Hannah Arendt
Parte I
ANTISSEMITISMO
Este é um século extraordinário, que começa com a Revolução e termina com o Caso Dreyfus. Talvez ele venha a ser conhecido como o século da escória.
Roger Martin du Gard
3.4 - O caso Dreyfus
3.4.3 - O Exército e o Clero contra a República
Aparentemente distanciado de todos esses fatores, aparentemente imune a toda corrupção,
estava o Exército, herança do Segundo Império. A república nunca ousara dominá-lo, mesmo
quando as simpatias e intrigas monarquistas foram abertamente expressas na crise Boulanger. A
classe dos oficiais consistia, então como antes, nos filhos daquelas velhas famílias aristocráticas,
cujos ancestrais, como emigrados, haviam lutado contra seu país natal durante as guerras
revolucionárias. Esses oficiais estavam sob forte influência do clero, que mesmo antes da
Revolução havia feito questão de apoiar movimentos reacionários e antirrepublicanos. Essa
influência era talvez exercida com igual força sobre os oficiais de nascimento algo inferior, mas
que, em consequência da antiga prática da Igreja de distinguir o talento sem atentar para o
pedigree, esperavam promover-se com a ajuda do clero.
Em contraste com os círculos mutáveis e fluidos da sociedade e do Parlamento, onde a admissão
era fácil e a fidelidade volúvel, o Exército caracterizava-se pela rigorosa exclusividade, tão
característica do sistema de castas. Não era nem a vida militar, nem a honra profissional, nem o
esprit-de-corps que mantinha unidos seus oficiais para formar um baluarte revolucionário contra
a República e contra as influências democráticas; era simplesmente o laço da casta.[32] A recusa
por parte do Estado de democratizar o Exército e submetê-lo a autoridades civis impôs sérias
consequências: fez do Exército uma entidade separada da nação e criou uma força armada, cujas lealdades podiam enveredar por caminhos
imprevisíveis. Que essa força dominada por casta, quando entregue a si mesma, não era nem a
favor nem contra ninguém ficou claramente demonstrado na história dos golpes de Estado quase
burlescos, nos quais, a despeito de afirmações do contrário, o Exército realmente relutou em
tomar parte. Mesmo seu notório monarquismo era, afinal de contas, nada mais que um pretexto
para preservar-se como grupo de interesses independentes, pronto a defender seus privilégios
"sem consideração para com, a despeito de, ou mesmo contra a república".[33] Os jornalistas
contemporâneos e historiadores pósteros esforçaram-se para explicar o conflito entre os poderes
civil e militar durante o Caso Dreyfus em termos de antagonismo entre "comerciantes e
soldados".[34] Contudo, sabemos quão injustificada é essa interpretação indiretamente antissemita.
O departamento de espionagem do Estado-Maior tinha uma razoável experiência comercial.
Negociavam com despreocupação os borde-reaux forjados, vendiam aos adidos militares
estrangeiros informações com a facilidade de um comerciante de artigos de couro ao negociar
peles, podendo depois (o que era impossível ao negociante de peles) tornar-se presidente da
República, cujo genro, aliás, não deixava de negociar honrarias e distinções.[35] Na verdade, o
zelo de Schwartzkoppen, o adido alemão, ansioso por descobrir mais segredos que a França
tinha para esconder, deve ter causado embaraço àqueles cavalheiros do serviço de contra
espionagem, que, afinal, não podiam vender mais do que produziam.
