a infância minha
Virgem peregrinou entre mil sonhos!
Noites, luas, estrelas da noitinha,
................................
Ó minha terra!... Ó tarde recendente,
Que embalsamando vens com teus cabelos
Derramados à luz!... Ó sol ardente,
Como os lábios do amor... luares belos.


Para Junqueira Freire não existe a paisagem isolada; se, porém, lhe ocorre localizar ação, ele pousa o seu estro na terra, e apresenta-a bem, com toda a poesia desta natureza:


Levei-te em braços, ao cair da tarde,
Para o mais denso coqueiral sombrio...
................................
Quando as estrelas matinais caíam,
Eu te deitava à copa das mangueiras,
                       Que enchiam-te de flores...
................................
                      E a brisa que lhe vinha
Do som do coqueiral,
                     Não lhe batia..
.


E como ele deu versos especialmente a assuntos brasileiros – Menestrel do Sertão, Dertinga, O Apóstolo entre as Gentes, O Jesuíta, O Hino do Caboclo... foram outros tantos ensejos de decantar a paisagem onde situava os seus enlevos... É de notar, mesmo, que se um Casimiro de Abreu nos deu mais juritis, e sabiás, e laranjais, e bananeiras... não teve tanto influxo quanto esses que sentiram diretamente a paisagem não em abstração de saudade. Contudo, na época, essa poesia de Casimiro de Abreu foi essencialmente nacional. Pedro Luiz, não de todo infecionado, ainda pela política, recebeu em festas os seus cantos: “Quem poderá ler os versos de Casimiro de Abreu, sem sentir um estremecimento de coração?... A poesia nacional brasileira vai deixando pouco a pouco as formas vagas da utopia e desenha-se com os traços firmes da realidade... Moreninha e Na Rede são dois lindos ensaios de poesia nacional...” Tais conceitos, de poeta a poeta, referidos a juritis e sabiás, cantando em paisagens tão falhas como as de Casimiro de Abreu, servem para acentuar os novos valores em que se destacava o lirismo brasileiro. O poeta de Primaveras, estro exilado, não podia ter perspectivas deste nosso mundo, mas tinha a justa compreensão do que deve ser a forma numa poesia brasileira: “O filho dos trópicos deve escrever numa linguagem propriamente sua...” 

Um Fagundes Varela tenta pintar costumes puramente nacionais; não tem, porém, objetivismo bastante para dar-lhes a realidade devida. Inspiração vaga, esparsa, ele sente, principalmente, e constantemente se inclina para as enevoadas visões íntimas. Mas, se é levado a apresentar a natureza cenário dos seus transes de puro sentir, desprende-se pateticamente, empolgante e comovedor:


Adeus! Adeus! nas cerrações perdida
Vejo-te apenas, Guanabara altiva...
................................
Minhas águas! Flor do Novo Mundo,
Terra dos meus sonhos! Eis-me de novo
Em teu seio sagrado, oh! minha pátria!...
............ Quando brilhante
Aos fulgores da aurora, dentre as ondas
Ontem te vi surgir nos horizontes...


Mudam-se as quadras e as formas, e quando, noutros estros se apresenta a paisagem, intumescem-se os corações nos mesmos afetos:


................................
Para! Uma terra nova ao teu olhar fulgura!
Detém-te...... Aqui, de encontro a verdejantes plagas...
................................
Beija-a! O sol tropical deu-lhe à pele dourada
O barulho do ninho, o perfume da rosa,
A frescura do rio, o esplendor da alvorada...
Beija-a! É a mais bela flor da natureza inteira!...


Castro Alves entoara:


Terra de Santa Cruz............
Como és bela, soberba, livre, ousada!
Em tuas cordilheiras assentada
............ A liberdade está............


Tais enlevos já são notas de patriotismo, estuante em todos os nossos líricos, bem explícito nas páginas de prosa que deixaram. Gonçalves Dias: “Minha alma está a espreguiçar-se nas vagas de S. Marcos, a rumorejar nas folhas dos mangues, a sussurrar nos leques das palmeiras: lá está ela nos sítios que os meus olhos sempre viram, nas paisagens que eu amo, onde se avista a palmeira esbelta, o cajueiro coberto de cipós, e o pau-d’arco coberto de flores amarelas... deleita em orvalho sobre as nossas flores, desfeita, em harmonia sobre os nossos rios, sobre os nossos mares...” É o comentário dos versos:


Caxias!............
... que a luz da esperança tinhas n’alma
E o sol da liberdade um dia viste,
De glória e de fulgor resplandecente...
............ Oh! Fora belo
Arriscar a existência em prol da pátria,
Regar de rubro sangue o pátrio solo,
E sangue e vida abandonar por ela...


