quarta-feira, 18 de junho de 2025

Marcel Proust - O Caminho de Guermantes (1a.Parte - Mas como essa ternura parecia irritar)

em busca do tempo perdido

volume III
O Caminho de Guermantes

Primeira Parte

continuando...

     Mas como essa ternura parecia irritar Robert, a Sra. de Marsantes arrastou o filho para o fundo do salão, onde, num desvão forrado de seda amarela, algumas poltronas de Beauvais condensavam seus panejamentos violáceos como íris purpurinos num campo de botões-de-ouro.
     A Sra. Swann, achando-se sozinha e tendo compreendido que eu era ligado a Saint-Loup, me fez sinal para que fosse para junto dela. Não a tendo visto há bastante tempo, não sabia de que lhe falar. Não perdia de vista o meu chapéu, entre todos os que se encontravam no tapete, mas perguntava-me, com curiosidade, a quem poderia pertencer um que não era o do duque de Guermantes, em cuja copa a letra G estava superada pela coroa ducal. Eu sabia quem eram todos os visitantes e não achava um só a quem pudesse pertencer o tal chapéu.

- Como é simpático o Sr. de Norpois - disse eu à Sra. Swann, apontando-o. 
- É verdade que Robert de Saint-Loup me disse que é uma peste, mas... 
- Ele tem razão - respondeu ela. 

     E, vendo que seu olhar refletia algo que estava me escondendo, apertei-a com perguntas. Talvez satisfeita por parecer estar muito ocupada com uma pessoa naquele salão, onde não conhecia quase ninguém, ela me levou para um canto.

- Aqui está o que, com certeza, o Sr. de Saint-Loup quis lhe dizer - respondeu ela -, mas não o repita, pois ele me acharia indiscreta e eu faço muita questão de sua estima, sou muito "cavalheiro", você sabe. Ultimamente Charlus tem jantado na casa da princesa de Guermantes; não sei como, falaram de você. O Sr. de Norpois lhes teria dito uma estupidez, não vá se inquietar com isso, ninguém deu importância, sabiam muito bem de que boca saía aquilo que você era um adulador meio histérico. Já falei bem antes do meu espanto que um amigo de meu pai, como era o Sr. de Norpois, pudesse se exprimir dessa maneira ao falar de mim. Experimentei um espanto maior ao saber que minha emoção daquele dia antigo, quando falara da Sra. Swann e de Gilberte, era conhecida da princesa de Guermantes, de quem me julgava ignorado. 

     Cada uma de nossas ações, de nossas palavras, de nossas atitudes, está separada do "mundo", das pessoas que não as perceberam diretamente, por um meio cuja permeabilidade varia ao infinito e nos permanece desconhecida; tendo sabido pela experiência que determinada frase importante que vivamente desejáramos fosse difundida (como aquelas, tão entusiastas, que eu outrora dizia a todo mundo em qualquer ocasião a respeito da Sra. Swann, pensando que entre tantos bons grãos disseminados se encontraria um que germinasse), sucedera, muitas vezes devido ao nosso próprio desejo, ficar imediatamente sepultada, com muito mais razão estávamos longe de crer que certa palavra minúscula, que havíamos esquecido, e até mesmo jamais pronunciada por nós e formada a meio caminho pela refração imperfeita de uma palavra diferente, seria transportada, sem que sua marcha nunca se detivesse, a distâncias infinitas no caso, até a residência da princesa de Guermantes e fosse divertir às nossas custas o festim dos deuses. O que recordamos de nossa conduta permanece ignorado do nosso vizinho mais próximo; o que esquecemos haver dito, ou mesmo aquilo que nunca dissemos, vai causar hilaridade até em outro planeta, e a ideia que os outros fazem de nossos feitos e gestos já não se parece com a que nós próprios deles nos fazemos, assim como um desenho a um decalque mal feito e onde, ora a um traço negro corresponderia um espaço vazio, e a um branco um contorno inexplicável. Além do mais, pode ocorrer que o que não foi reproduzido seja um traço irreal que só vemos por complacência, e que, ao contrário, o que nos parece acrescentado nos pertença de verdade, mas de modo tão essencial que nos escapa inteiramente. De modo que essa prova estranha que nos parece tão pouco semelhante tem às vezes o gênero de verdade, com certeza pouco lisonjeiro, mas profundo e útil, de uma fotografia de raios X. Não é motivo para que nos reconheçamos nela. Alguém que tem o hábito de sorrir ao espelho diante de seu belo rosto e ao seu belo torso, se lhe mostrarmos a sua radiografia, terá, diante dessa enfiada de ossos, indicada como sendo uma imagem de si mesmo, a mesma suspeita de erro daquele que visita uma exposição e que, diante do retrato de uma mulher jovem, lê no catálogo: Dromedário deitado. Mais tarde, essa discrepância, entre a imagem que desenhamos e a que é desenhada por outrem, devia eu descobri-la através de terceiros, que, vivendo devotamente em meio a uma coleção de fotografias que haviam tirado de si mesmos, enquanto à sua volta careteavam imagens horrendas, normalmente invisíveis para eles próprios, sentiam-se profundamente espantados, se por um acaso as mostravam, dizendo:

