Émile Zola
Tradução de Francisco Bittencourt
Tradução de Francisco Bittencourt
Primeira Parte
II
No meio dos campos de trigo e beterraba, o conjunto habitacional dos Deux-Cent-Quarante dormia sob a noite negra. Distinguiam-se vagamente os quatro imensos corpos de pequenas casas encostadas umas às outras, corpos de caserna ou de hospital, geométricos, paralelos, que separavam as três largas avenidas divididas em jardins iguais. E, no planalto deserto, ouvia-se apenas a queixa do vento por entre as sebes arrancadas.
Em casa dos Maheu, no número dezesseis do segundo grupo de
casas, tudo era sossego. O único quarto do primeiro andar estava imerso nas
trevas, como se estas quisessem esmagar com seu peso o sono das pessoas
que se pressentiam lá, amontoadas, boca aberta, mortas de cansaço. Apesar
do frio mordente do exterior, o ar pesado desse quarto tinha um calor vivo,
esse calor rançoso dos dormitórios, que, mesmo asseados, cheiram a gado
humano.
O cuco da sala do térreo deu quatro horas, mas ninguém se moveu.
As respirações fracas continuaram a soprar, acompanhadas de dois roncos
sonoros. Bruscamente, Catherine levantou-se. No seu cansaço, tinha ela,
pela força do hábito, contado as quatro badaladas que atravessaram o
soalho, mas continuara sem o ânimo necessário para acordar de todo.
Depois, com as pernas para fora das cobertas, apalpou, riscou um fósforo e
acendeu a vela. Mas continuou sentada, a cabeça tão pesada que tombava
nos ombros, cedendo ao desejo invencível de voltar ao travesseiro.
Agora, a vela iluminava o quarto, quadrado, com duas janelas,
atravancado com três camas. Havia um armário, uma mesa e duas cadeiras
de nogueira velha, cujo tom escuro manchava duramente as paredes
pintadas de amarelo-claro. E nada mais, a não ser roupa de uso diário
pendurada em pregos, uma moringa no chão ao lado de um tacho vermelho
que servia de bacia. Na cama da esquerda, Zacharie, o mais velho, um rapaz
de vinte e um anos, estava deitado com o irmão, Jeanlin, com quase doze
anos; na da direita, dois pequenos, Lénore e Henri, a primeira de seis anos,
o segundo de quatro, dormiam abraçados; Catherine partilhava a terceira
cama com a irmã Alzire, tão fraca para os seus nove anos, que ela nem a
sentiria ao seu lado, não fosse a corcunda que deformava as costas da
pequena enferma. A porta envidraçada estava aberta, podiam-se ver o
corredor do patamar e o cubículo onde pai e mãe ocupavam uma quarta
cama, contra a qual tiveram de instalar o berço da recém-nascida, Estelle,
de apenas três meses.
Entretanto, Catherine fez um esforço desesperado. Espreguiçava-se,
crispava as mãos nos cabelos ruivos que se emaranhavam na testa e na
nuca. Franzina para os seus quinze anos, não mostrava dos membros senão
uns pés azulados, como tatuados com carvão, que saíam da bainha da
camisola estreita, e braços delicados, alvos como leite, contrastando com a
cor pálida do rosto, já estragado pelas contínuas lavagens com sabão preto.
Um último bocejo abriu-lhe a boca um pouco grande, com dentes
magníficos incrustados na palidez clorótica das gengivas, enquanto seus
olhos cinzentos choravam de tanto combater o sono. Era uma expressão
dolorosa e abatida que parecia encher de cansaço toda a sua nudez.
Mas um grunhido veio do patamar; era a voz de Maheu que
gaguejava, empastada:
— Raio! Já está na hora... Foste tu que acendeste a luz, Catherine?
— Fui, sim, senhor... O relógio acaba de dar horas.
— Então apressa-te, vagabunda! Se tivesses dançado menos ontem,
domingo, ter-nos-ias acordado mais cedo. Que vida de malandros!