Álvares de Azevedo não se limita a enlevos: diz, de modo preciso, como entende a ação patriótica de um intelectual brasileiro. É aos dezoito anos, na sinceridade de uma carta ao pai: é sobretudo, em discurso aos colegas: “Temos fé que a América tem uma grande missão de regeneração..., e não será à terra de Santa Cruz que deve caber a menor glória nessa regeneração...” Noutra instância, ele se eleva a generalizações destas: “Sem uma filosofia, sem uma poesia nacional, como querias uma nação? A cópia lívida do que vai pelo mar além poderá ser do sangue de uma nação?...” Junqueira Freire, que sonhou um poema – O Padre Roma, acentua: “É preciso cantar os fatos contemporâneos, para não ficarmos pobres no futuro, como somos agora acerca do passado...” José de Alencar, já no fastígio da glória, teve orgulho em proclamar: “Palpita na obra de Castro Alves poderoso sentimento de nacionalidade, essa alma da pátria, que faz os grandes poetas...” Na lira do poeta d’O Livro e a América, houve um refulgir de todas estas belezas cantadas pelos outros, exaltadas num tal patriotismo que o sentimento se funde na paisagem. De verdejante e úbere, sussurrante e tépida, ela se faz tropicalmente augusta e magnífica. E, em face à simples natureza, ele cantará singelamente:


País do ideal, terra das flores,
Onde a brisa do céu tem mais amores...


Mas, se envolve nessas flores as suas aspirações de justiça, ele derramará pelas encostas as glórias que sonha para o seu Brasil. O estro se alevanta, e a grandeza da paisagem lhe aparece em função dos nossos destinos:


Terra de Santa Cruz, sublime verso
Da epopeia gigante do universo,
             Da imensa criação,
Com tuas matas, ciclopes de verdura...
................................
Catadupas sem freios, vastas, grandes,
            Sois a palavra livre desses Andes
Que além surgem de pé.
................................
Oh! Deus! Não ouves dentre a imensa orquestra
Que a natureza virgem manda em festa
            Soberba, senhoril,
Um grito que soluça aflito, vivo,
O retinir dos ferros do cativo...
Senhor, não deixes que se manche a tela
Onde traçaste, a criação mais bela
           Da tua inspiração...
................................
E as palmeiras se torcem torturadas,
Quando escutam dos morros nas quebradas,
          O grito de aflição...
................................
Ouço o cantar dos astros no mar do firmamento;
No mar das matas virgens ouço o cantar do vento,
Aromas que se elevam, raios de luz que descem.


E chegará ao ponto de gritar:


Salve! – país do bandido!
Salve! – pátria do jaguar!
Verde serra, onde os palmares
– Como indianos cocares –
“No azul dos colúmbios ares...
................................
Salve! – nos serros erguido –
Ninho, onde em sonho atrevido,
Dorme o condor... e o bandido,
A liberdade... e o jaguar!...


E O Adeus, Meu canto, e por toda a Cachoeira de Paulo Afonso, estrofes cuja palpitante epopeia tanto se sustenta no lirismo dos afetos, como na magnificência dos horizontes?


............ Já de listrões vermelhos
           O céu se iluminou
Eis, súbito, da barra do ocidente,
Doido, rubro, incandescente,
          O incêndio que acordou!
A floresta rugindo as comas curva...
O estupendo estampido das queimadas
Se enrola de quebradas em quebradas
         Galopando no ar.
................................
Nas rubras roscas estortega as matas...
Que espadanam do sangue das cascatas
         Do roto coração...


Já o notamos; é o patriotismo de Castro Alves que lhe transmuta o lirismo suavemente sensual de Adormecida, nos versos clangorosos d’O Vidente e de Navio Negreiro, patriotismo que nele se caldeia no enlevo pelas magnificências desta natureza. Além das suas poesias patrióticas – A Maciel Monteiro, O de ao Dois de Julho, O Livro e a América... todos os poemas da musa dos Escravos estão inundados, assim, das nossas belezas. Essas qualidades da sua poesia, ele as dava muito propositadamente: “A poesia (no Brasil) deve ser majestosa como as matas virgens da América, arrojada como os seus rios gigantes, livre, como os ventos, que passam gemendo por suas várzeas, e que zurzem os costados pedregosos dos gigantes de granito. A poesia, enfim, deve ser o reflexo desta terra”. Assim o disse, e assim o fez. (2)


(2) Entre os nossos líricos tem situação especial, única, o romancista de Quincas Borba. Musa de penetrante surdina, Machado de Assis foi de mais efeitos sobre os intelectos do que sobre os corações. Longa existência, longamente eficaz sobre o pensamento dos que realmente pensavam, o poeta de Versos a Corina tem significação desse mesmo curso mental que nos traz d’Os Guarani, Iaiá Garcia, Aves de Arribação, Última Folha... a Dom Casmurro, O Atheneu... aos versos de – Árvore Seca, Nirvana, Uma Criatura, Veritas Veritatem, Benedicite...


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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."


Cecília Costa Junqueira



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Bomfim, Manoel, 1868-1932  
                O Brasil nação: vol. II / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 392 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 31).


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http://www.fundar.org.br/bbb/index.php/project/o-brasil-nacao-vol-ii-manoel-bonfim/


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