"É o senhor."

     Alguns anos antes, ficaria muito feliz em dizer à Sra. Swann "com que objetivo" me mostrara tão carinhoso para com o Sr. de Norpois, visto que esse "objetivo" era o desejo de conhecê-la. Porém não o sentia mais, não amava mais a Gilberte. Por outro lado, não conseguia identificar a Sra. Swann com a dama cor-de-rosa da minha infância. Assim, falei da mulher que me preocupava naquele momento. 

- Viu agora há pouco a duquesa de Guermantes? - perguntei à Sra. Swann. 

     Mas, como a duquesa não cumprimentava a Sra. Swann, esta queria dar a impressão de considerá-la uma pessoa sem importância e cuja presença nem sequer se percebe. 

- Não sei, não realizei - disse com ar desagradável, empregando uma palavra traduzida do inglês. 

     Entretanto, eu gostaria de obter informações não só a respeito da Sra. de Guermantes, mas sobre todas as criaturas que tinham relações com ela, e, exatamente como Bloch, com a falta de tato das pessoas que procuram, na conversação, não agradar os outros, mas elucidar egoistamente questões que lhes interessam, interroguei a Sra. de Villeparisis acerca da Sra. Leroi, para tentar imaginar perfeitamente a vida da Sra. de Guermantes. 

- Sim, eu sei - disse ela com desdém fingido -; é filha de um desses grandes comerciantes de madeira. Sei que ela agora dá recepções, mas estou muito velha para fazer novos conhecimentos. Conheci pessoas tão interessantes, tão gentis que, na verdade, creio que a Sra. Leroi não acrescentaria nada ao que já possuo.

     A Sra. de Marsantes, que fazia de dama de honra da marquesa, me apresentou ao príncipe e ainda não tinha acabado quando o Sr. de Norpois me apresentou igualmente nos mais calorosos termos. Talvez achasse cômodo fazer-me uma fineza que não punha em risco o seu crédito, já que eu acabava justamente de ser apresentado, talvez porque pensasse que um estranho, mesmo pessoa ilustre, estivesse menos a par dos salões franceses e quem sabe podia crer que o apresentavam a um rapaz da alta sociedade, talvez para exercer uma de suas prerrogativas, a de acrescentar o peso de sua própria recomendação de embaixador, ou pelo gosto arcaico de fazer reviver, em honra ao príncipe, o uso, lisonjeiro para essa Alteza, de que seriam necessários dois padrinhos para quem lhe quisesse ser apresentado.
     A Sra. de Villeparisis interpelou o Sr. de Norpois, sentindo a necessidade de me dizer, por meio dele, que nada lastimava em não conhecer a Sra. Leroi. 

- Senhor embaixador, não é verdade que a Sra. Leroi é uma pessoa sem interesse, muito inferior a todas estas que se encontram aqui e que tive razão em não atraí-la?

     Seja por independência, seja por cansaço, o Sr. de Norpois se limitou a responder por um cumprimento cheio de respeito, porém vazio de significado. 

- Senhor - disse-lhe rindo a Sra. de Villeparisis -, há pessoas bem ridículas. Creia que tive hoje a visita de um senhor que quis me fazer acreditar que tinha mais prazer em beijar a minha mão do que a de uma jovem.

