Hannah Arendt
Parte I
ANTISSEMITISMO
Este é um século extraordinário, que começa com a Revolução e termina com o Caso Dreyfus. Talvez ele venha a ser conhecido como o século da escória.
Roger Martin du Gard
3.4 - O caso Dreyfus
3.4.1 - Os fatos
Aconteceu na França no fim de 1894. Alfred Dreyfus, um oficial judeu do Estado-Maior
francês, foi acusado e condenado por espionagem em favor da Alemanha. O veredicto —
deportação perpétua para a Ilha do Diabo — foi unânime. O julgamento foi realizado a portas
fechadas. De todo o volumoso dossiê da acusação, só foi exibido o chamado bordereau.
Tratava-se de uma carta, supostamente escrita por Dreyfus, endereçada ao adido militar alemão,
Schwartzkoppen. Em julho de 1895, o coronel Picquard tornou-se chefe da Seção de Estatística
do Estado-Maior, na realidade encarregada de informações e contraespionagem. Em maio de
1896, disse ao chefe do Estado-Maior, Bois-deffre, que estava convencido da inocência de
Dreyfus e da culpabilidade de um outro oficial, major Walsin-Esterhazy. Seis meses mais tarde,
Picquard foi removido para um perigoso posto na Tunísia. Ao mesmo tempo, Bernard Lazare, a
pedido dos irmãos de Dreyfus, publicava o primeiro panfleto sobre o Processo: Une erreur
judiciaire: Ia vérité sur Vaffaire Dreyfus.
Em junho de 1897, Picquard informou Scheurer
Kestner, vice-presidente do Senado, sobre o julgamento e a inocência de Dreyfus. Em novembro
de 1897, Clemenceau iniciou a sua luta para reexaminar o caso. Quatro semanas mais tarde,
Zola aderiu aos partidários de Dreyfus. J'accuse foi publicado pelo jornal de Clemenceau em
janeiro de 1898. Ao mesmo tempo, Picquard era preso. Zola, levado em fevereiro a julgamento
por calúnia contra o Exército, foi condenado tanto pelo tribunal comum como pelo Tribunal de
Apelação.
Em agosto de 1898, Walsin-Esterhazy foi reformado por crime de peculato.
Imediatamente, contou a um jornalista inglês que ele — e não Dreyfus! — era o autor do
bordereau, tendo forjado a letra de Dreyfus por ordem do coronel Sandherr, seu superior e
antigo chefe da Seção de Estatística. Alguns dias mais tarde, o tenente-coronel Henry, outro
membro do mesmo departamento, foi preso por ter forjado várias peças do dossiê secreto de
acusação; ele se suicidou na prisão. Em seguida, o Tribunal de Apelação ordenou uma nova
investigação do processo Dreyfus.
Em junho de 1899, o Tribunal de Apelação anulou a sentença de 1894 contra Dreyfus. Um novo
processo foi realizado em Rennes em agosto. A 9 de setembro, a sentença foi mudada para dez
anos de prisão, devido a "circunstâncias atenuantes". Dez dias mais tarde, Dreyfus foi indultado
pelo presidente da República. A Exposição Mundial foi inaugurada em Paris em abril de 1900.
Em maio, quando estava garantido o sucesso da Exposição, a Câmara de Deputados, por
maioria absoluta, votou contra qualquer nova revisão do processo Dreyfus. Em dezembro do
mesmo ano, todos os julgamentos ligados ao caso foram encerrados por anistia geral.
Em 1903, Dreyfus solicitou nova revisão. Sua petição foi ignorada até 1906, quando
Clemenceau galgou o posto de primeiro-ministro. Em julho de 1906, o Tribunal de Apelação
anulou a sentença de Rennes e absolveu Dreyfus de todas as acusações, embora, segundo as leis
da França, não tivesse autoridade para absolver: só poderia ter ordenado novo julgamento. Nova
revisão ante uma corte militar, porém, teria, provavelmente e a despeito de todas as provas
esmagadoras a favor de Dreyfus, levado a nova condenação. Portanto, Dreyfus nunca foi
absolvido de acordo com a lei, e o processo Dreyfus nunca foi realmente encerrado. [l]
A
reintegração do acusado nunca foi reconhecida pelo povo francês, e as paixões originalmente
suscitadas nunca se acalmaram inteiramente. Ainda por volta de 1908, nove anos após o perdão
e dois anos depois de ter sido inocentado, quando, a pedido de Clemenceau, o corpo de Emile
Zola foi transferido para o Panteão, Alfred Dreyfus foi atacado na rua. Um tribunal de Paris
absolveu o agressor, afirmando discordar da decisão que havia inocentado Dreyfus.