Os políticos católicos, porém, cometeram grave erro ao imaginar que, para fins de sua política
europeia, podiam se utilizar do Exército francês simplesmente porque ele parecia ser antirrepublicano. Na verdade, a Igreja iria pagar por esse erro a perda de toda a sua influência
política na França.[36] Quando o departamento de espionagem emergiu finalmente como fábrica
de fraudes comuns,[37] ninguém na França, nem mesmo o Exército, estava tão seriamente
comprometido quanto a Igreja. No fim do século XIX, o clero católico buscava recuperar sua
antiga força política exatamente naquelas áreas onde, por uma razão ou outra, a autoridade
secular estava em declínio junto ao povo. Exemplos disso foram a Espanha, onde a aristocracia
feudal decadente provocou a ruína econômica e cultural do país, e a Áustria-Hungria, onde o
conflito de nacionalidades ameaçava destruir o Estado. E era este também o caso da França, onde a nação
parecia afundar rapidamente no lamaçal dos interesses em conflito.[38] O Exército — abandonado
num vácuo político pela Terceira República — aceitou de bom grado a orientação do clero
católico, que pelo menos proporcionava liderança civil sem a qual os militares perdem sua
"raison d'être, que é defender o princípio corporificado pela sociedade civil", como se
expressou então Clemenceau. A Igreja Católica, portanto, devia sua popularidade ao ceticismo disseminado entre o povo, que
via na república e na democracia a falta da ordem, segurança e consciência política. Para
muitos, o sistema hierárquico da Igreja parecia a única forma de evitar o caos. Era isso,
realmente, e não qualquer revivescência religiosa, que fazia com que o clero fosse olhado com
respeito.[39] Na verdade, os mais firmes partidários da Igreja nesse período eram os expoentes
daquele catolicismo chamado "cerebral", os "católicos sem fé", que iriam daí por diante dominar
todo o movimento monarquista e nacionalista extremo. Sem crerem em sua base extraterrena,
esses católicos clamavam por maior poder para todas as instituições autoritárias. Essa é, de fato,
a atitude primeiro assumida por Drumont e mais tarde endossada por Maurras.[40]
A grande maioria do clero católico, profundamente envolvida em manobras políticas, seguia a
estratégia de acomodação. Nisso, como o Caso Dreyfus torna claro, foi praticamente bem
sucedida. Assim, quando Victor Basch abraçou a causa de um novo julgamento, sua casa em
Rennes foi atacada sob a liderança de três padres,[41] enquanto uma figura tão eminente quanto o
padre dominicano Didon exortou os estudantes do Collège d'Arcueil a "desembainhar a espada,
cortar cabeças e atacar às cegas".[42] Semelhante também era o ponto de vista dos trezentos
clérigos que se imortalizaram no "Memorial Henry", como era chamada a lista de subscritores,
no Libre Parole, de um fundo em benefício de Madame Henry (viúva do coronel que se havia
suicidado na prisão),[43] e que é certamente um monumento perpétuo da chocante corrupção das
classes altas da França naquela época. Durante o período da crise Dreyfus, não foi o clero
regular, nem as ordens religiosas comuns, e certamente não os homines religiosi, que
influenciaram a linha política da Igreja Católica. No tocante à Europa, sua política reacionária
na França, na Áustria e na Espanha e seu apoio a tendências antissemitas em Viena, Paris e Argel foram provavelmente a consequência da
influência jesuíta. Foram os jesuítas que sempre melhor representaram, tanto na palavra escrita
como na falada, a escola antissemita do clero católico.[44] Isso provavelmente se deve em grande
parte aos seus estatutos, de acordo com os quais cada noviço há de provar que não tem nenhum
rastro de sangue judeu até a quarta geração.[45] E desde o começo do século XIX, a direção da
política internacional da Igreja já havia passado às suas mãos.[46]
Já observamos como a dissolução da máquina estatal facilitou a entrada dos Rothschild nos
círculos da aristocracia antissemita. A roda elegante do Faubourg Saint-Germain abriu suas
portas não apenas a alguns judeus nobres, mas também permitia que seus sicofantas batizados,
os judeus antissemitas, penetrassem juntamente com os imigrantes recentes.[47] É curioso terem
sido os judeus da Alsácia que, como a família Dreyfus, se haviam mudado para Paris após a
cessão daquele território pela França para a Alemanha, em 1870, que desempenharam papel
especialmente proeminente nessa escalada social. Seu patriotismo exagerado era mais
marcantemente visível no modo como procuravam desassociar-se dos novos imigrantes judeus,
adotando um tipo especial de antissemitismo.[48] Esse ajustamento à aristocracia francesa teve um
resultado inevitável: os judeus tentaram lançar seus filhos nas mesmas carreiras militares
superiores preferidas pelos filhos dos seus novos amigos. Foi aí que surgiu a primeira causa de fricção. A admissão dos judeus na alta sociedade havia sido relativamente
tranqüila. As classes superiores, a despeito de sonharem com uma monarquia restaurada,
careciam de fibra política; mas, quando os judeus começaram a procurar igualdade no Exército,
esbarraram com a decidida oposição dos jesuítas, que não estavam dispostos a tolerar a
existência de oficiais imunes à influência do confessionário.[49] Além disso, defrontaram-se com
um inveterado espírito de casta, que a atmosfera condescendente dos salões os tinha feito
esquecer, um espírito de casta que, já robustecido pela vocação, fortificava-se mais ainda pela
inflexível hostilidade à Terceira República e à administração civil.