     Compreendi imediatamente que se tratava de Legrandin. O Sr. de Norpois sorriu com um leve piscar de olho, como se se tratasse de uma concupiscência tão natural que não se poderia querer mal àquele que a sentia, quase um princípio de romance que estava prestes a absolver, até mesmo a encorajar, com uma indulgência perversa à Voisenon ou à Crébillon.

- Muitas mãos de jovens mulheres seriam incapazes de fazer o que vejo ali - disse o príncipe mostrando as aquarelas começadas pela Sra. de Villeparisis. E lhe perguntou se ela havia visto as flores de Fantin-Latour, que acabavam de ser expostas. 
- Elas são de primeira ordem e, como se diz hoje, de um belo pintor, de um dos mestres da palheta -declarou o Sr. de Norpois -; acho apenas que não podem sustentar comparação com as da Sra. de Villeparisis, onde reconheço melhor o colorido da flor. Mesmo considerando que a parcialidade de velho amante, o costume de lisonjear e as opiniões admitidas num círculo ditassem estas palavras ao antigo embaixador, elas entretanto provavam sobre que vazio de gosto genuíno repousa o julgamento artístico das pessoas da sociedade, tão arbitrário que uma ninharia as pode levar aos piores absurdos, quando não encontram pela frente nenhuma impressão verdadeiramente sentida. 
- Não tenho mérito algum em conhecer as flores, sempre vivi no campo - respondeu com modéstia a Sra. de Villeparisis. - Mas acrescentou graciosamente, dirigindo-se ao príncipe -, se desde muito jovem tive, sobre elas, noções um pouco mais sérias do que as outras crianças da roça, devo-as a um homem muito distinto do seu país, o Sr. de Schlegel. Conheci-o em Broglie, aonde minha tia Cordelia (a marechala de Castellane) seu filho me havia levado. Lembro-me muito bem que o Sr. Lebrun, o Sr. de Salvandy e o Sr. Doudan faziam-no falar sobre as flores. Eu era muito pequenina, não podia compreender bem o que ele dizia. Mas ele se divertia em me fazer brincar e, ao voltar ao seu país, enviou-me um belo herbário como lembrança de um passeio que tínhamos feito de phaéton ao Vai Richer, e onde adormeci sobre seus joelhos. Sempre guardei esse herbário, e ele me ensinou a reparar bem nas particularidades das flores, o que não teria percebido sem ele. Quando a Sra. de Barante publicou algumas cartas da Sra. de Broglie, bonitas e afetadas como o era ela própria, esperava eu encontrar ali algumas das conversas do Sr. de Schlegel. Mas tratava-se de uma mulher que só buscava na natureza argumentos para a religião. 

     Robert me chamou do fundo do salão, onde se achava com a mãe. 

- Tens sido gentil - disse-lhe eu. - Como te agradecer? Podemos jantar juntos amanhã? 
- Amanhã, se quiseres, mas então na companhia de Bloch; encontrei-o à porta; após um instante de frieza, pois eu, contra a minha vontade, deixara sem resposta duas cartas dele (não me disse que era isto o que o ofendera, mas o compreendi perfeitamente), mostrou-se de tal modo amável que não pude ser ingrato para um amigo assim.

     Entre nós, da sua parte pelo menos, sinto que é para a vida e para a morte.
     Não creio que Robert se enganasse de modo algum. A difamação furibunda era muitas vezes, em Bloch, o efeito de uma viva simpatia que ele julgava não lhe tributarem. E, como imaginava pouco a vida dos outros, não pensava que pudessem ter estado enfermos ou em viagem, etc.; um silêncio de oito dias lhe parecia decorrer de uma frieza intencional. Assim, eu jamais acreditara que suas piores violências de amigo e, mais tarde, de escritor fossem muito profundas. Exacerbava-se se lhe respondiam com uma dignidade glacial, ou uma trivialidade que o animava a redobrar os golpes, mas cedia com frequência a uma simpatia calorosa. 