Mais estranho ainda é o fato de que nem a Primeira nem a Segunda Guerra Mundial fizeram
esquecer o processo.
Por iniciativa da Action Fran-çaise, o Précis de VAffaire Dreyfus [2] foi
reeditado em 1924 e tornou-se, de lá para cá, o manual de referência oficial dos adversários de
Dreyfus. Na estréia de VAffaire Dreyfus (peça teatral escrita por Rehfisch e Wilhelm Herzog
sob o pseudônimo de René Kestner), em 1931, reinava ainda a atmosfera dos anos 90 com
discussões na plateia, bombas asfixiantes nas primeiras filas, tropas de choque da Action
Française colocadas nos arredores para aterrorizar atores, plateia e curiosos. Aliás, o governo —
de Lavai — não agiu diferentemente dos seus predecessores de trinta anos antes: confessou de
bom grado que não podia garantir uma única representação sem tumulto, oferecendo assim mais
um triunfo tardio aos adversários de Dreyfus.
A peça teve de ser suspensa.
Quando Dreyfus morreu, em 1935, a imprensa, por medo, não comentou a questão. [3] Só os jornais da
esquerda retomaram os velhos termos para se referir à inocência de Dreyfus, enquanto os da
direita voltaram à culpabilidade de Dreyfus. Ainda hoje, embora em menor escala, o Caso
Dreyfus divide a política francesa. Quando Pétain foi condenado, o influente jornal de
província, Voix du Nord (de Lille), comparou o processo Pétain ao de Dreyfus e afirmou que "o
país permanece dividido como estava após o processo Dreyfus", porque o veredicto da corte não
podia solucionar um conflito político e "trazer para todos os franceses a paz de espírito ou de
coração". [4]
Enquanto o Caso Dreyfus em seu amplo aspecto político pertenceu ao século XX, o processo
Dreyfus e os vários julgamentos do capitão judeu Alfred Dreyfus são bem típicos do século
XIX, quando se seguiam com tanto interesse os processos legais, porque cada instância tentava
testar a maior conquista do século, que era a completa imparcialidade da justiça. É peculiar
daquele período que um erro judicial pudesse despertar tais paixões políticas e inspirar uma
sucessão tão infindável de julgamentos e revisões, para não mencionar os duelos e as lutas
corporais. A doutrina da igualdade perante a lei estava ainda tão firmemente implantada na
consciência do mundo civilizado que um único erro da justiça era capaz de provocar a
indignação pública, de Moscou a Nova York. Ninguém, exceto na própria França, era
suficientemente "moderno" para associar o assunto a questões políticas. [5] O mal causado a um
único oficial judeu na França pôde provocar no resto do mundo reações mais veementes e mais
unidas do que todas as perseguições a judeus alemães uma geração depois. Até a Rússia czarista
pôde acusar a França de barbárie, enquanto na Alemanha os membros da entourage do Kaiser
expressavam abertamente sua indignação. [6]
As dramatis personal do processo pareciam ter saído das páginas de Balzac: de um lado, os
generais classistas procurando freneticamente acobertar os membros do seu próprio grupo e, de outro, o antagonista deles, Picquard, com sua
honestidade calma, clarividente e levemente irônica. Ao lado deles a multidão indefinida dos
homens do Parlamento, cada qual apavorado com o que o vizinho podia saber; o presidente da
República, notório patrono dos bordéis de Paris, e os juízes encarregados do processo, que
viviam unicamente em função da ascensão social. Depois, há o próprio Dreyfus, na verdade um
arrivista, que se gabava junto aos seus amigos que altas somas da fortuna da família ele gastava
com as mulheres; os seus irmãos, pateticamente oferecendo de início toda a sua riqueza, e
depois reduzindo a oferta a 150 mil francos, para a soltura do parente, sem nunca revelarem ao
certo se desejavam fazer um sacrifício ou simplesmente subornar o Estado-Maior; e o advogado
Démange, realmente convencido da inocência do cliente, mas baseando a defesa em itens
secundários para livrar-se de ataques e danos aos seus interesses pessoais. Por último, há o
aventureiro Esterhazy, de antiga linhagem, tão completamente entediado por esse mundo
burguês, que buscava alívio tanto no heroísmo como na velhacaria. Ex-segundo-tenente da
Legião Estrangeira, impressionava seus colegas pelo arrojo altaneiro e pela imprudência.