Um historiador moderno descreveu a luta entre os judeus e os jesuítas como uma "luta entre
dois rivais", na qual o "clero jesuíta superior e a plutocracia judaica enfrentavam-se cara a cara
no meio da França como duas linhas de combate invisíveis".[50] A descrição é verdadeira no
sentido de que os judeus encontraram nos jesuítas seus primeiros inimigos implacáveis,
enquanto estes prontamente compreenderam o valor da arma chamada antissemitismo. Foi essa
a primeira tentativa, e a única antes de Hitler, de explorar o "importante conceito político"[51] do
antissemitismo numa escala pan-europeia. Por outro lado, contudo, se se presume que a luta era
entre dois "rivais" que se equivaliam, a descrição é visivelmente falsa. Os judeus não
procuravam poder maior do que era exercido por qualquer um dos outros grupos em que a
república se havia fragmentado. Tudo o que queriam na época era manter a influência suficiente
para cuidar de seus interesses sociais e comerciais. Não aspiravam a nenhum quinhão político
na administração do Estado. O único grupo organizado que buscava isso eram os jesuítas. O
julgamento de Dreyfus foi precedido por vários incidentes que mostravam quão resoluta e
energicamente os judeus tentavam conquistar um lugar no Exército, e como era comum, mesmo
naquela época, a hostilidade contra eles. Constantemente submetidos a pesados insultos, os
poucos oficiais judeus eram sempre obrigados a duelar, enquanto seus camaradas gentios se
recusavam a prestar-lhes o serviço de segundos. Nesse ponto aliás, o infame Esterhazy surge em
cena como uma exceção à regra.[52]
Até hoje não se esclareceu completamente se a prisão e condenação de Dreyfus foi
simplesmente um erro judicial que, por acaso, deu lugar a uma conflagração política, ou se o
Estado-Maior deliberadamente forjou o bordereau e usou-o como embuste para o fim expresso
de finalmente estigmatizar um judeu como traidor. Em apoio dessa última hipótese, há o fato de
que Dreyfus foi o primeiro judeu a galgar um posto no Estado-Maior e, nas condições da época,
isso podia ter causado não apenas aborrecimento, mas verdadeira fúria e consternação. De
qualquer forma, o ódio antijudeu foi desencadeado antes mesmo de se anunciar o veredicto.
Contrariamente ao costume, que exigia a retenção de toda informação num caso de espionagem
ainda sub judice, os oficiais do Estado-Maior alegremente forneceram ao Libre Parole detalhes
do caso e o nome do acusado. Receavam, aparentemente, que a influência judaica no governo
levasse a uma supressão do julgamento e a um abafamento do assunto. O fato de que certos
círculos da comunidade judaica preocupavam-se seriamente com as condições precárias dos
oficiais judeus empresta plausibilidade a esse receio.