- Quanto a ser gentil - continuou Saint-Loup -, pretendes que o tenho sido para contigo, mas não fui gentil de modo nenhum, minha tia disse que tu é que foges dela, que não lhe dizes uma só palavra. Ela se indaga se não tens algo em seu desfavor.

     Felizmente para mim, se me iludia com tais palavras, nossa partida para Balbec, que eu julgava iminente, me impediria de tentar ver de novo a Sra. de Guermantes, de lhe assegurar que nada tinha contra ela e, assim, colocá-la na necessidade de me provar que ela é quem tinha algo contra mim. Mas aquilo bastou-me para lembrar que ela nem sequer me convidara para ir ver os seus Elstirs. Além disso, não se tratava de uma decepção; absolutamente não esperava que ela me falasse nisso; sabia que não lhe agradava, que não podia esperar que me amasse; o máximo a que podia aspirar era que, graças à sua bondade, tivesse dela, já que não deveria revê-la antes de deixar Paris, uma impressão inteiramente afável, que eu levaria a Balbec indefinidamente prolongada, intacta, ao invés de uma recordação mesclada de tristeza e ansiedade.
     A todo momento a Sra. de Marsantes interrompia a conversa com Robert para me dizer o quanto ele lhe falara de mim, o quanto me estimava; tratava-me com uma solicitude que quase me dava pena, pois sentia-a ditada pelo temor de se zangar por minha causa com o filho, esse filho que ainda não vira hoje e com quem estava impaciente por se sentir a sós, e sobre quem, então, julgava que o império que exercia não se igualava ao meu, a que devia poupar. Tendo-me ouvido antes pedir a Bloch notícias do Sr. Nissim Bernard, seu tio, a Sra. de Marsantes indagou se era o mesmo que havia morado em Nice. 

- Nesse caso, conheceu ali o Sr. de Marsantes antes que se casasse comigo -respondera a Sra. de Marsantes. - Meu marido falou-me diversas vezes dele como de um homem excelente, de coração terno e generoso. 

"E dizer que uma vez ao menos ele não mentiu; é incrível!", teria dito Bloch.

     Durante todo esse tempo, desejaria dizer à Sra. de Marsantes que Robert sentia por ela infinitamente mais afeto que por mim e que, mesmo que ela me demonstrasse hostilidade, eu não era de natureza a procurar preveni-lo contra ela. Mas, desde que a Sra. de Guermantes partira, eu estava mais livre para observar Robert, e só então percebi que novamente uma espécie de cólera parecia ter-se erguido nele, aflorando-lhe ao rosto sombrio e endurecido. Temia eu que, à lembrança da cena da tarde, ele se sentisse humilhado diante de mim por ter se deixado tratar tão rudemente pela amante sem retrucar.
     Bruscamente, ele se arrancou de junto da mãe, que lhe passara um braço pelo pescoço e, vindo para mim, arrastou-me para trás do pequeno balcão florido da Sra. de Villeparisis, onde esta voltara a sentar-se, e fez me sinal para que o seguisse ao pequeno salão. Dirigia-me para lá com vivacidade quando o Sr. de Charlus, achando que me encaminhava para a saída, deixou de súbito o Sr. de Faffenheim, com quem estava conversando, e deu uma volta rápida que o pôs cara a cara comigo. Vi com inquietação que pegara o chapéu em cujo fundo havia um G e uma coroa ducal. No vão da porta do pequeno salão, disse-me sem me olhar: 

- Já que o senhor agora freqüenta a sociedade, dê-me então o prazer de ir visitar-me. Mas é bastante complicado - acrescentou com ar distraído e intencional, e, como se se tratasse de um prazer que ele temia não mais encontrar, uma vez que deixasse escapar a ocasião de combinar comigo os meios de realizá-lo. - Paro pouco em casa, seria necessário que o senhor me escrevesse. Porém preferiria lhe explicar isso com mais sossego. Vou sair dentro de um instante. Pode dar dois passos comigo? Não vou detê-lo mais que um momento. 
- Seria melhor que prestasse atenção, senhor - disse-lhe. - Por engano, pegou o chapéu de um dos visitantes. 
- Quer me impedir de pegar meu chapéu?

