terça-feira, 10 de junho de 2025

Hannah Arendt - Origens do Totalitarismo: Parte I Antissemitismo (2. Os Judeus. O Estado-Nação e o nascimento do antissemitismo: 2.1[b])

Origens do Totalitarismo

Hannah Arendt

Parte I 
ANTISSEMITISMO

Este é um século extraordinário, que começa com a Revolução e termina com o Caso Dreyfus. Talvez ele venha a ser conhecido como o século da escória. 
 Roger Martin du Gard

continuando...

     Os primeiros governos a necessitarem de renda regular e de finanças seguras foram as monarquias absolutistas, sob as quais o Estado-nação viria a nascer. Antes, príncipes e reis feudais também necessitavam de dinheiro, e até mesmo de crédito, mas apenas para fins específicos e operações temporárias; mesmo no século XVI, quando os Fugger puseram seu próprio crédito à disposição do Estado, ainda não cogitavam de estabelecer crédito estatal especial. Inicialmente, os monarcas absolutos cuidavam de suas necessidades financeiras em parte pelo velho método de guerra e pilhagem, e em parte pelo sistema de monopólio de impostos, o que solapava o poder, pois arruinava as fortunas da nobreza, sem aplacar a hostilidade da população.
     Durante muito tempo, as monarquias absolutistas procuraram na sociedade um grupo do qual pudessem depender com a mesma segurança que a nobreza dava à monarquia feudal. Na França, desde o século XV desenvolvia-se incessante luta entre as corporações e a monarquia, esta querendo integrar aquelas no sistema do Estado. A mais interessante dessas experiências foi, sem dúvida, o surgimento do mercantilismo e as tentativas do Estado absolutista para impor o monopólio absoluto ao comércio e à indústria nacionais. O consequente desastre do Estado absolutista e a sua bancarrota provocada pela resistência da burguesia em ascensão são suficientemente conhecidos.[5]
     Antes dos éditos de emancipação, cada casa principesca, cada monarca da Europa, já possuía seu judeu-da-corte para administrar as finanças. Durante os séculos XVII e XVIII, esses judeus da-corte eram sempre indivíduos isolados, que mantinham, decerto, conexões intereuropeias e dispunham de fontes de crédito intereuropeias mas não constituíam entidade financeira internacional.[6] Os judeus individualmente e as primeiras ricas pequenas comunidades judaicas dispunham então de poder tão elevado que se permitiam abordar com maior franqueza não só as discussões sobre seus privilégios mas também sobre o direito de obtê-los, enquanto as autoridades se referiam de maneira muito cuidadosa à importância dos serviços que os judeus prestavam ao Estado.[7] Não há sombra de dúvida quanto à conexão entre os serviços prestados e privilégios concedidos. Na França, na Baviera, na Áustria e na Prússia os judeus privilegiados recebiam títulos de nobreza, de modo que ultrapassavam o status de meros homens ricos. Sobrepujadas as dificuldades enfrentadas pelos Rothschild em conseguir o título de nobreza (aprovado pelo governo austríaco em 1817), findava cabalmente uma época.
     Em fins do século XVIII já era evidente nos vários países que nenhuma das camadas ou classes estava desejosa ou tinha capacidade de tornar-se classe governante, isto é, de identificar-se com o governo como a nobreza o havia feito no decorrer dos séculos.[8] O fato de a monarquia não ter conseguido encontrar uma classe que substituísse a aristocracia dentro da sociedade levou ao rápido desenvolvimento do Estado-nação e à presunção de que esse sistema estivesse acima de todas as classes, completamente independente da sociedade com sua pluralidade de interesses particulares que a perfaziam — enfim, o verdadeiro e único representante da nação como um todo. Esse sistema resultou, por outro lado, no aprofundamento da brecha entre o Estado e a sociedade, na qual repousava a estrutura política da nação. Sem essa brecha, não seria necessário nem possível incluir os judeus na história europeia em termos de igualdade.