Convém ainda lembrar que o escândalo do Panamá estava naquela época bem vivo na mente do
público e que, depois do empréstimo de Rothschild à Rússia, a desconfiança com relação aos
judeus havia crescido consideravelmente.[53] O ministro da Guerra, Mercier, era não apenas
elogiado pela imprensa burguesa a cada novo lance do julgamento, mas até o jornal de Jaurès,
que era o órgão dos socialistas, deu-lhe parabéns por "haver oposto resistência à formidável
pressão dos políticos corruptos e das altas finanças".[54] De modo característico, esse encômio
arrancou do Libre Parole a aprovação irrestrita de "Bravo Jaurès!". Dois anos mais tarde,
quando Bernard Lazare publicou seu primeiro panfleto sobre o erro da justiça, o jornal de Jaurès
evitou cuidadosamente discutir o seu conteúdo, mas acusou o autor, embora socialista, de
admirar Rothschild e de ser provavelmente seu agente pago.[55] Do mesmo modo, ainda em 1897,
quando a luta pela reintegração de Dreyfus já havia começado, Jaurès via nesse esforço apenas o
conflito entre dois grupos burgueses, os oportunistas e os clérigos. Finalmente, mesmo depois
do novo julgamento de Rennes, Wilhelm Liebknecht, o social-democrata alemão, ainda
acreditava na culpa de Dreyfus, porque não podia conceber que um membro das classes superiores pudesse jamais ser vítima de um veredicto falso, emitido pelos juízes pertencentes à
mesma classe.[56]
O ceticismo da imprensa radical e socialista, fortemente impregnado de sentimentos
antijudaicos, era fortalecido pelas táticas bizarras da família Dreyfus em suas tentativas de
iniciar um segundo julgamento. Ao tentar salvar um inocente, adotavam os métodos que
geralmente se usam no caso de um culpado. Tinham horror mortal da publicidade, e confiavam
exclusivamente em manobras clandestinas.[57] Eram pródigos com o dinheiro, e tratavam Lazare,
um dos seus mais valiosos auxiliares e uma das maiores figuras do caso, como se fosse agente
pago.[58] Clemenceau, Zola, Picquard e Labori — para citar apenas os mais ativos partidários de
Dreyfus — só no fim puderam salvar sua boa reputação, desassociando seus esforços, com mais
ou menos alvoroço e publicidade, dos aspectos mais concretos do caso.[59]
Dreyfus podia ou devia ter sido salvo apenas à base de uma coisa. As intrigas de um Parlamento
corrupto, a estéril podridão de uma sociedade em colapso e a sede de poder do clero deveriam
ter sido enfrentadas diretamente pelo austero conceito jacobino de uma nação baseada nos
direitos humanos — essa visão republicana da vida comunal que afirma que (nas palavras de
Clemenceau), quando se infringem os direitos de um, infringem-se os direitos de todos. Confiar
no Parlamento ou na sociedade era perder a luta antes de começá-la. Primeiro porque os
recursos dos judeus não eram, de modo algum, superiores aos da rica burguesia católica;
segundo, porque todas as camadas da sociedade, desde as famílias clericais e aristocratas do
Faubourg Saint-Germain até a pequena burguesia anticlerical e radical, estavam simplesmente
demasiado desejosas de ver os judeus formalmente removidos do corpo político. Julgavam poder dessa forma livrar-se de uma possível contaminação. A supressão dos contatos
sociais e comerciais com os judeus parecia-lhes um preço que bem valia a pena pagar. Além
disso, como indicam as declarações de Jaurès, o Caso era visto pelo Parlamento como uma
oportunidade ímpar para reabilitar, ou melhor, recuperar sua tradicional reputação de
incorruptibilidade. Por último, mas certamente não menos importante, no apoio a slogans como
"Morte aos judeus" ou "A França para os franceses", descobria-se uma fórmula quase mágica
para reconciliar as massas com o tipo de governo e sociedade existentes.
continua página 117...
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Parte I Antissemitismo (3. Os Judeus e a Sociedade: 3.4.3)
__________________[32] Ver o excelente artigo anônimo, "The Dreyfus case: a study of French opinion", em The Contemporary Review, vol. LXXXIV
(outubro de 1898).
[33] Ver Rosa Luxemburg, loc. cit.: "O motivo pelo qual o Exército relutava em agir era este: desejava mostrar sua oposição ao
poder civil da república sem, ao mesmo tempo, perder a força dessa oposição comprometendo-se com a monarquia".
[34] Foi sob esse título que Maximilian Harden (um judeu alemão) descreveu o processo Dreyfus em Die Zukunft (1898). Walter
Frank, o historiador antissemita, emprega o mesmo lema no título do seu capítulo sobre Dreyfus, enquanto Bernanos (op. cit., p.
413) observa no mesmo tom que "certa ou errada, a democracia vê no poder militar seu mais perigoso rival".
[35] O escândalo do Panamá foi precedido pelo chamado "caso Wilson". Verificou-se que o genro do presidente traficava
abertamente com honrarias e condecorações.