     Como o mesmo me acontecera um pouco antes, imaginei que alguém levara o seu chapéu e ele tomara um ao acaso para não voltar de cabeça descoberta, e eu o embaraçava ao revelar o seu ardil. Assim, não insisti. Disse-lhe que primeiro tinha de falar com Saint-Loup.

- Ele está falando com aquele idiota do duque de Guermantes - acrescentei. 
- É encantador o que o senhor diz, vou contá-lo ao meu irmão. 
- Ah, o senhor acha que isso pode interessar ao Sr. de Charlus? - (Imaginava que, se ele tinha um irmão, esse irmão deveria chamar-se também Charlus. Saint-Loup me dera algumas explicações a esse respeito em Balbec, mas eu as tinha esquecido.) 
- Quem é que está falando no Sr. de Charlus? - perguntou o barão num tom insolente. - Vá para junto de Robert. Sei que o senhor participou, esta manhã, de um desses almoços de orgia que ele tem com uma mulher que o desonra. O senhor deveria usar de sua influência sobre ele para lhe fazer compreender o desgosto que ele causa à sua pobre mãe, e a nós todos, arrastando o nosso nome na lama.

     Gostaria de lhe ter respondido que no almoço aviltante só se falara de Emerson, Ibsen, Tolstoi, e que a moça rogara a Robert que só bebesse água. A fim de dar um pouco de alívio a Robert, cujo orgulho julgava ferido, procurei desculpar a sua amante. Não sabia que naquele momento, apesar de encolerizado contra ela, era a si mesmo que dirigia as censuras. Mesmo nas brigas entre um homem bondoso e uma mulher malvada, e quando o direito está inteiramente de um lado, ocorre sempre que existe uma ninharia que pode dar à malvada a aparência de não estar errada num determinado ponto. E, como ela despreza todos os outros pontos, por pouco que o bondoso tenha precisão dela e seja desmoralizado pela separação, seu enfraquecimento o tornará escrupuloso, ele se lembrará das censuras absurdas que lhe foram feitas e se indagará se elas não terão algum fundamento. 

- Creio que andei errado nesse caso do colar - disse Robert. - E claro que não procurei com más intenções, mas sei muito bem que os outros não se colocam no mesmo ponto de vista que nós mesmos. Ela teve uma infância muito dura. Para ela eu sou, no entanto, o rico que julga que se pode conseguir tudo através do dinheiro, e contra quem o pobre não pode lutar, trate-se de influenciar Boucheron ou de ganhar um processo no tribunal. Sem dúvida, ela foi bem cruel comigo, que nunca procurei senão o seu bem. Mas percebo perfeitamente que ela acha que eu desejei lhe fazer sentir que se pode sujeitá-la pelo dinheiro, e isto não é verdade. Ela, que me ama tanto, que deverá estar pensando! Pobre querida, se soubesse, ela tem tamanhas delicadezas, não posso te dizer, muitas vezes ela fez coisas adoráveis para mim. Como deve se sentir desgraçada neste momento! Em todo caso, aconteça o que acontecer, não quero que ela me tome por um grosseirão, corro à casa de Boucheron a buscar o colar. Quem sabe, talvez ao ver que ajo assim, reconheça os seus erros. Estás vendo? A ideia de que ela sofre neste momento é o que não consigo suportar! O que a gente sofre, a gente sabe, não é nada. Mas ela, pensar que está sofrendo e não poder imaginá-lo; creio que ficaria louco, preferiria não vê-la nunca mais a deixá-la sofrer. Que seja feliz sem mim, se for preciso, é só o que peço. Escuta, sabes que, para mim, tudo que lhe diz respeito é imenso, assume algo de cósmico, corro para o joalheiro e depois vou lhe pedir perdão. Até chegar lá, que pensará ela de mim? Se ela ao menos soubesse que eu ia vê-la! Poderás passar na casa dela casualmente; quem sabe, tudo se acomodaria talvez. Talvez -disse ele com um sorriso, como se não ousasse crer num tal sonho- iremos todos os três jantar no campo. Mas não é possível saber ainda, nunca sei como tratá-la; pobre pequena, talvez vá machucá-la ainda. E depois, sua decisão talvez seja irrevogável.

     Arrastou-me bruscamente para a sua mãe. 