     Quando falharam todas as tentativas de aliar-se a uma das classes principais da sociedade, restou ao Estado impor-se como poderosa empresa comercial. O crescimento dos negócios estatais foi causado pelo conflito entre o Estado e as forças financeiramente poderosas da burguesia, que preferiu dedicar-se ao investimento privado, evitando a intervenção do Estado e recusando-se a participar de maneira ativa no que lhe parecia ser empresa "improdutiva". Foram assim os judeus a única parte da população disposta a financiar os primórdios do Estado e a ligar seu destino ao desenvolvimento estatal. Com o seu crédito e suas ligações internacionais, estavam em excelente posição para ajudar o Estado nação a afirmar-se entre os maiores empregadores e empresas da época.[9] 
     Acentuados privilégios e mudanças decisivas na condição da vida dos judeus constituíam o preço pela prestação de tais serviços e, ao mesmo tempo, a recompensa por grandes riscos. Quando os Münzjuden — judeus financistas __de Frederico da Prússia ou os judeus-da-corte do imperador austríaco receberam, sob forma de "privilégios gerais" e "patentes", o mesmo status que, meio século mais tarde, todos os judeus da Prússia receberiam com o nome de emancipação e igualdade de direitos; quando, no fim do século XVIII, no ápice de sua fortuna, os judeus de Berlim conseguiram impedir o influxo dos judeus das províncias orientais — ex-polonesas — do império germânico, porque não desejavam dividir a sua "igualdade" com os correligionários mais pobres e menos cultos, os quais não reconheciam como iguais; quando, ao tempo da Assembleia Nacional Francesa, os judeus de Bordeaux e de Avignon protestaram violentamente contra a concessão de igualdade, por parte do governo francês, aos judeus das províncias orientais — Alsácia principalmente —, ficou claro que os judeus não pensavam em termos de direitos iguais, mas, sim, de privilégios e liberdades especiais. E realmente não nos surpreende que os judeus privilegiados, intimamente ligados aos negócios de governos e bem conscientes da natureza e condição de seu status, relutassem em aceitar a outorga para todos os judeus dessa liberdade, que eles conseguiram em troca por seus serviços, e a qual, portanto, vista sob esse aspecto, não podia, segundo eles, tornar-se um direito a ser compartilhado por todos.[10]
     Só no fim do século XIX o imperialismo em evolução levou as classes proprietárias à mudança da opinião inicial sobre a suposta improdutividade dos negócios estatais. A expansão imperialista, juntamente com o gradativo aperfeiçoamento dos instrumentos de violência monopolizados de modo absoluto pelo Estado, tornou interessantes os negócios comerciais com o Estado como parceiro. Isso significou, naturalmente, que os judeus, gradual mas automaticamente, perderam sua posição exclusiva e singular.
     Mas a boa sorte dos judeus e a sua saída da obscuridade para a importância política teriam sido mais breves, se eles se houvessem restringido a meras funções comerciais dentro do Estado nação em crescimento. Em meados do século XIX, alguns Estados adquiriram suficiente crédito para dispensar o financiamento e a garantia dos judeus para seus empréstimos.[11] Ademais, a crescente consciência por parte dos cidadãos de que seus destinos particulares se tornavam cada vez mais dependentes dos destinos do país fez com que eles se dispusessem a conceder ao governo mais crédito necessário. A própria igualdade era simbolizada pelo fato de qualquer um poder comprar papéis do governo — ações, apólices, bônus etc. —, já considerados a mais segura modalidade de investir capital, na medida em que o Estado, totalmente soberano para travar guerras e dispor da vida dos súditos, tornou-se a única entidade que podia realmente proteger as propriedades dos cidadãos. A partir de meados do século XIX, os judeus mantiveram posição de destaque porque ainda desempenhavam papel importante, intimamente ligado à participação nos destinos do Estado. Sem território e sem governo próprios, os judeus constituíam elemento intereuropeu; e o Estado-nação necessariamente conservava-lhes essa condição, porque dela dependiam os serviços financeiros prestados por judeus. Mas, mesmo após o desaparecimento da sua utilidade econômica, a condição intereuropeia dos judeus continuava sendo de suma importância para o Estado, principalmente em tempo de conflitos e guerras entre as nações.
