Émile Zola
Tradução de Francisco Bittencourt
Tradução de Francisco Bittencourt
Primeira Parte
III
Etienne desceu finalmente do aterro e entrou na Voreux. Os homens a quem se dirigia, perguntando se havia trabalho, balançavam a cabeça, respondendo que esperasse pelo capataz. Deixaram-no à vontade dentro das edificações mal iluminadas, cheias de buracos negros, assustadoras mesmo pela complicação de suas salas e andares. Tendo subido uma escada escura, quase em ruínas, encontrou-se numa ponte estreita e oscilante; em seguida, atravessou o galpão da triagem, mergulhado em noite tão profunda que teve de caminhar com as mãos estendidas para não esbarrar. De repente, diante dele, dois olhos amarelos, enormes, furaram as trevas. Estava exatamente sob a torre do sino de rebate, no local onde os elevadores cheios de hulha são içados, à boca do poço.
Um contramestre, o velho e gordo Richomme, com cara de policial
bonachão, de bigode grisalho, dirigia-se nesse momento para o escritório do
recebedor.
— Não estão precisando por aqui de um operário para qualquer tipo
de trabalho? — perguntou novamente Etienne.
Richomme ia dizer não, mas conteve-se e respondeu como os
outros, enquanto se afastava:
— Espere pelo Sr. Dansaert, o capataz.
Além de quatro lampiões, havia ainda os refletores com toda a sua
luz dirigida para o poço, a iluminar vivamente os corrimões de ferro, as
alavancas de sinais e de fechar as guias por onde deslizavam os dois
elevadores. O resto, a vasta peça, parecida a uma nave de igreja, continuava
no escuro e povoada de grandes sombras que flutuavam. Somente o
depósito de lampiões resplandecia ao fundo; e no escritório do recebedor
uma lamparina raquítica bruxuleava como uma estrela apagando-se.
O trabalho de extração recomeçara; sobre as chapas de ferro havia
um trovejar contínuo, vagonetes de carvão rolavam sem descanso,
carregadores corriam e podiam-se distinguir suas longas espinhas curvadas
dentro do tumulto de todas aquelas coisas negras e ruidosas que se
agitavam.
Por um instante Etienne permaneceu imóvel, ensurdecido e cego.
Sentia-se gelado, havia correntes de ar por todos os lados. Em seguida deu
alguns passos, atraído pela máquina da qual via reverberar agora aços e
cobres. Ela ficava por trás do poço, a vinte e cinco metros, numa peça mais
alta e tão solidamente assente sobre seu maciço pedestal de tijolos que
mesmo trabalhando a todo vapor, com toda a força dos seus quatrocentos
cavalos e com o movimento de sua biela, enorme, emergindo e
mergulhando numa suavidade oleosa, não conseguia fazer que as paredes
estremecessem. O maquinista, em pé ao lado da alavanca de comando,
escutava as campainhas dos sinais, não tirava os olhos do painel indicador,
onde o poço, com seus diversos andares, estava figurado numa ranhura
vertical que era percorrida por pedaços de chumbo amarrados em barbantes
e que representavam os elevadores. E a cada partida, quando a máquina se
punha outra vez em movimento, as bobinas, as duas imensas rodas de cinco
metros de raio por meio das quais os dois cabos de aço se enrolavam e
desenrolavam em sentido inverso, giravam a tal velocidade que mais
pareciam uma poeira cinzenta.
— Cuidado! — gritaram três trabalhadores que arrastavam uma
escada gigantesca.
Por pouco Etienne não fora esmagado. Seus olhos habituavam-se, já
podia ver no ar a corrida dos cabos, mais de trinta metros de fita de aço que
subiam velozes à torre, onde passavam em roldanas para, em seguida,
descer a pique ao poço e prenderem-se nos elevadores de extração. Uma
armação de ferro, igual à dos campanários, sustentava as roldanas. Era
como um voo de pássaro, sem ruído, sem choque, a fuga rápida, o contínuo
vaivém de um fio de peso enorme que podia levantar até doze mil quilos
com uma velocidade de dez metros por segundo.
— Cuidado, com mil raios! — gritaram novamente os carregadores
que empurravam a escada para o outro lado, para vistoriarem a roldana da
esquerda.