Continuou a ralhar, mas foi vencido pelo sono, suas repreensões
embaralharam-se, extinguindo-se em novo ressonar.
A moça, de camisola, descalça, andava no quarto de um lado para
outro. Ao passar pela cama de Henri e Lénore, cobriu-os novamente. As
crianças não acordaram, mergulhadas no pesado sono da infância. Alzire,
de olhos abertos, sem dizer palavra, pusera-se do outro lado, tomando o
lugar aquecido pela irmã mais velha.
— Vamos, Zacharie! Vamos, Jeanlin! Levantem! — repetia
Catherine, em pé diante dos dois irmãos, que continuavam refocilados, o
nariz enfiado no travesseiro.
Teve de agarrar o mais velho pelos ombros e sacudi-lo; e, enquanto
ele a injuriava com voz pastosa, ela resolveu descobri-los, arrancando o
lençol. Isto divertiu-a, e pôs-se a rir, vendo os dois rapazes debater-se,
pernas nuas.
— Idiota! Deixa-me em paz! — grunhiu Zacharie, mal-humorado,
ao sentar-se. — Não gosto de brincadeiras... Porcaria! Já tenho que
levantar...
Era magro, desengonçado, rosto comprido, barba rala, louro e com
a palidez anêmica de toda a família. A camisola estava enrolada até a altura
da barriga; baixou-a, não por pudor, mas por estar com frio.
— Vamos, de pé, o relógio já bateu — repetia Catherine. — Assim
o pai se zanga.
Jeanlin, que se havia enroscado, fechou novamente os olhos,
dizendo:
— Não chateies, estou dormindo.
Ela riu outra vez, um riso de coração aberto. O irmão era tão
pequeno, de membros franzinos e articulações enormes, deformadas por
escrófulas, que ela o pegou no colo. Mas o rapaz esperneou e sua cara de
macaco desbotado e cabeludo, esburacada por dois olhos verdes e alargada
pelas orelhas grandes, empalideceu de raiva por ser fraco. Sem dizer
palavra, mordeu-a no seio direito.
— Animal malvado! — murmurou ela, contendo um grito e
colocando-o no chão.
Alzire, silenciosa, com o lençol até o queixo, não voltara a dormir;
seguia com seus olhos inteligentes de inválida a irmã e os dois irmãos que
se vestiam. Outra discussão teve lugar em volta do tacho, e os rapazes
começaram a empurrar a moça porque esta levava muito tempo lavando-se.
As camisolas voavam, enquanto eles, ainda cheios de sono, urinavam sem
vergonha, com a sem-cerimônia tranquila de uma ninhada de cachorros
criada junta. Em todo caso, Catherine foi a primeira a ficar pronta; enfiou as
calças de mineiro, vestiu a jaqueta de algodão, amarrou a coifa azul em
torno do cabelo preso na nuca; nessa roupa limpa de segunda-feira, mais
parecia um homenzinho. Do seu sexo ficava apenas o ligeiro meneio dos
quadris.
— Quando o velho voltar — disse maldosamente Zacharie —,
ficará contente de encontrar a cama desarrumada... E vou dizer a ele que
foste tu.
O velho era o avô, Boa-Morte, que trabalhava de noite e dormia de
dia. Para que a cama não esfriasse, havia sempre nela alguém a roncar.
Sem responder, Catherine começou a alisar as cobertas, pondo as
pontas para baixo do colchão. Há um momento que se ouviam ruídos do
outro lado da parede, na casa vizinha. Essas construções de tijolos, feitas o
mais economicamente possível pela companhia, tinham paredes tão finas
que a respiração mais delicada as atravessava. As pessoas viviam tão
chegadas, de um extremo a outro, que nenhuma parcela de vida íntima se
conservava oculta, mesmo para as crianças. Um passo mais pesado sacudiu
uma escada, depois houve como que uma queda suave, seguida de um
suspiro de satisfação.