     Enquanto a necessidade dos serviços dos judeus aos Estados-nações surgira de modo lento e lógico, evoluindo a partir do contexto geral da história da Europa, a ascensão dos judeus à posição de destaque político e econômico foi súbita e inesperada, tanto para eles próprios como para os seus vizinhos. No fim da Idade Média, o emprestador de dinheiro judeu perdeu a sua antiga importância, e já no começo do século XVI os judeus começaram a ser expulsos de cidades e centros comerciais para lugarejos e vilas do interior, trocando assim a uniforme proteção das autoridades centrais por uma posição insegura, concedida desigualmente por pequenos nobres locais.[12] O momento crítico surgiu no século XVII quando, durante a Guerra dos Trinta Anos, esses judeus, insignificantes e dispersos emprestadores de dinheiro, podiam garantir, com o auxílio de judeus mercadores, provisões para os exércitos mercenários dos chefes guerreiros situados em terras ocupadas e estranhas. Como essas guerras eram semifeudais e mais ou menos particulares dos príncipes, sem envolver quaisquer interesses de outras classes, o que os judeus ganhavam em status era muito limitado e quase imperceptível. Mas o número de judeus-da-corte aumentava, porque cada casa feudal precisava do seu financista particular.
     Esses judeus-da-corte eram servos de um grupo social apenas: serviam tão-só a pequenos senhores feudais, que, como membros da nobreza, não aspiravam a representar qualquer autoridade centralizada. As propriedades que administravam, o dinheiro que emprestavam e as provisões que compravam constituíam problemas particulares do senhor, de modo que essas atividades não podiam envolver os judeus em questões políticas. Portanto, odiados ou favorecidos, os judeus tampouco podiam transformar-se em questão política de alguma importância.
     Quando, contudo, mudou o status do senhor feudal, quando ele se tornou príncipe ou rei, alterou-se também a função do judeu-da-corte. Os judeus, como elementos estranhos, desinteressados pelas mudanças, mal percebiam a gradativa melhora de sua posição. No que lhes tocava, continuavam a administrar negócios privados, e sua lealdade continuava a ser questão pessoal, que nada tinha a ver com considerações políticas. A lealdade significava honestidade: não obrigava a tomar partido nos conflitos ou a permanecer fiel por motivos políticos. Comprar provisões, vestir e alimentar um exército, emprestar dinheiro para o recrutamento de mercenários refletia apenas o interesse pelo bem-estar de um sócio comercial, fosse ele quem fosse.
     O tipo de relação entre os judeus e a aristocracia impediu que o grupo judeu se ligasse a outra camada da sociedade. Depois que desapareceu, no começo do século XIX, nunca foi substituído. Como seu vestígio, entre os judeus permaneceu a inclinação por títulos aristocráticos (especialmente na Áustria e na França) e, no tocante aos não-judeus, uma espécie de antissemitismo liberal, que colocava judeus e nobreza no mesmo nível, por alegar que ambos se aliavam financeiramente contra a burguesia em ascensão. Esses argumentos, correntes na Prússia e na França, eram plausíveis antes da emancipação geral dos judeus, pois os privilégios dos judeus-da-corte realmente se assemelhavam aos direitos e às liberdades da nobreza; os judeus demonstravam o mesmo medo da aristocracia de perder os seus privilégios, e usavam os mesmos argumentos contra a igualdade de todos. A plausibilidade tornou-se ainda maior quando, no século XVIII, à maioria dos judeus privilegiados foram outorgados títulos menores de nobreza e, no começo do século XIX, quando os judeus ricos, tendo perdido seus laços com as comunidades judaicas, buscaram status social seguindo o modelo da aristocracia. Mas tudo isso era inconsequente, primeiro, porque já era óbvio que a nobreza estava em declínio, enquanto os judeus, ao contrário, subiam continuamente em sua posição social; e, segundo, porque a própria aristocracia, especialmente na Prússia, veio a ser a primeira classe a esboçar uma ideologia baseada no antissemitismo.