Sempre em dificuldades, vivia servindo de segundo aos oficiais judeus em duelos e
chantageando seus ricos correligionários. Chegava mesmo a lançar mão dos bons ofícios do
próprio rabino-mor para obter as necessárias apresentações. Mesmo em sua queda final,
permaneceu fiel à tradição de Balzac. O que o levou à ruína não foi a traição nem o sonho
ardente de uma grande orgia em que 100 mil ulanos prussos, embriagados, cavalgariam furiosos
através de Paris, [7] mas sim o reles desfalque do dinheiro de um parente. E que falar de Zola, com
seu apaixonado fervor moral, sua atitude patética um tanto fútil, e a sua declaração
melodramática, à véspera da fuga para Londres, em que diz ter escutado a voz de Dreyfus
implorando-lhe esse sacrifício? [8]
Tudo isso pertence tipicamente ao século XIX e, por si mesmo, jamais teria sobrevivido a duas
guerras mundiais. O entusiasmo que o povo tinha por Esterhazy nos velhos tempos, tal como
seu ódio por Zola, já virou cinzas há muito, mas o mesmo aconteceu com aquela ardente paixão
antiaristocrática e anticlerical de Jaurès que — só ela — assegurou a libertação final de Dreyfus.
Como o caso Cagoulard iria mostrar, os oficiais do Estado-Maior já não precisavam temer a ira
do povo quando maquinavam seus planos para levar adiante um golpe de Estado. Desde a
separação entre o Estado e a Igreja, a França, embora certamente não fosse mais clericalista,
havia perdido grande parte de seu sentimento anticlerical, tal como a Igreja Católica havia
perdido muito de sua aspiração política. A tentativa de Pétain de transformar a república num
Estado católico foi bloqueada pela completa indiferença do povo e pela hostilidade do baixo
clero ao fascismo clerical.
O Caso Dreyfus, em suas implicações políticas, pôde sobreviver porque dois de seus elementos cresceram em importância no decorrer do século XX. O primeiro foi o
ódio aos judeus; o segundo, a desconfiança geral para com a república, o Parlamento e a
máquina do Estado. A maior parte do público podia ainda continuar a conceber, certa ou
erradamente, que esta última estivesse sob a influência dos judeus e do poderio dos bancos.
Ainda em nossos dias, o termo antidreyfusard pode definir na França, de modo aceitável, tudo o
que é anti-republicano, antidemocrático e antissemita. Há alguns anos, ele compreendia ainda o
monarquismo da Action Française, o "bolchevismo nacional" de Doriot e o "fascismo social" de
Déat. Não foi, porém, a esses grupos fascistas, numericamente insignificantes, que a Terceira
República deveu o seu colapso. Pelo contrário, a verdade simples, embora paradoxal, é que a
influência desses grupos antirrepublicanos nunca foi tão insignificante quanto no momento em
que o colapso da república realmente ocorreu. O que provocou a queda da França foi o fato de
que ela não tinha mais nenhum verdadeiro partidário de Dreyfus, ninguém que acreditasse que a
democracia e a liberdade, a igualdade e a justiça ainda pudessem ser defendidas ou realizadas
sob a república. [9] A república caiu, finalmente, como um fruto meio podre no colo daquele velho
grupo antidreyfusard [10] que sempre constituíra o âmago do seu Exército, e isso numa época em
que ela tinha — é verdade — poucos inimigos, mas quase nenhum amigo. Até o grupo de Pétain
era em grau muito reduzido produto do fascismo alemão, como claramente demonstrou a sua obstinada adesão às velhas fórmulas políticas de quarenta anos antes.