— Bem — disse Catherine —, Levaque desce, e lá vai Bouteloup
para a cama da mulher dele. Jeanlin deu uma risada de escárnio, os próprios
olhos de Alzire brilharam. Toda manhã eles troçavam assim daquele
triângulo de vizinhos, um cortador que hospedava um operário do desaterro,
o que dava à mulher dois homens, um de noite, outro de dia.
— Philomène está tossindo — continuou Catherine, após ter
apurado o ouvido.
Falava da filha mais velha dos Levaque, moça alta de dezenove
anos, amante de Zacharie, de quem já tinha dois filhos. Era tão fraca do
peito que nunca pudera trabalhar no fundo da mina, permanecendo como
separadora do carvão.
— Ora, Philomène! — respondeu Zacharie. — Ela nem se importa
com isso; e depois, tem sorte, pode dormir até às seis horas...
Enquanto vestia as calças, tomado de um pensamento repentino, foi
abrir uma janela. Lá fora, nas trevas, o conjunto habitacional acordava;
réstias de luz escapavam por entre as frinchas das persianas. E outra
contenda teve lugar: o rapaz debruçava-se à janela para espreitar a casa dos
Pierron, que ficava em frente, para ver se não sairia de lá o capataz da
Voreux, que era acusado de dormir com a mulher de Pierron; enquanto a
irmã lhe gritava que o marido desta voltara, desde a véspera, ao seu trabalho
diurno na embocadura de uma das galerias com o poço de extração, e que
portanto Dansaert não podia ter dormido lá naquela noite. Rajadas glaciais
entravam pela janela aberta; os irmãos, exaltados, sustentavam a exatidão
de suas próprias informações. Nesse momento, Estelle, de seu berço,
incomodada pelo frio, começou a chorar em altos brados.
Com isso Maheu acordou de vez. Será que já não tinha mais tutano
nos ossos, para voltar a dormir assim, como um vagabundo? E começou a
praguejar tão alto, que os filhos, ao lado, nem ousavam respirar. Zacharie e
Jeanlin acabaram de se lavar com uma lentidão que já era cansaço. Alzire,
com os olhos bem abertos, continuava a observar. Os dois pequenos, Lénore
e Henri, abraçados, continuavam imóveis, a respiração leve, apesar de toda
a gritaria.
— Catherine, traz a vela! — gritou Maheu.
Tendo acabado de abotoar a jaqueta, ela levou a vela para a outra
peça, deixando os irmãos à procura das roupas, apenas com a escassa
claridade que vinha da porta. O pai saltou da cama; ela, porém, não parou;
desceu, às apalpadelas, calçando apenas grossas meias de lã, para acender
na sala uma outra vela e preparar o café. Todos os tamancos da família
estavam debaixo do armário.
— Cala, porcaria! — gritou Maheu, exasperado com o choro
contínuo de Estelle.
Era baixo como o velho Boa-Morte e parecia-se com ele, só que
mais gordo, cabeça grande, rosto chato e lívido sob o cabelo louro, cortado
bem curto. A criança berrava cada vez mais, assustada com aqueles grandes
braços nodosos que gesticulavam por cima dela.
— Deixa, tu sabes bem que ela não quer calar-se — disse a mulher,
estendendo-se no meio da cama.
Também ela acabava de acordar e lamentava-se. Era estúpido,
nunca dormia uma noite completa. Por que eles não saíam em silêncio?
Enfiada entre as cobertas, só se lhe via o rosto comprido, de traços graúdos,
de uma beleza pesada, já disforme aos trinta e nove anos por uma vida de
miséria e os sete filhos que tivera. Olhos no teto, começou a falar
lentamente, enquanto seu homem se vestia.
— Sabe? Estou sem vintém, e hoje é apenas segunda-feira... Seis
dias ainda para a quinzena... O dinheiro não dura nada. Todos vocês juntos
trazem nove francos. Somos dez na casa, como é que vai dar?
— Nove francos? — protestou Maheu. — Eu e Zacharie, cada um
três, são seis; Catherine e o pai, dois, são quatro; quatro e seis, dez... E
Jeanlin, um, que faz onze.
— Sim, onze, mas há os domingos e feriados. Nunca mais de nove,
compreende?