Lentamente Etienne voltou à boca do poço. Esse voo, como o
perpassar de uma ave gigantesca, aturdia-o. E, tintando devido às correntes
de ar, começou a observar o trabalho dos elevadores, os ouvidos zonzos
com o rodar dos vagonetes. Perto do poço o sinal estava funcionando, um
pesado martelo de alavanca que uma corda puxada do fundo fazia cair sobre
uma bigorna. Uma pancada para parar, duas para descer, três para subir; isto
sem descanso, como golpes de clava dominando o tumulto e acompanhados
do som claro da campainha; ao mesmo tempo, o operário que dirigia o
trabalho gritava ordens ao maquinista por um megafone, aumentando o
barulho. Os elevadores, no meio de toda essa confusão, apareciam e
desapareciam, esvaziavam-se e enchiam-se sem que Etienne compreendesse
nada dessas operações tão complicadas.
Só uma coisa ele compreendia perfeitamente: que o poço engolia
magotes de vinte e de trinta homens, e com tal facilidade que nem parecia
senti-los passar pela goela. Desde as quatro horas os operários começavam
a descer; vinham da barraca, descalços, lâmpada na mão, e esperavam em
grupos pequenos até formarem número suficiente. Sem ruído, com um pulo
macio de animal noturno, o elevador de ferro subia do escuro, enganchava
se nas aldravas, com seus quatro andares, cada um contendo dois vagonetes
cheios de carvão. Nos diferentes patamares, os carregadores retiravam os
vagonetes,
substituindo-os
por
outros
vazios
ou
carregados
antecipadamente com madeira em toros. E era nesses carros vazios que se
empilhavam os operários, cinco a cinco, até quarenta de uma vez, quando
ocupavam todos os compartimentos. Uma ordem partia do megafone, um
tartamudear grosso e indistinto, enquanto a corda, para dar o sinal embaixo,
era puxada quatro vezes, convenção que queria dizer "aí vai carne" e que
avisava da descida desse carregamento de carne humana. Em seguida,
depois de um ligeiro solavanco, o elevador afundava silencioso, caía como
uma pedra, deixando atrás de si apenas a fuga vibrante do cabo.
— É muito fundo? — perguntou Etienne a um mineiro com ar
sonolento que esperava perto dele.
— Quinhentos e cinquenta e quatro metros — respondeu o homem.
— Mas há quatro paradas, a primeira a trezentos e vinte metros.
Ambos se calaram, os olhos no cabo que subia. Etienne voltou a
falar:
— E quando isso quebra?
— Ah! Quando quebra...
O mineiro acabou a frase com um gesto. Chegara a sua vez, o
elevador apareceu com seu movimento ágil e repousado. O homem entrou,
agachando-se, com os demais companheiros. A máquina desapareceu no
poço, para voltar a brotar ao fim de apenas quatro minutos para engolir
outro carregamento de pessoas. Durante meia hora o poço devorou essa
carga humana com suas fauces mais ou menos glutonas, isto é, de acordo
com a profundidade da galeria para onde elas iam, e isso sem descanso,
sempre esfomeado, com tripas gigantes, capazes de digerir todo um povo.
Elas se enchiam sem descanso, mas as trevas não se desfaziam, estavam
mortas, e o elevador continuava a brotar do vazio no mesmo silêncio voraz.
Com o tempo, Etienne voltou a sentir o mal-estar de que já fora
acometido no aterro. Valeria a pena insistir? Na certa esse capataz o
despediria, como os outros. Um medo vago fez que tomasse uma decisão
brusca: caminhou para fora, só parando em frente à casa dos geradores. A
porta, aberta de par em par, deixava ver sete caldeiras de duas fornalhas.
Em meio ao vapor branco e ao silvo das válvulas, um foguista abastecia
uma das fornalhas, cujo calor ardente chegava até a soleira da porta. O
rapaz, contente de poder aquecer-se, ia aproximar-se, quando divisou um
novo grupo de carvoeiros que vinha chegando à mina. Eram os Maheu e os
Levaque. Vendo à frente Catherine, com seu ar meigo de menino, teve a
ideia supersticiosa de arriscar uma última pergunta:
— Por favor, camarada... Será que não estão precisando aqui de um
operário, para qualquer trabalho?
Ela olhou-o surpreendida, assustada mesmo com aquela voz brusca
que saía da sombra. Atrás dela, porém, Maheu tinha ouvido, e foi ele quem
respondeu, conversando mesmo, por um momento. Não, não estavam
precisando de ninguém... Mas aquele pobre-diabo, aquele operário perdido
nas estradas interessava-o. Ao deixá-lo, exclamou para os outros:
— Viram? A gente podia estar na mesma situação... Não devemos
queixar-nos, há muita gente sem trabalho.