Enquanto a Alemanha nazista sagazmente mutilava a França e arruinava toda a sua economia
através da linha de demarcação imposta pelo armistício, os líderes da França em Vichy
entretinham-se com a velha fórmula das "províncias autônomas" de Barres, paralisando-a ainda
mais. Introduziram leis antiju-daicas mais prontamente que qualquer Quisling, gabando-se por
não precisarem importar o antissemitismo da Alemanha e de que suas leis sobre os judeus
diferiam em pontos essenciais das do Reich. [11] Procuraram mobilizar o clero católico contra os judeus, mas só conseguiram provar que os sacerdotes não apenas perderam suas
influências políticas, como também não eram verdadeiramente antissemitas. Pelo contrário,
bispos e sínodos, que o governo de Vichy queria mais uma vez transformar em força política,
protestaram mais enfaticamente contra a perseguição dos judeus do que qualquer outro grupo na
França.
Não é o processo Dreyfus com seus julgamentos, mas o Caso Dreyfus em suas implicações, que
traça a antevisão do século XX. Como disse Bernanos em 1931,12 "o Caso Dreyfus já pertence
àquela era trágica que certamente não terminou com a última guerra. O processo revela o
mesmo caráter desumano, conservando, em meio ao tumulto de paixões desenfreadas e chamas
de ódio, um coração inconcebivelmente frio e empedernido". Não foi certamente na França que
ocorreu a sequela exata do processo, mas, ao reler a história do caso, não é difícil de encontrar o
motivo pelo qual a França foi uma presa tão fácil do nazismo. A propaganda de Hitler falava
uma língua havia muito conhecida e jamais inteiramente esquecida. Se o "cesarismo"[13] da
Action Française e o nacionalismo niilista de Barres e Maurras nunca vingaram em sua forma
original, isso se deve a uma variedade de causas, todas elas negativas. Careciam de visão social
e não sabiam traduzir em termos populares aquelas fantasma-gorias mentais que o seu desdém
pelo intelecto havia engendrado.
Tratamos aqui essencialmente do significado político do Caso Dreyfus e não dos aspectos legais
do processo. Percebem-se nele nitidamente vários traços característicos do século XX. Tênues e
mal discerníveis durante as primeiras décadas do século, vieram finalmente à plena luz do dia, e
vê-se hoje que pertencem às tendências principais dos tempos modernos. Após trinta anos de
uma forma benigna e puramente social de discriminação antijudaica, era um pouco difícil
lembrar que o grito "Morte aos judeus!" já havia ecoado uma vez de ponta a ponta de um Estado
moderno, quando sua política doméstica se cristalizou ao redor da questão do antissemitismo.
Durante trinta anos, quando as velhas lendas de conspiração mundial constituíam apenas o
ganha-pão dos pasquins e da subliteratura, o mundo não se lembrava mais que, havia pouco
tempo, na época em que os "Protocolos dos sábios do Sião" ainda eram desconhecidos, toda
uma nação culta quebrava a cabeça, querendo descobrir quem tinha nas mãos as rédeas da
política mundial: se "Roma Secreta" ou o "Reino Secreto de Judá''.[14]
Ao mesmo tempo, a filosofia veemente e niilista da auto aversão espiritual [15] sofreu certo eclipse, quando um mundo temporariamente em paz consigo mesmo não
produziu uma safra de criminosos eminentes que justificasse a exaltação da brutalidade e da
falta de escrúpulos. Os Jules Guérin tiveram de esperar quase quarenta anos, antes que a
atmosfera estivesse novamente pronta para a ação de tropas de choque. Os declassés,
produzidos pela economia do século XIX, tiveram de crescer numericamente até que formassem
sólidas minorias nas nações, antes que aquele golpe de Estado, que não passara de uma conjura
grotesca [1]6 na França, pudesse, quase sem esforço, tornar-se realidade na Alemanha. O prelúdio
ao nazismo abrangeu todo o palco europeu. O processo Dreyfus, portanto, é mais do que um
"crime" [17] bizarro e mal resolvido, um caso de oficiais de Estado-Maior disfarçados, com barbas
postiças e óculos escuros, espalhando suas estúpidas falsificações à noite, nas ruas de Paris. Seu
herói não é Dreyfus, mas sim Clemenceau, e o caso começa não com a prisão de um oficial
judeu do Estado-Maior, mas com o escândalo do Panamá.
continua página 105...