Ele não respondeu, procurava no chão o cinto de couro.
Levantando-se, disse:
— Não devemos queixar-nos, ainda tenho saúde. Aos quarenta e
dois anos muita gente já não presta para mais nada.
— É possível, meu velho, mas nem por isso temos mais pão. O que
é que vou fazer? Não tens nada, mesmo?
— Tenho dois soldos [1].
— Pois podes tomar uma cerveja com eles... Meu Deus! O que é
que vou fazer? Esses seis dias não vão terminar nunca! Devemos sessenta
francos a Maigrat; anteontem ele me pôs na rua, mas isso não me impede de
voltar lá. O caso é se ele continuar recusando...
E a mulher de Maheu continuou a lamentar-se, cabeça imóvel,
fechando os olhos de vez em quando, à triste claridade da vela. Falou do
guarda-comida vazio, das crianças que pediam pão, do café que faltava, da
água que dava cólica e dos longos dias passados a enganar a fome com
folhas de couve cozidas. Pouco a pouco foi elevando a voz, já que o
berreiro de Estelle cobria suas palavras; seus gritos estavam ficando
insuportáveis. De repente, Maheu pareceu ouvi-los e, fora de si, agarrou a
criança no berço e atirou-a para junto da mãe, gaguejando de ódio:
— Toma! Pega-a, sou capaz de esmagá-la... Maldita criança... Não
lhe falta nada, mama à vontade e queixa-se mais alto que os outros...
Realmente, Estelle pusera-se a mamar. Sumida debaixo das
cobertas, sossegada pela tepidez da cama, agora só fazia um ruído guloso
com os lábios.
— Os burgueses da Piolaine não disseram que fosses vê-los? —
tornou o pai depois de uma pausa.
A mãe franziu a boca numa expressão de dúvida e desânimo.
— Sim, encontraram-me, andam distribuindo roupas às crianças
pobres. Enfim, vou até lá esta manhã com Lénore e Henri. Se pelo menos
eles me dessem uns cem soldos...
Novo silêncio, Maheu estava pronto; ficou imóvel um momento
para, em seguida, encerrar a conversa com sua voz profunda:
— Que queres? Não há outro jeito, arranja a sopa como puderes.
Melhor é ir trabalhar do que ficar aqui conversando.
— Claro — respondeu a mulher. — Apaga a vela, não quero ver a
cor dos meus pensamentos.
O homem apagou a vela e seguiu Zacharie e Jeanlin, que já estavam
descendo. A escada de madeira rangeu sob o peso de seus pés enfiados em
meias de lã. O quarto e o cubículo do corredor voltaram às trevas. As
crianças dormiam, a própria Alzire fechara novamente as pálpebras. A mãe,
no entanto, permanecia de olhos abertos na escuridão, enquanto Estelle
sorvia no seu seio murcho de mulher exausta e ronronava como um gatinho.
Embaixo Catherine tratara, em primeiro lugar, de reavivar o fogo no
fogão de ferro que tinha uma grelha no centro e dois fornos nos lados e
onde a hulha ardia constantemente. A companhia distribuía por mês, a cada
família, oito hectolitros de lascas de carvão duro, sobras dos sacos, carvão
esse difícil de acender. Toda noite a moça deixava o fogo aceso e coberto de
cinzas; pela manhã apenas o reavivava com pedacinhos de carvão tenro,
escolhidos com cuidado. Após ter colocado uma vasilha com água sobre a
grelha, agachou-se diante do guarda-comida.
Era uma sala bastante grande, ocupando todo o térreo, pintada de
verde claro, de um asseio flamengo, com suas lajes muito bem lavadas e
espargidas de areia branca. Além do guarda-comida de pinho envernizado, a
mobília consistia de uma mesa e cadeiras da mesma madeira. Colados às
paredes, reproduções de cores vivas, retratos do imperador e da imperatriz
dados pela companhia, figuras de soldados e santos onde o dourado
predominava, ressaltavam violentamente na nudez clara da peça, onde não
havia outros ornamentos além de uma caixa de cartão cor-de-rosa em cima
do guarda-comida e do relógio de cuco, de mostrador sarapintado, cujo
tique-taque parecia encher o vazio da sala. Perto da porta da escada, outra
porta conduzia ao portão.
