quarta-feira, 18 de junho de 2025

Massa e Poder - Os Montes

Elias Canetti


OS MONTES


      Todos os montes aos quais o homem atribui alguma importância foram por ele reunidos. A unidade de um monte composto de frutas ou grãos é o resultado de uma atividade. Muitas mãos trabalharam na colheita; esta vincula-se a uma determinada época do ano e possui significado tão decisivo que uma antiga divisão do ano tem nela a sua origem. Os homens comemoram com festas a sua alegria acerca dos montes que lograram reunir. Exibem-nos com orgulho. Com frequência, as festas têm lugar ao redor desses montes.
      Aquilo que se reuniu ostenta uma natureza homogênea; trata-se de um determinado tipo de frutos ou grãos. São empilhados o mais densamente possível. Quanto maior a quantidade e a densidade, melhor. Tendo-se já muito à mão, não se precisa trazer mais de longe. O tamanho do monte é importante, e os homens gabam-se disso; ele bastará para todos e por muito tempo apenas se for grande o suficiente. Tão logo tenham se acostumado a colher o conteúdo de seus montes, estes jamais serão grandes o bastante. Recordam-se com maior prazer os anos que trouxeram as maiores bênçãos. Nos anais, tais anos são registrados como os mais felizes. As colheitas competem entre si, de um ano para outro, de um lugar para outro. Sejam eles propriedade de uma comunidade ou de indivíduos, os montes são modelares, e sua segurança, uma garantia.
     É verdade que tais montes são, então, consumidos — repentinamente, em alguns lugares, em ocasiões especiais; outras vezes, com vagar, segundo a necessidade. Sua constância é limitada, e sua diminuição está contida já desde o princípio na ideia que deles se faz. Sua nova reunião encontrar-se-á, então, sujeita ao ritmo das estações do ano e dos períodos de chuva. Toda colheita constitui um amontoar rítmico, e a celebração de festas é determinada por esse mesmo ritmo.

continua página 135...
____________________

Leia também:

Massa e Poder - Os Montes
____________________


ELIAS CANETTI nasceu em 1905 em Ruschuk, na Bulgária, filho de judeus sefardins. Sua família estabeleceu-se na Inglaterra em 1911 e em Viena em 1913. Aí ele obteve, em 1929, um doutorado em química. Em 1938, fugindo do nazismo, trocou Viena por Londres e Zurique. Recebeu em 1972 o prêmio Büchner, em 1975 o prêmio Nelly-Sachs, em 1977 o prêmio Gottfried-Keller e, em 1981, o prêmio Nobel de literatura. Morreu em Zurique, em 1994. 
Além da trilogia autobiográfica composta por A língua absolvida (em A língua absolvida Elias Canetti, Prêmio Nobel de Literatura de 1981, narra sua infância e adolescência na Bulgária, seu país de origem, e em outros países da Europa para onde foi obrigado a se deslocar, seja por razões familiares, seja pelas vicissitudes da Primeira Guerra Mundial. No entanto, mais do que um simples livro de memórias, A língua absolvida é a descrição do descobrimento do mundo, através da linguagem e da literatura, por um dos maiores escritores contemporâneos), Uma luz em meu ouvido (mas talvez seja na autobiografia que seu gênio se evidencie com maior clareza. Com este segundo volume, Uma luz em meu ouvido, Canetti nos oferece um retrato espantosamente rico de Viena e Berlim nos anos 20, do qual fazem parte não só familiares do escritor, como sua mãe ou sua primeira mulher, Veza, mas também personagens famosos como Karl Kraus, Bertolt Brecht, Geoge Grosz e Isaak Babel, além da multidão de desconhecidos que povoam toda metrópole) O jogo dos olhos (em O jogo dos olhos, Elias Canetti aborda o período de sua vida em que assistiu à ascensão de Hitler e à Guerra Civil espanhola, à fama literária de Musil e Joyce e à gestação de suas próprias obras-primas, Auto de fé e Massa e poder. Terceiro volume de uma autobiografia escrita com vigor literário e rigor intelectual, O jogo dos olhos é também o jogo das vaidades literárias exposto com impiedade, o jogo das descobertas intelectuais narrado com paixão e o confronto decisivo entre mãe e filho traçado com amargo distanciamento), já foram publicados no Brasil, entre outros, seu romance Auto de fé e os relatos As vozes de MarrakechFesta sob as bombas e Sobre a morte.
_______________________

Copyright @ 1960 by Claassen Verlag GmbH, Hamburg
Copyright @ 1992 by Claassen Verlag GmbH, Hildescheim
Título original Masse und Macht

"Não há nada que o homem mais tema do que o contato com o desconhecido."

Nenhum comentário:

Postar um comentário