sábado, 14 de março de 2020

Stanislaw PP - FeBeAPá: Um cara legal

O Festival de Besteira

O Maior Festival de Besteira que já Assolou e voltou Assolar o País


II Parte




Um cara legal




O Carlão era um cara meio trapalhão, desses que cruzam cabra com periscópio pra ver se arrumam um bode espiatório. Vivia confortavelmente instalado num apartamento pequeno, porém indecente, e tinha dinheiro para gastar com o chamado supérfluo. De vez em quando dava umas festinhas em casa e convidava um monte da vida-torta e umas garotinhas dessas que mastigam chiclete de bola com a alegria de retirante quando pega um punhado de farinha. Dessas mocinhas assim no estilo “noiva de Drácula”, isto é, que usam batom branco e estão sempre com uma alegre coloração de defunto.

Aquele dia, era um dia especial, pois o Carlão fazia anos e ia ter festinha de arromba. As armas do crime já estavam todas na geladeira: Coca-Cola, Guaraná, rum, vodca, cervejinha — tudo para tomar com bolinhas fabricadas pelos mais categorizados laboratórios bromatológicos do Brasil. Tinha até uns cigarrinhos diferentes, com cheiro de pano queimado.

Os distintos convidados eram o fino. Pelos apelidos a gente via que a turma era pinta-brava: Bomba-d’Água, Puxa Firme, Sutileza, Julinha Toda Hora, Dedão, Mariazinha Vapor, Odete Prize, Creuza Deixa Pra Mais Tarde etc. etc. O grupo foi chegando e já estava a vitrolinha esquentando, a tocar “Gasparzinho”, “Olha o Brucutu”, “Help” e outras partituras do mesmo valor musical. Na salinha apertada os pares escorregavam o maior surf em trejeitos que só ultimamente são usados na vertical.

A festa já ia pelo meio, quando tocaram a campainha. Era a primeira coisa que se tocava ali que cantor nenhum da Jovem Guarda tinha gravado. Carlão abriu a porta, saiu aquele bafo de fumaça que mais parecia aviso de índio, e quando a fumaça se esvaiu, surgiu por trás dela um velhinho que morava no mesmo andar e que vinha reclamar o barulho. O Carlão mandou o velhinho entrar e a turma envolveu o recém-chegado, que foi logo cumprimentando todos e engrenou um papo-furado muito interessante. Meia hora depois o velhinho estava tão à vontade que rebolava frente a frente com Creuza Deixa Pra Mais Tarde um surf legalérrimo, aos gritos incentivadores de “boa, velhinho”, “dá-lhe, coroa”, “sacode, vovô” e outros que tais. Nisso a campainha tocou outra vez.

Nisso a campainha tocou outra vez.

“Diabo de campainha que tá tocando mais que disco de Roberto Carlos”, pensou o Carlão. E foi abrir. Agora não era um velhinho. Era uma velhinha. Uma velhinha que também morava no mesmo andar, por sinal que no apartamento do velhinho, em suma, pra que fazer suspense, não é mesmo? A velhinha era casada com o velhinho desde o tempo em que Papai Noel tinha barba preta. Foi o Carlão abrir a porta e ela espiar lá pra dentro e ver o folgado ancião badalando firme com a pistoleira acima citada.

Meus irmãos, o pau comeu! A velha até parecia porta-estandarte do Bloco Unidos do Cassetete, conhecida agremiação carnavalesca que, todo ano, desfila junto com as escolas de samba, usando uniforme da polícia e baixando o cacete em jornalista. Entre uma pernada e outra a velhinha abusava do baixo calão com vibrante personalidade. A falecida mãe do velhinho nunca foi tão premiada com xingação.

Foi quando apareceu o síndico do edifício. A coisa já tinha entrado na faixa do escândalo. Gente no corredor, vizinhos nas janelas em frente. Com a sua autoridade no prédio, o síndico agarrou a velha pela saia e separou a briga. Ela protestou:

— Ele é meu marido. Vive dizendo que essas dancinhas modernas deviam ser proibidas e olha só o sem-vergonha. Me larga que eu ensino a ele.

Um dos presentes tratou de esclarecer tudo:

— Espera aí, vovó. A senhora está estragando a festa. Afinal de contas foi aí o velho que nos convidou.

E a velha engoliu em seco, virou-se para o Carlão e quis saber:

— Verdade, Carlinhos?

Era. Mesmo com o olhar súplice do velho, Carlão dedurou o vizinho. Quem tinha planejado tudo fora o velhinho. Carlão dava a festa, ele chegava mais tarde, fingindo que ia reclamar e ficava no pagode. Só não contaram foi com a insônia da velha que, geralmente, dormia como uma pedra.

O Carlão ainda mora no local do crime. Os velhinhos eu ouvi dizer que se mudaram.





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SÉRGIO PORTO nasceu no Rio de Janeiro em 1923 e morreu na mesma cidade em 1968. Foi cronista, radialista, homem de teatro e TV, compositor. Conhecido nacionalmente por meio do pseudônimo Stanislaw Ponte Preta, publicou, além de Febeapá, coletâneas de crônicas, textos sobre futebol, entre outros.




Samba do Crioulo Doido 
- Stanislaw Ponte Preta (Sergio Porto) 
por Gilberto Bellini






Foi em Diamantina
Onde nasceu JK
Que a Princesa Leopoldina
Arresolveu se casá
Mas Chica da Silva
Tinha outros pretendentes
E obrigou a princesa
A se casar com Tiradentes

Lá iá lá iá lá ia
O bode que deu vou te contar
Lá iá lá iá lá iá
O bode que deu vou te contar

Joaquim José
Que também é
Da Silva Xavier
Queria ser dono do mundo
E se elegeu Pedro II
Das estradas de Minas
Seguiu pra São Paulo
E falou com Anchieta
O vigário dos índios
Aliou-se a Dom Pedro
E acabou com a falseta

Da união deles dois
Ficou resolvida a questão
E foi proclamada a escravidão
E foi proclamada a escravidão
Assim se conta essa história
Que é dos dois a maior glória
Da. Leopoldina virou trem
E D. Pedro é uma estação também

O, ô , ô, ô, ô, ô
O trem tá atrasado ou já passou




Demônios da Garoa







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