Apesar do asseio, um cheiro de cebola cozida e guardada desde a
véspera empestava o ar aquecido e pesado, sempre carregado de um cheiro
forte de hulha.
Catherine refletia diante do guarda-comida aberto. Só havia um
pedaço de pão, suficiente queijo fresco e apenas uma migalha de manteiga.
E com isso teria de preparar comida para os quatro. Por fim decidiu-se:
cortou o pão, cobriu uma fatia com queijo, a outra untou com manteiga e
depois colou-as; era o "engana a fome" do mineiro, a fatia dupla que é
levada pela manhã para a mina. Num instante os quatro sanduíches estavam
enfileirados sobre a mesa, preparados com severa justiça, desde o grande
para o pai até o pequeno para Jeanlin.
Catherine, que parecia toda entregue a seu trabalho, devia, contudo,
estar pensando nas histórias que Zacharie contava a respeito do capataz com
a mulher de Pierron, já que entreabriu a porta da rua e espiou para fora. O
vento continuava a soprar, e, nas fachadas baixas do casario do conjunto
habitacional, de onde subia uma vaga trepidação de despertar, as luzes eram
cada vez mais numerosas. Portas batiam, grupos escuros de operários
desapareciam dentro da noite. Era tolice ficar ali, apanhando frio,
seguramente Pierron ainda dormia, seu trabalho começava às seis horas.
Mas mesmo assim ela ficou olhando a casa do outro lado dos jardins. Tendo
alguém aberto a porta, sua curiosidade aumentou. Mas só podia ser a filha
dos Pierron, Lydie, que partia para a mina.
Nisto, um assobio de vapor fez que se voltasse; fechou a porta e
correu: a água fervia e transbordava, apagando o fogo. Não havia mais café;
teve de se contentar em passar a água pela borra da véspera para depois
adoçá-la na cafeteira com açúcar preto. Nesse momento o pai e os dois
irmãos desceram.
— Puxa! — exclamou Zacharie, enfiando o nariz na tigela. — Com
um café deste não há perigo de ficar com dor de cabeça.
Maheu encolheu os ombros com ar resignado.
— Tanto faz! Está quente e até gostoso.
Jeanlin juntara as migalhas do pão e fizera uma papa. Depois de
beber, Catherine despejou o que sobrara na cafeteira em cantis de lata. Os
quatro em pé, mal iluminados pela vela fumacenta, engoliam às pressas.
— Como é, terminamos? — reclamou o pai. — Até parece que
somos ricos!
Nisto uma voz veio da escada, cuja porta tinha deixado aberta; era a
mãe que gritava:
— Levem todo o pão, ainda tenho um pouco de aletria para as
crianças.
— Sim, sim! — respondeu Catherine.
Havia coberto novamente o fogo e colocado numa ponta da grelha
um resto de sopa que o avô encontraria quente ao voltar do trabalho, às seis
horas.
Cada um deles apanhou seu par de tamancos debaixo do guarda
comida, passou o cordão do cantil pelo ombro e enfiou o sanduíche nas
costas, entre a camisa e a jaqueta. E saíram todos, homens na frente, a moça
atrás, depois de soprar a vela e dar uma volta na chave. A casa voltou à
escuridão.
— Muito bem, vamos juntos! — disse um homem que fechava a
porta da casa vizinha.
Era Levaque com o filho Bébert, menino de doze anos, grande
amigo de Jeanlin. Catherine, admirada, sufocou uma risada no ouvido de
Zacharie: com que então Bouteloup nem esperava mais que o marido
saísse?!