     Os judeus eram fornecedores em tempo de guerra, mas, embora servos do rei, jamais participavam dos conflitos; nem se esperava que o fizessem. Quando os conflitos cresceram e se tornaram guerras nacionais, eles continuaram mantendo a característica de grupo internacional, cuja importância e utilidade decorriam precisamente do fato de nunca se terem ligado a qualquer causa nacional. Não sendo mais banqueiros estatais nem fornecedores em tempo de guerra (a última guerra financiada por um judeu foi a guerra austro-prussiana de 1866, quando Bleichroeder ajudou Bismarck, depois que o parlamento da Prússia negou a este último os créditos necessários), os judeus tornaram-se consultores financeiros e assistentes em tratados de paz e, de modo menos organizado e mais indefinido, mensageiros e intermediários na transmissão de notícias. Os últimos tratados de paz elaborados sem assistência judaica foram os do Congresso de Viena, entre a França e as demais potências da Europa. O papel de Bleichroeder nas negociações de paz entre a Alemanha e a França em 1871 foi mais significativo do que seu auxílio na guerra, e ele prestou serviços ainda mais importantes no fim da década de 1870, quando, através1 de suas ligações com os Rothschild, proporcionou a Bismarck um meio de comunicação indireta com Benjamin Disraeli.[13] Os tratados de paz após a Primeira Guerra Mundial foram os últimos nos quais os judeus desempenharam papel proeminente como consultores. O último judeu que deveu sua ascensão no cenário nacional à sua conexão judaica internacional foi Walter Rathenau, ministro do Exterior da República de Weimar. Como disse um de seus colegas após o seu assassinato por nacionalistas antissemitas, Rathenau pagou com a vida o fato de ter transferido aos ministros da nova república, completamente desconhecidos no âmbito internacional, seu prestígio no mundo internacional das finanças e o apoio dos judeus em todo o mundo.[14]
     É óbvio que os governos antissemitas não usassem os judeus para os negócios de guerra e paz. Mas a eliminação dos judeus do cenário internacional tinha um significado mais amplo e mais profundo do que o antissemitismo propriamente dito. Os judeus eram valiosos na guerra na medida em que, usados como elemento não-nacional, asseguravam as possibilidades de paz; isto é, enquanto o objetivo dos beligerantes nas guerras de competição era a paz de acomodação e o restabelecimento do modus vivendi. Mas, quando as guerras tornaram-se ideológicas, visando a completa aniquilação do inimigo, os judeus deixaram de ser úteis. Já isso levaria à destruição de sua existência coletiva, embora seja necessário frisar que seu desaparecimento do cenário político, e até mesmo a extinção da vida grupai específica, não conduzia necessariamente ao extermínio físico dos judeus. Contudo, é verdadeiro apenas parcialmente o argumento de que os judeus alemães se teriam tornado nazistas, se isso lhes fosse permitido, com a mesma facilidade com que o fizeram seus concidadãos "arianos", como, aliás, os judeus italianos se alistavam no partido fascista da Itália antes que o fascismo italiano introduzisse a legislação racial. Essa asserção é verdadeira apenas com relação à psicologia dos judeus tomados individualmente, psicologia que não diferia muito da então reinante ao redor, mas é patentemente falsa no sentido histórico. O nazismo, mesmo sem pregar o antissemitismo, teria levado o golpe de misericórdia na existência do povo judeu na Europa, e seria suicídio para os judeus como povo apoiá-lo, mesmo que não o fosse necessariamente para indivíduos de origem judaica.
     A primeira contradição que marcou o destino dos judeus da Europa durante os últimos séculos é aquela entre a igualdade e o privilégio — isto é, entre a igualdade concedida sob a forma de privilégio e o privilégio como meio para alcançar a igualdade. A esta, é preciso acrescentar uma segunda contradição: os judeus, o único povo não-nacional da Europa, foram mais ameaçados que quaisquer outros pelo colapso do sistema de Estados nacionais. A situação é menos paradoxal do que pode parecer à primeira vista. Os representantes da nação, fossem jacobinos de Robespierre a Clemenceau ou representantes dos governos reacionários da Europa central desde Metternich até Bismarck, tinham algo em comum: todos estavam sinceramente preocupados com o "equilíbrio do poder" na Europa. Buscavam, naturalmente, mudar esse equilíbrio em favor de seus respectivos países, mas jamais sonhariam com o monopólio do poder que levasse à aniquilação dos seus competidores. Os judeus não apenas podiam ser usados no interesse desse precário equilíbrio, mas se tornaram até uma espécie de símbolo dos interesses comuns das nações europeias.