O grupo entrou e foi direto ao vestiário, uma vasta peça
grosseiramente rebocada, rodeada de armários fechados a cadeado. No
centro, um fogão de ferro, uma espécie de estufa sem porta, estava em
brasa; havia nele tanta hulha incandescente que os pedaços estalavam e
rolavam para o chão de terra batida. A peça tinha como única iluminação
esse braseiro, cujos reflexos sanguinolentos dançavam pelas paredes
revestidas de madeira imunda e pelo teto coberto de fuligem.
No momento da chegada dos Maheu o pessoal estava rindo,
afogueado. Uns trinta operários estavam de pé, de costas para o fogo,
deixando-se assar com prazer. Antes de descerem, todos vinham aqui para
absorver e levar consigo uma provisão de calor dentro do corpo capaz de
fazer face à umidade do poço. Naquela manhã estavam rindo mais do que
era costume, brincavam com a filha de Mouque, uma operadora de
vagonetes, de dezoito anos, boa moça, mas com seios e nádegas tão grandes
que furavam a jaqueta e as calças. Ela morava em Réquillart com seu velho
pai, que era cavalariço, e com seu irmão, carregador; como as horas de
trabalho não coincidiam, ela vinha sozinha para o trabalho. E, no meio dos
campos de trigo, no verão, encostada a um muro, no inverno, entregava-se
ao prazer com seu namorado da semana. Toda a mina estava passando pelos
seus braços, um verdadeiro torneio entre colegas, sem outra consequência.
Um dia em que alguém reclamou por ter ela andado com um negociante de
pregos, de Marchiennes, quase explodiu de cólera, aos gritos de que tinha
grande respeito próprio, que cortaria um braço se alguém pudesse provar
que a vira com outra pessoa que não fosse um carvoeiro.
— Então não é mais o grandalhão do Chaval? — perguntou um
mineiro às gargalhadas. — Agora andas com aquela criança? Na certa ele
precisa de uma escada. Eu vi vocês dois atrás de Réquillart. Por sinal, ele
teve de subir num marco...
— E daí? — respondeu a moça, de bom humor. — O que é que tens
com isso? Ninguém te chamou para empurrar...
Esse descaramento inocente fez redobrar as gargalhadas dos
homens que balançavam os ombros meio cozidos pelo fogo, enquanto ela,
sacudida de riso, passeava entre eles a indecência de suas roupas, de um
cômico perturbador, com suas saliências de carne exageradas até a
enfermidade.
Mas a alegria logo terminou: a moça, conversando com Maheu,
contou-lhe que Fleurance, a grande Fleurance, não trabalharia mais; tinha
sido encontrada na véspera, hirta, sobre a cama. Uns diziam que fora o
coração, outros, que a causa tinha sido um litro de genebra bebido muito
rapidamente. Maheu ficou desesperado: que má sorte a sua! Perdia uma das
suas operadoras de vagonetes, sem poder substituí-la imediatamente... É
que trabalhava de empreitada; eram quatro britadores associados na sua
zona de corte: ele, Zacharie, Levaque e Chaval. Se ficassem somente com
Catherine para operar, o trabalho atrasaria.
De repente gritou:
— Pronto! E aquele homem que procurava trabalho?
Nesse momento Dansaert passava em frente ao alojamento; Maheu
contou-lhe o caso e pediu autorização para empregar o homem; insistiu no
desejo que tinha a companhia de substituir as operadoras de vagonetes por
rapazes, como em Anzin. O capataz esboçou um sorriso. Esse projeto de
retirar as mulheres do fundo da mina repugnava de ordinário aos mineiros,
que temiam pelo emprego de suas filhas, pouco se importando com a
questão da moralidade e da higiene. Após alguma hesitação, finalmente deu
licença, mas reservando-se o direito de fazer ratificar sua decisão pelo Sr.
Négrel, o engenheiro.
— Muito bem! — exclamou Zacharie. — Mas o homem já deve
andar longe, se continua naquele passo.
— Não — respondeu Catherine. — Eu o vi parar nas caldeiras.
— Pois corre até lá, preguiçosa! — gritou Maheu.
A jovem saiu correndo, enquanto uma vaga de mineiros subia ao
poço, cedendo o fogo a outros. Jeanlin, sem esperar pelo pai, foi buscar sua
lâmpada com Bébert, um menino gordo e ingênuo, e Lydie, de dez anos,
garota apagada e insignificante. A filha de Mouque, que partira na frente
deles, gritava na escada escura, chamando-os de fedelhos sem-vergonha e
ameaçando esbofeteá-los se a beliscassem.