________________
Parte I Antissemitismo (3. Os Judeus e a Sociedade: 3.4.1)
_____________[1] A obra até hoje indispensável sobre o assunto é a de Joseph Reinach, Histoire de l 'Affaire Dreyfus, Paris, 1903-11, 7 vols.
Dentre os estudos recentes, o mais detalhado, escrito de um ponto de vista socialista, é de autoria de Wilhelm Herzog, Der Kampf
einer Republik [Luta de uma república], Zurique, 1933. Suas completas tábuas cronológicas são muito valiosas. A melhor
apreciação política e histórica do processo é encontrada em D. W. Brogan, The development of modem Fran-ce, 1940, livros VI e
VII. Breve e fidedigno é G. Charensol, VAffaire Dreyfus et Ia Troisième Republique, 1930.
[2] Escrito por dois oficiais e publicado sob o pseudônimo de Henri Dutrait-Crozon.
[3] O Action Française (19 de julho de 1935) louvou o autocontrole da imprensa francesa, enquanto expressava a opinião de que "os famosos campeões da justiça e da verdade de quarenta anos atrás não deixaram discípulos". [Action Française era o principal órgão de imprensa do mais ativo agrupamento francês, do mesmo nome. (N. E.)]
[3] O Action Française (19 de julho de 1935) louvou o autocontrole da imprensa francesa, enquanto expressava a opinião de que "os famosos campeões da justiça e da verdade de quarenta anos atrás não deixaram discípulos". [Action Française era o principal órgão de imprensa do mais ativo agrupamento francês, do mesmo nome. (N. E.)]
[4] Ver G. H. Archambault no New York Times, 18 de agosto de 1945, p. 5.
[5] Discutiremos adiante as únicas exceções, que foram os jornais católicos, a maioria dos quais promovia agitação contra Dreyfus em todos os países. A opinião pública norte-americana chegou a tal exacerbação que, além dos protestos, foi iniciado um boicote organizado contra a Exposição Mundial de Paris, a inaugurar-se em 1900. Essa ameaça teve o efeito que comentaremos a seguir. Para uma análise da situação, ver a tese de doutorado de Rose A. Halperin, "The American reaction to the Dreyfus Case", 1941, arquivada na Universidade Columbia. A autora deseja agradecer ao professor Saio W. Baron pela gentileza de colocar esse estudo à sua disposição.
[5] Discutiremos adiante as únicas exceções, que foram os jornais católicos, a maioria dos quais promovia agitação contra Dreyfus em todos os países. A opinião pública norte-americana chegou a tal exacerbação que, além dos protestos, foi iniciado um boicote organizado contra a Exposição Mundial de Paris, a inaugurar-se em 1900. Essa ameaça teve o efeito que comentaremos a seguir. Para uma análise da situação, ver a tese de doutorado de Rose A. Halperin, "The American reaction to the Dreyfus Case", 1941, arquivada na Universidade Columbia. A autora deseja agradecer ao professor Saio W. Baron pela gentileza de colocar esse estudo à sua disposição.
[6] Assim, por exemplo, H. B. von Buelow, o chargé-d'affaires alemão em Paris, escreveu para o chanceler do Reich, Hohenlohe,
que o veredicto de Rennes era uma "mistura de vulgaridade e covardia, que são os sinais mais evidentes do barbarismo", e que a
França "com isso rompeu com a família de nações civilizadas" (citado por Herzog, op. cit., com data de 12 de setembro de 1899).
Na opinião de von Buelow, o Affaire era a "senha" do liberalismo alemão; ver suas Denkwürdigkeiten [Memórias], Berlim, 1930
1,1, p. 438.