No conjunto habitacional, agora, as luzes se apagavam. Uma última
porta bateu, tudo dormia novamente, mulheres e crianças voltavam ao sono
em camas mais largas. E do vilarejo no escuro à Voreux que resfolegava
houve um lento desfilar de sombras sob o vento impiedoso: a partida dos
carvoeiros para o trabalho. Caminhavam balançando os ombros, sem saber
o que fazer com os braços, que cruzavam no peito, enquanto, atrás, o farnel
se transformara numa corcunda. Vestindo roupas leves, tiritavam de frio,
mas nem por isso caminhavam mais depressa, dispersos ao longo da
estrada, num tropear de rebanho.
continua na página 13...
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Primeira Parte - (II) No meio dos campos de trigo e beterraba
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O pai de Zola tinha 44 anos quando conheceu Émilie-Aurélie Aubert, numa de suas viagens a Paris. Apesar da grande diferença de idade — a moça não chegara aos vinte anos —, acabaram casando — se. O resultado dessa união foi Émile Zola, nascido em 12 de abril de 1840, durante uma estada do casal em Paris. O menino mal conheceu o pai: em 1847, François faleceu.
As coisas ficaram difíceis. Sozinha e com grandes esforços, a mãe procurou equilibrar o orçamento doméstico e fazer que o filho estudasse. De certa forma, ela teve sucesso: Zola foi aluno do Colégio Notre-Dame e do Colégio de Aix. Quando o rapaz atingiu a maioridade, partiu com Émilie para Paris e, graças a um amigo da família, conseguiu um emprego na Alfândega.
Em dezembro de 1859, concluía sua primeira obra em prosa, Les Grisettes de Provence (As Costureirinhas de Provença). Continuava, porém, desconhecido e insatisfeito. Ele mesmo costumava dizer: "Ser sempre desconhecido é chegar a duvidar de si; nada engrandece os pensamentos de um autor como o sucesso".
Assim, no início de 1866, deixou o emprego para dedicar-se à literatura.
Abandonou o romantismo de seus anos de adolescência e passou a admirar outros autores: Balzac (1799-1850), Stendhal (1783-1842), Flaubert (1821-1880). Essa guinada para o realismo devia-se principalmente às suas últimas leituras: das teorias evolucionistas de Darwin (1809-1882) até o Tratado da Hereditariedade Natural do Dr. Lucas, passando pela Filosofia da Arte de Taine (1328-1893). No entanto, o que parece tê-lo feito decidir-se pelo realismo foi a Introdução ao Estudo da Medicina Experimental (1865), de Claude Bernard (1813-1878). Essa obra foi importante para o rumo que Zola imprimiria a toda a sua obra: o rigor científico no romance, cujo objetivo, diria ele, é o mesmo das experiências de laboratório, isto é, o conhecimento da realidade. O que Claude Bernard havia feito com o corpo humano Zola faria com as paixões e os meios sociais.
Para fazer Germinal, Zola não se satisfez com a simples busca de documentos. Foi passar alguns meses numa região mineira. Morou em cortiços, bebeu cerveja e genebra nos botequins e desceu ao fundo dos poços para observar de perto o trabalho dos operários. Aos poucos foi se familiarizando com o meio onde viviam aqueles homens. Descobriu quais as principais doenças causadas pela mineração. Sentiu o problema dos baixos salários, os sacrifícios dos mineiros, a gota que cai com uma regularidade incrível sobre seus rostos, a dificuldade de empurrar um vagonete por um corredor estreito, o drama do salto na escuridão que eles têm de dar para poderem sobreviver. Numa passagem admirável, descreve a emoção de uma greve de operários. Mostra seu ódio animal. Um ódio que destrói tudo à sua passagem. Uma violência viva nos corpos que querem libertar-se, mesmo à custa da total destruição. Mostra também o amor feito sobre o carvão, os pequenos dramas das dívidas, as brigas no cortiço, a promiscuidade de pais e filhos em casas muito pequenas. A obra obteve enorme repercussão.
Em 29 de setembro de 1901, em Paris, Émile Zola morre asfixiado pelo gás do aquecedor.
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[1] Soldo: moeda francesa, correspondente a um vigésimo do franco. (N. do T.).
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