Etienne, na casa das caldeiras, conversava com o foguista, que
estava abastecendo as fornalhas de carvão. A ideia de ter de voltar para o
relento sentia enorme frio, mas assim mesmo decidiu partir. Nesse
momento sentiu uma mão pousando-lhe no ombro.
— Venha — disse Catherine. — Arranjamos alguma coisa para o
senhor.
Não compreendeu logo; depois, num movimento de alegria, apertou
energicamente as mãos da moça.
— Obrigado, camarada! Você é um bom sujeito...
Ela começou a rir, encarando-o ao clarão vermelho das fornalhas
que iluminava a ambos. Divertia-se ao ver que ele a confundia com um
rapaz, mesmo sendo ela tão franzina, cabelos apanhados na nuca, debaixo
da coifa. Etienne ria também, de contentamento. E por um instante os dois
ficaram assim, rindo um para o outro, faces afogueadas.
continua na página 27...
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Primeira Parte - (III.a) Etienne desceu finalmente do aterro
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O pai de Zola tinha 44 anos quando conheceu Émilie-Aurélie Aubert, numa de suas viagens a Paris. Apesar da grande diferença de idade — a moça não chegara aos vinte anos —, acabaram casando — se. O resultado dessa união foi Émile Zola, nascido em 12 de abril de 1840, durante uma estada do casal em Paris. O menino mal conheceu o pai: em 1847, François faleceu.
As coisas ficaram difíceis. Sozinha e com grandes esforços, a mãe procurou equilibrar o orçamento doméstico e fazer que o filho estudasse. De certa forma, ela teve sucesso: Zola foi aluno do Colégio Notre-Dame e do Colégio de Aix. Quando o rapaz atingiu a maioridade, partiu com Émilie para Paris e, graças a um amigo da família, conseguiu um emprego na Alfândega.
Em dezembro de 1859, concluía sua primeira obra em prosa, Les Grisettes de Provence (As Costureirinhas de Provença). Continuava, porém, desconhecido e insatisfeito. Ele mesmo costumava dizer: "Ser sempre desconhecido é chegar a duvidar de si; nada engrandece os pensamentos de um autor como o sucesso".
Assim, no início de 1866, deixou o emprego para dedicar-se à literatura.
Abandonou o romantismo de seus anos de adolescência e passou a admirar outros autores: Balzac (1799-1850), Stendhal (1783-1842), Flaubert (1821-1880). Essa guinada para o realismo devia-se principalmente às suas últimas leituras: das teorias evolucionistas de Darwin (1809-1882) até o Tratado da Hereditariedade Natural do Dr. Lucas, passando pela Filosofia da Arte de Taine (1328-1893). No entanto, o que parece tê-lo feito decidir-se pelo realismo foi a Introdução ao Estudo da Medicina Experimental (1865), de Claude Bernard (1813-1878). Essa obra foi importante para o rumo que Zola imprimiria a toda a sua obra: o rigor científico no romance, cujo objetivo, diria ele, é o mesmo das experiências de laboratório, isto é, o conhecimento da realidade. O que Claude Bernard havia feito com o corpo humano Zola faria com as paixões e os meios sociais.
Para fazer Germinal, Zola não se satisfez com a simples busca de documentos. Foi passar alguns meses numa região mineira. Morou em cortiços, bebeu cerveja e genebra nos botequins e desceu ao fundo dos poços para observar de perto o trabalho dos operários. Aos poucos foi se familiarizando com o meio onde viviam aqueles homens. Descobriu quais as principais doenças causadas pela mineração. Sentiu o problema dos baixos salários, os sacrifícios dos mineiros, a gota que cai com uma regularidade incrível sobre seus rostos, a dificuldade de empurrar um vagonete por um corredor estreito, o drama do salto na escuridão que eles têm de dar para poderem sobreviver. Numa passagem admirável, descreve a emoção de uma greve de operários. Mostra seu ódio animal. Um ódio que destrói tudo à sua passagem. Uma violência viva nos corpos que querem libertar-se, mesmo à custa da total destruição. Mostra também o amor feito sobre o carvão, os pequenos dramas das dívidas, as brigas no cortiço, a promiscuidade de pais e filhos em casas muito pequenas. A obra obteve enorme repercussão.
Em 29 de setembro de 1901, em Paris, Émile Zola morre asfixiado pelo gás do aquecedor.
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[1] Soldo: moeda francesa, correspondente a um vigésimo do franco. (N. do T.).
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