[36] Ver o padre Edouard Lecanuet, Les signes avant-coureurs de Ia séparation 1894-1910, Paris, 1930.
[37] Ver Bruno Weil, L 'Affaire Dreyfus, Paris, 1930, p. 169.
[38] Cf. Clemenceau, "La croisade", op. cit.: "A Espanha contorce-se sob o jugo da Igreja Romana. A Itália parece haver
sucumbido. Os únicos países restantes são a Áustria católica, já em sua agonia de morte, e a França da Revolução, contra a qual as
hostes do papa estão em pé de guerra neste instante" (p. 152).
[39] Cf. Bernanos, op. cit., p. 152: "Não há como repetir suficientemente este ponto: o verdadeiro beneficiário daquele movimento
de reação que se seguiu à queda do império e à derrota foi o clero. Graças a ele, a reação nacional depois de 1873 assumiu o caráter
de renovação religiosa".
[40] Quanto a Drumont e a origem do "catolicismo cerebral", ver Bernanos, op. cit., pp. 127ss.
[41] Cf. Herzog, op. cit., sob a data de 21 de janeiro de 1898.
[42] Ver Lecanuet, op. cit., p. 182.
[43] Ver acima, nota 10.
[44] A revista dos jesuítas, então órgão católico mais influente do mundo, Civiltà cattolica, foi durante décadas declaradamente
antissemita. Publicava propaganda antijudaica muito antes de a Itália ser fascista, e sua política não foi afetada pela atitude anticristã
dos nazistas. Ver Joshua Starr, "Italy's antisemites", em Jewish Social Studies, 1939.
De acordo com L. Koch, S. J.: "De todas as ordens, a Sociedade de Jesus, devido à sua constituição, é a melhor protegida contra
influência judaicas". Em Jesuiten-Lexikon [Enciclopédia jesuítica], Paderborn, 1934, artigo "Juden" [Judeus].
[45] Originalmente (1593), todos os cristãos de origem judaica eram excluídos da ordem. Um decreto de 1608 introduziu
investigações até a quinta geração; o decreto de 1923 reduziu isso a quatro gerações. Essas exigências só podem ser revogadas pelo
chefe da ordem e em casos individuais.
[46] Cf. H. Boehmer, Lesjésuites, tradução do alemão, Paris, 1910, p. 284: "Desde 1820 (...) não tem havido igrejas nacionais
independentes capazes de resistir às ordens papais ditadas pelos jesuítas. O clero superior de hoje armou suas tendas diante da Santa
Sé e a Igreja se tornou o que Belarmino, o grande controversista jesuíta, sempre exigiu que ela fosse: uma monarquia absoluta cuja
política pode ser dirigida pelos jesuítas e cujo funcionamento pode ser controlado com o apertar de um botão".
[47] Cf. Clemenceau, "Le spectacle du jour", em op. cit.: "Rothschild, amigo de toda a nobreza antissemita (...) de braços dados a
Arthur Meyer, que é mais papista que o papa".
[48] Quanto aos judeus alsacianos, aos quais Dreyfus pertencia, ver André Foucault, "Un nouvel aspect de 1'Affaire Dreyfus", em
Les ouevres libres, 1938, p. 310: "Aos olhos da burguesia judaica de Paris, eles eram a encarnação da rigidez nacionalista (...) aquela
atitude de remoto desdém que a gente de posição assume em relação aos seus colegas arrivistas. Seu desejo de se assimilar
completamente aos modos gálicos, de viver em termos íntimos com as nossas famílias tradicionais, de ocupar as posições mais
ilustres do Estado, e o desprezo que demonstrava pelos elementos comerciais da comunidade judaica, pelos 'polaks' [ judeus
poloneses] da Galícia [província ex-polonesa da Áustria-Hungria], recém-naturalizados, davam-lhes quase a aparência de traidores
de sua própria raça. (...) Os Dreyfus de 1894? Pois eram antissemitas!".
[49] Cf. K. V. T. em The Contemporary Review, LXXIV, 598: "Pelo desejo da democracia, todos os franceses
devem ser soldados; pelo desejo da Igreja, só nas mãos de católicos devem estar os comandos principais".