- Adeus - disse-lhe -; sou obrigado a partir. Não sei quando voltarei de licença, sem dúvida não antes de um mês. Escreverei logo que souber.

     Certamente Robert não era desses filhos que, quando estão na sociedade com a mãe, julgam que uma atitude exasperada em relação a ela deve compensar os sorrisos e cumprimentos que dirigem aos estranhos. Nada é mais comum que essa odiosa vingança dos que parecem achar que a grosseria em relação à família completa naturalmente o tom de cerimônia. Diga o que diga a pobre mãe, o filho, como se levado sem querer e como desejando fazê-la pagar caro a sua presença, refuta imediatamente com uma contradição irônica, precisa, cruel, a asserção timidamente arriscada; a mãe adota logo, sem por isso desarmá-lo, a opinião daquele ser superior que ela continuará a enaltecer a todos, na sua ausência, como sendo um temperamento delicioso e que, no entanto, não lhe poupa nenhum dos dardos mais agudos. Saint-Loup era bem diferente, mas a angústia provocada pela ausência de Rachel fazia que, por motivos diversos, ele se comportasse não menos duramente com a mãe. E às palavras que pronunciou, vi a mesma palpitação, semelhante ao de uma asa, que a Sra. de Marsantes não pudera reprimir à chegada do filho, soerguê-la toda; mas agora era uma fisionomia ansiosa e uns olhos desolados o que ela lhe dirigia. 

- Como, Robert, vais embora? É sério? Meu filhinho! No único dia em que poderia estar contigo!

     E baixinho, no tom mais natural, com uma voz de que se esforçava por banir toda tristeza para não inspirar ao filho uma piedade que talvez fosse cruel para ele, ou inútil, e servisse apenas para irritá-lo, como um argumento de simples bom senso, acrescentou: 

- Sabes que não é gentil o que estás fazendo.

     Mas a essa simplicidade ajuntava tanta timidez, para lhe mostrar que não tolhia a sua liberdade, tanta ternura para que ele não a censurasse por atrapalhar os seus divertimentos, que Saint-Loup não pôde deixar de perceber em si mesmo a possibilidade de um enternecimento, ou seja, um obstáculo para passar o resto da noite com a amiga. Assim, enraiveceu-se: 

- É lamentável, mas, gentil ou não, é assim.

     E fez à mãe as censuras de que sem dúvida se sentia talvez merecedor. É assim que os egoístas têm sempre a última palavra; tendo estabelecido, em primeiro lugar, que a sua resolução é inabalável, quanto mais tocante é o sentimento para o qual lhes apelam com o fim de que renunciem a tal resolução, tanto mais condenáveis julgam, não a si próprios, que lhe resistem, mas aqueles que os põem diante da necessidade de lhe resistir, de modo que sua própria dureza pode chegar à mais extrema crueldade sem que isso, a seus olhos, não faça mais que agravar a culpa da pessoa bastante indelicada para sofrer, para ter razão, e assim covardemente lhes causar a dor de agir contra sua própria piedade. Aliás, por si mesma a Sra. de Marsantes deixou de insistir, pois sentia que não poderia retê-lo. 

- Deixo-te - disse-me ele -; mas não o prenda por muito tempo, mamãe, pois ele precisa fazer uma visita daqui a pouco.

     Percebia eu muito bem que minha presença não podia dar nenhum prazer à Sra. de Marsantes, mas preferia, não saindo com Robert, que ela não me julgasse misturado a esses prazeres que a privavam da sua companhia. Gostaria de encontrar alguma desculpa para a conduta do filho, menos por afeto a ele do que por piedade dela. Mas foi ela quem falou primeiro: 

- Pobre filhinho - disse -, estou certa de que o magoei. Veja, meu senhor, as mães são tão egoístas, e ele, no entanto, tem tão poucos divertimentos, já que vem poucas vezes a Paris. Meu Deus, se ele ainda não saiu, gostaria de ir ao seu encontro, decerto que não para retê-lo, mas para lhe dizer que não lhe quero mal, que acho que ele tem razão. Não se incomoda que eu vá olhar na escada?

     E fomos até lá: 

- Robert, Robert! - gritou ela. - Não, já se foi, é tarde demais.

continua na página 125...
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