Elias Canetti
O VENTO
Sua força varia e, com ela, varia também a sua voz. O vento pode gemer ou uivar, alto ou baixo; poucos são os sons que ele é incapaz de produzir. Assim, causa ainda a impressão de algo vivo, muito tempo depois de outros fenômenos naturais terem perdido para os homens o seu caráter animado. Além de sua voz, o que mais chama a atenção no vento é sua direção. A fim de nomeá-lo, é importante saber de onde ele vem. Como o vento circunda inteiramente as pessoas, suas rajadas são sentidas fisicamente: as pessoas sentem-se dentro do vento, que tem algo de abrangente e, nas tempestades, faz rodopiar em seu interior tudo quanto apanha.
O vento é invisível, mas o movimento que empresta às nuvens e às
ondas, às folhas e à grama constitui uma de suas manifestações, e elas
são muitas. Nos hinos dos Vedas, os deuses da tempestade — os maruts
— figuram sempre no plural. Três vezes sete ou três vezes sessenta é o
número em que existem. São todos irmãos, têm a mesma idade,
habitam o mesmo local e nasceram no mesmo lugar. O ruído que
produzem é o trovão e o uivar do vento. Eles sacodem as montanhas,
tombam árvores e engolem as florestas qual elefantes selvagens.
Frequentemente são chamados também os “cantores” — o canto do
vento. São poderosos, furiosos e terríveis como leões, mas são também
alegres e dispostos a brincar feito crianças ou bezerros.
A equiparação antiguíssima da respiração com o vento comprova de
que forma concentrada este último é sentido. Ele possui a densidade da
respiração. Precisamente devido à sua invisibilidade, o vento revela-se
adequado para representar as massas invisíveis. Assim é que é atribuído
aos espíritos, que chegam rugindo sob a forma de tempestade — um
exército selvagem; ou são tidos por espíritos em fuga, como naquela
visão do xamã esquimó.
As bandeiras são o vento tornado visível. Elas são como pedaços
recortados de nuvens, mais próximos e mais coloridos, fixos e possuindo
forma constante. É em seu movimento que elas realmente chamam a
atenção. Qual lograssem repartir o vento, os povos se servem das
bandeiras a fim de chamar seu o ar que paira sobre suas cabeças.
continua página 132...
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Copyright @ 1960 by Claassen Verlag GmbH, Hamburg
Copyright @ 1992 by Claassen Verlag GmbH, Hildescheim
Título original Masse und Macht
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Leia também:
Massa e Poder - O Vento
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ELIAS CANETTI nasceu em 1905 em Ruschuk, na Bulgária, filho de judeus sefardins. Sua família estabeleceu-se na Inglaterra em 1911 e em Viena em 1913. Aí ele obteve, em 1929, um doutorado em química. Em 1938, fugindo do nazismo, trocou Viena por Londres e Zurique. Recebeu em 1972 o prêmio Büchner, em 1975 o prêmio Nelly-Sachs, em 1977 o prêmio Gottfried-Keller e, em 1981, o prêmio Nobel de literatura. Morreu em Zurique, em 1994.
Além da trilogia autobiográfica composta por A língua absolvida (em A língua absolvida Elias Canetti, Prêmio Nobel de Literatura de 1981, narra sua infância e adolescência na Bulgária, seu país de origem, e em outros países da Europa para onde foi obrigado a se deslocar, seja por razões familiares, seja pelas vicissitudes da Primeira Guerra Mundial. No entanto, mais do que um simples livro de memórias, A língua absolvida é a descrição do descobrimento do mundo, através da linguagem e da literatura, por um dos maiores escritores contemporâneos), Uma luz em meu ouvido (mas talvez seja na autobiografia que seu gênio se evidencie com maior clareza. Com este segundo volume, Uma luz em meu ouvido, Canetti nos oferece um retrato espantosamente rico de Viena e Berlim nos anos 20, do qual fazem parte não só familiares do escritor, como sua mãe ou sua primeira mulher, Veza, mas também personagens famosos como Karl Kraus, Bertolt Brecht, Geoge Grosz e Isaak Babel, além da multidão de desconhecidos que povoam toda metrópole) e O jogo dos olhos (em O jogo dos olhos, Elias Canetti aborda o período de sua vida em que assistiu à ascensão de Hitler e à Guerra Civil espanhola, à fama literária de Musil e Joyce e à gestação de suas próprias obras-primas, Auto de fé e Massa e poder. Terceiro volume de uma autobiografia escrita com vigor literário e rigor intelectual, O jogo dos olhos é também o jogo das vaidades literárias exposto com impiedade, o jogo das descobertas intelectuais narrado com paixão e o confronto decisivo entre mãe e filho traçado com amargo distanciamento), já foram publicados no Brasil, entre outros, seu romance Auto de fé e os relatos As vozes de Marrakech, Festa sob as bombas e Sobre a morte.
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Título original Masse und Macht
"Não há nada que o homem mais tema do que o contato com o desconhecido."
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