[50] Herzog, op. Ht. ,p. 35.
[51] Cf. Bernanos, op. cit., p. 151: "Assim, despojado de hipérboles ridículas, o antissemitismo mostrou o que
realmente é: não simples ranzinzice ou sestro mental, mas um importante conceito político".
[52] Ver a carta de Esterhazy de 29.6.1894 a Edmond de Rothschild, citada por J. Reinach, op. cit., II, pp. 93ss. "Não
hesitei quando o capitão Crémieux não conseguiu encontrar um oficial cristão para servir-lhe de segundo". Cf. T.
Reinach, Histoire sommaire de VAffaire Dreyfus, pp. 60ss. Ver também Herzog, op. cit., sob data de 1892 e junho de
1894, onde esses duelos são relacionados em detalhe, inclusive com os nomes de todos os intermediários de
Esterhazy. A última vez foi em setembro de 1896, quando ele recebeu 10 mil francos. Essa generosidade mal dirigida
teve mais tarde resultados inquietantes. Quando, na confortável segurança da Inglaterra, Esterhazy afinal fez suas revelações, e forçou assim uma revisão do caso, a imprensa antissemita sugeriu naturalmente que ele
havia sido pago pelos judeus para se autocondenar.
[53] Herzog, op. cit., em data de 1892, mostra em detalhe como os Rothschild começaram a adaptar-se à república. É
curioso que a política papal de coalicionismo, que representa uma tentativa de reaproximação por parte da Igreja
Católica, date precisamente do mesmo ano. Não é impossível, portanto, que os Rothschild fossem influenciados pelo
clero. Quanto ao empréstimo de 500 milhões de francos à Rússia, o conde Münster observou com pertinência: "A
especulação morreu na França. (...) Os capitalistas não encontram meio de negociar seus títulos(...) e isso contribuirá
para o sucesso do empréstimo. (...) Os judeus importantes creem que, se ganharem dinheiro, poderão melhor ajudar
seus irmãos pobres. O resultado é que, embora o mercado francês esteja abarrotado de títulos russos, os franceses
ainda estão pagando bons francos por rublos inúteis"; Herzog, ibid.
[54] Cf. J. Reinach, op.cit., 1,471.
[55] Cf. Herzog, op., p. 212.
[56] Cf. Max J. Kohler, "Some new lights on the Dreyfus case", em Studies in Jewish bibliography and relatedsubjects in metnory
of A. S. Freidus, Nova York, 1929.
[57] A família Dreyfus, por exemplo, rejeitou sumariamente a sugestão de Arthur Lévy, o escritor, e de Lévy-Bruhl, o erudito, de
que devia circular uma petição de protesto entre todas as figuras mais importantes da vida pública. Em vez disso, encetou uma série
de contatos pessoais com quaisquer políticos que viesse a encontrar; cf. Dutrait-Crozon, op. cit., p. 51. Ver também Foucault, op.
cit., p. 309: "A esta distância, poderíamos nos perguntar por que os judeus franceses, em vez de examinar os documentos
secretamente, não expressaram adequada e abertamente a sua indignação".
[58] Cf. Herzog, op. cit., em dezembro de 1894 e janeiro de 1898. Ver também Charensol, op. cit., p. 79, e Charles Péguy, "Le
portrait de Bernard Lazare", em Cahiers de Ia Quinzaine, série XII, n? 2(1910).
[59] O afastamento de Labori pela família Dreyfus causou grande escândalo. Um relato completo, se bem que exagerado, pode ser
encontrado em Frank, op. cit., p. 432. A declaração do próprio Labori, que fala alto de sua nobreza de caráter, foi publicado em La
Grande Revue (fevereiro de 1900). Após o que aconteceu com o seu advogado e amigo, Zola rompeu imediatamente as relações
com a família Dreyfus. Quanto a Picquard, o Echo de Paris (30 de novembro de 1901) disse que, depois disso, ele nada mais tinha a
ver com os Dreyfus. Clemenceau, diante do fato de que toda a França, ou mesmo o mundo inteiro, compreendia melhor o
significado real dos julgamentos que o acusado ou sua família, tendia mais a achar o incidente engraçado; cf. Weil, op. cit., pp. 307
8.
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