     Não foi, portanto, mero acidente que as derrotas dos povos da Europa foram antecedidas pela catástrofe do povo judeu. Era fácil iniciar a dissolução do precário equilíbrio de forças na Europa a partir da eliminação dos judeus, embora fosse difícil compreender que essa eliminação transcendia o nacionalismo inusitadamente cruel ou a inoportuna restauração de "velhos preconceitos". Quando veio a hecatombe, o destino do povo judeu passou a ser considerado um "caso especial", cuja história seguia leis excepcionais e cuja sorte, portanto, por depender de "determinismo" histórico, não era relevante. Mas a esse colapso da solidariedade europeia correspondeu o colapso da solidariedade interjudaica em toda a Europa. Quando começou a perseguição aos judeus alemães, os judeus dos outros países desse continente descobriram que os judeus da Alemanha constituíam uma exceção, cujo destino não se assemelhava ao seu. Do mesmo modo, o colapso da comunidade judaica alemã foi precedido pela fragmentação em numerosas facções, cada qual acreditando que seus direitos humanos seriam protegidos por privilégios especiais — o privilégio de ter sido veterano da Primeira Grande Guerra, ou filho de veterano, ou filho do soldado morto em combate pela pátria. Cada grupo julgava constituir uma exceção. A aniquilação física dos indivíduos de origem judaica parece então estar sendo precedida pela destruição moral do grupo e pela autodissolução comunitária, como se o povo judeu devesse sua existência exclusivamente aos outros povos e ao ódio que deles emanava.

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[5] Contudo, dificilmente pode ser superestimada a influência das experiências mercantilistas em acontecimentos futuros. A França foi o único país onde o sistema mercantilista foi seriamente experimentado e resultou no precoce florescimento de manufaturas que deviam sua existência à intervenção do Estado — e o país jamais se recuperou disso. Na era da livre iniciativa, sua burguesia evitava investimentos não garantidos em indústria, enquanto que sua burocracia, também produto do sistema mercantilista, sobreviveu ao colapso. Embora a burocracia tenha perdido todas as suas funções produtivas, é, ainda hoje, característica do país, dificultando mais que a burguesia a sua recuperação.
[6] Esse havia sido o caso na Inglaterra desde o banqueiro marrano da rainha Elizabeth e os financistas judeus dos exércitos de Cromwell, até que um dos doze corretores judeus admitidos na Bolsa de Londres foi apontado como agenciador de um quarto de todos os empréstimos governamentais de seu tempo (ver Saio W. Baron, A social and religious history of the Jews, 1937, vol. II: Jews and capitalism); na Áustria, onde em 44 anos (1695-1739) os judeus creditaram ao governo mais de 35 milhões de florins, e onde a morte de Samuel Oppenheimer em 1703 resultou numa grave crise financeira tanto para o Estado como para o imperador; na Baviera, onde em 1808 quase 80% de todos os empréstimos governamentais eram endossados e negociados por judeus [ver M. Grunwald, Samuel Oppenheimer und sein Kreis (S. O. e seu círculo), 1913]; na França, onde as condições mercantis eram especialmente favoráveis aos judeus, a ponto de Colbert já ter louvado sua grande utilidade para o Estado (Baron, op. cit., loc. cit.), e onde, em meados do século XVIII, o judeu alemão Liefman Calmer recebeu um baronato de um rei agradecido, que apreciava serviço e lealdade a "Nosso Estado e Nossa pessoa" (Robert Anchel, no ensaio "Un baron juif français au18éme siècle, Liefman Calmet", publicado em Souvenir et Science, (1930, pp. 52-5); e também na Prússia, onde os Münzjuden (judeus cunhadores de moedas) de Frederico II tinham títulos de nobreza e onde, no fim do século XVIII, quatrocentas famílias judias constituíam um dos grupos mais ricos de Berlim. [Uma das melhores descrições de Berlim e do papel dos judeus em sua sociedade no limiar do século XVIII pode ser encontrada em Wilhelm Dilthey, Das Leben Schleier-machers [A vida de S.], 1870, pp. 182 ss.].