[7] Théodore Reinach, Histoiresommaire de VAffaire Dreyfus, Paris, 1924, p. 96.
[8] Relatado por Joseph Reinach, através de citação de Herzog, op. cit., com data de 18 de junho de 1898.
[9] Que nem mesmo Clemenceau acreditava mais nisso no fim da vida é demonstrado claramente pelo comentário
citado por René Benjamin em seu livro, Clemenceau dans Ia retraite, Paris, 1930, p. 249: "Esperança? Impossível!
Como posso continuar esperando quando já não creio naquilo que me inspirou, ou seja, na democracia?"
[10] O general Weygand, membro da Action Française, foi em sua juventude um adversário de Dreyfus. Foi um dos
subscritores do "Memorial Henry", criado pelo Libre Parole em homenagem ao infeliz coronel Henry, que pagou
com o suicídio suas falsificações no Estado-Maior. A lista dos que assinaram o Memorial foi mais tarde publicada por
Quillard, um dos editores de VAurore (o jornal de Clemenceau), sob o título Le Monument Henry, Paris, 1899.
Quanto a Pétain, fez parte do Estado-Maior do governo militar de Paris de 1895 a 1899, época em que ninguém teria
sido admitido se não fosse comprovadamente um inimigo de Dreyfus. Ver J. M. Bourget, "La legende du marechal
Pétain", em Revue de Paris, II, 1931, pp. 57-69. D. W. Brogan, op. cit., p. 382, observa com propriedade que dos
cinco marechais da Primeira Guerra Mundial, quatro (Foch, Pétain, Lyautey e Fayolle) eram maus republicanos,
enquanto o quinto, Joffre, tinha inclinações clericais bem conhecidas.
[11] O mito, que enganou quase todos os judeus da França, de que a legislação antijudaica de Pétain lhe foi imposta
pelo Reich foi desmascarado pelos próprios franceses. Ver especialmente Yves Simon, La Grande Crise de La Republique Française: observations sur lapolitique des Fran-çais de l918 a 1938, Montreal,
1941, e Robert O. Paxton, Vichy France, Knopf, Nova York, 1972.
[12] Georges Bernanos, La grande peur des bien-pensants, Edouard Drumont, Paris, 1931, p. 262.
[13] Waldemar Gurian, Der integrale Nationalismus in Frankreich: Charles Maurras und die Action Française, Frankfurt-am
Main, 1931, p. 92, faz uma nítida distinção entre o movimento monarquista e outras tendências reacionárias. O mesmo autor discute
o processo Dreyfus em Die politischen undsozialen Ideen des franzòsischen Katholizismus. Gladbach, 1929.
[14] Sobre a criação desses mitos de ambos os lados, ver o estudo de Daniel Halévy, "Apo-logie pour notre passe", em Cahiers de
Ia Quinzaine, série XL, n? 10, 1910.
[15] A Carta à França, escrita por Zola em 1898, soa perfeitamente moderna: "Ouvimos dizer por toda parte que o conceito de
liberdade foi à falência. Quando surgiu o processo Dreyfus, esse ódio crescente à liberdade encontrou uma oportunidade
extraordinária, e as paixões começaram a se inflamar mesmo entre os inconscientes. Não veem que o único motivo pelo qual
Scheurer-Kestner tem sido atacado com tanta fúria é que ele pertence a uma geração que acreditava na liberdade e trabalhava por
ela? Hoje não se dá importância a essas coisas" (Herzog, op. cit., datado de 6 de janeiro de 1898).
[16] A natureza farsante das várias tentativas de coup d'état feitas nos anos 90 na França foi claramente analisada por Rosa
Luxemburg em seu artigo "Die sozialistische Krise in Frankreich" [A crise socialista na França], em Die Neue Zeit, vol. 1,1901.
[17] Não se sabe se o coronel Henry forjou o bordereau por ordens do chefe do Estado-Maior ou por iniciativa própria. Do mesmo
modo, a tentativa de assassinato contra Labori, advogado de Dreyfus no tribunal de Rennes, nunca foi devidamente esclarecida. Cf.
Emile Zola, Correspon-dance: lettres à Maitre Labori, Paris, 1929, p. 32, nota 1.
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