[7] No começo do século XVIII, os judeus austríacos conseguiram banir o Entdecktes Ju-dentum [O judaísmo desnudo], de Eisemenger, de r703, e, no fim desse século, O mercador de Veneza de Shakespeare só podia ser representado em Berlim com um pequeno prólogo em que se pediam desculpas ao público judeu. 
[8] A única e irrelevante exceção é constituída pelos coletores de impostos, chamados fer-miers-généraux, da França, que alugavam do Estado o direito de cobrar impostos, garantindo uma quantia fixa ao governo. Ganhavam da monarquia absoluta elevadas fortunas, e dela dependiam diretamente, mas eram numericamente por demais insignificantes como grupo, e por demais efêmeros como fenômeno, para exercerem influência econômica de per si.
[9] As necessidades que estreitavam os laços entre os governos estatais e os judeus podem ser avaliadas pela ambivalência entre as ideias antijudaicas e a prática política do governo que as professava. Assim, Bismarck, em sua juventude, fez alguns discursos antissemitas, mas veio a tornar-se, como chanceler do Reich, amigo íntimo de Bleichroeder e fiel protetor dos judeus contra o movimento antissemita de Stoecker em Berlim. Guilherme II, embora, como príncipe da Coroa e membro da antijudaica nobreza prussiana, tenha simpatizado com os movimentos antissemitas da década de 80, mudou suas convicções e abandonou seus protegidos antissemitas da noite para o dia, quando subiu ao trono.
[10] Já no século XVIII, onde quer que grupos de judeus se tornassem suficientemente ricos para serem úteis ao Estado, gozavam de privilégios coletivos e separavam-se, como grupo, de seus irmãos menos ricos e menos úteis, ainda que fosse no mesmo país. Como os Schutzjuden (judeus protegidos) da Prússia, os judeus de Bordeaux e de Bayonne na França gozavam de igualdade muito antes da Revolução Francesa, e foram até convidados a apresentar suas queixas e proposições, juntamente com os outros grupos, na Convocation des Etats Généraux de 1787.
[11]  Jean Capefigue (/fíííojre des grandes opérationsfinancières, vol. III: Emprunts bourses etc, 1855) pretende que, durante a Monarquia de Julho, só os judeus, e especialmente a casa dos Rothschild, invalidaram a solidificação do crédito e&tatal baseado no Banco da França. Diz ele que os acontecimentos de 1848 tornaram supérfluas as atividades dos Rothschild. Raphael Strauss ("The Jews in the economic evolution of Central Europe", em Jewish Social Studies, III, 1, 1941) observa também que, depois de 1830, "o crédito público já se tornava risco menor, de modo que bancos cristãos começaram a entrar no negócio cada vez mais". Contra essas interpretações há o fato de que prevaleciam excelentes relações entre os Rothschild e Napoleão III, embora não possa haver dúvida quanto à tendência geral da época.
[12]  Ver Priebatsch, op. cit.
[13]  De acordo com um incidente, fielmente relatado por todos os seus biógrafos, Bismarck disse logo apôs a derrota francesa de 1871: "Antes de mais nada, Bleichroeder tem de ir a Paris reunir-se com os seus colegas judeus e discutir o assunto [os 5 bilhões de francos de reparação] com os banqueiros". (Ver Otto Joehlinger, flismarc/fc unddieJuden[B. e os judeus], Berlim, 1921.)
[14] Ver o estudo de Walter Frank, "Walter Rathenau und die blonde Rasse" [W. R. e a raça loira], em ForschungenzurJudenfrage [Pesquisas da questão judaica], vol. IV, 1940. Frank, a despeito de sua posição nazista, não deixou de ser cuidadoso na escolha das fontes e métodos. Nesse artigo, ele cita os obituários de Rathenau no Israelitisches Familienblatt (Hamburgo, 6 de julho de 1922). Die Zeit (junho de 1922) e Berliner Tageblatt (31 de maio de 1922).

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