sábado, 12 de julho de 2025

Dostoiévski - O Idiota: Quarta Parte (8c) - Ela também estava vestida

O Idiota

Fiódor Dostoiévski

Tradução portuguesa por José Geraldo Vieira

Quarta Parte

8..

continuando...

     Ela também estava vestida simplesmente, toda de preto. Levantou-se para saudá-los, mas não sorriu e nem estendeu a mão ao príncipe. Seus olhos atentos e inquietos pousaram sobre Agláia. As duas sentaram- se a pequena distância uma da outra. Agláia, em um sofá, a um canto da sala; Nastássia Filíppovna rente à janela. Liév Nikoláievitch e Parfión não se sentaram e nem ela os convidou a isso. 
     O príncipe olhou com perplexidade e mesmo, depois, com angústia para Rogójin que continuava com o mesmo sorriso. O silêncio durou pouco, logo uma expressão de vivacidade percorrendo todo o rosto de Nastássia Filíppovna. O seu olhar brilhou, obstinado, firme e cheio de rancor, não deixando um só segundo de alternar de um visitante para outro. 
     Agláia estava evidentemente perturbada, mas apesar da confusão não parecia intimidada. Desde que penetrara na sala não erguera os olhos para a rival, mantendo-os no assoalho, com ar de reflexão, apenas de quando em quando procurando olhar para as paredes e os móveis com naturalidade. Havia uma secreta expressão de mal-estar em seu rosto, como se receasse uma contaminação. Maquinalmente arranjou a orla do vestido e se sentou mais para a beira do sofá, fazendo isso com gestos e movimentos provavelmente inconscientes. Mas essa atitude mutável tornava insultuoso o seu comportamento concentrado. Por fim olhou bem para Nastássia Filíppovna e leu instantaneamente tudo quanto se ocultava no enigmático brilho dos olhos da rival. A mulher compreendeu a mulher. E Agláia estremeceu. 

- Naturalmente sabe o motivo do pedido que fiz para que viesse de Petersburgo - disse com voz baixa, fazendo duas pausas em período tão curto.
- Não, não sei de nada - respondeu Nastássia Filíppovna de modo abrupto e seco.

      Agláia enrubesceu. Repentinamente a feriu, como fenômeno incrível, estar sentada ali com tal criatura e presa a uma sua resposta. Ao primeiro som da voz de Nastássia Filíppovna um calafrio a percorreu, o que logo a outra de modo muito claro percebeu.

- Compreende tudo, mas por cálculo pretende não entender... - disse Agláia, quase em um sussurro, olhando logo para o chão.
- Por que faria eu isso? Por que deveria eu fazer isso? - disse Nastássia e sorriu.
- Para adquirir vantagem sobre a minha situação de estar aqui nesta casa - atalhou Agláia de modo deselegante e inconveniente. 
- Vós, e não eu, sois a responsável por vossa situação - opinou Nastássia Filíppovna, com veemência. - Não estais aqui por convite meu. Eu sim é que aqui me acho obedecendo a um convite vosso; e ainda ignoro qual seja a razão.

     Agláia ergueu orgulhosamente a cabeça:

- A sua língua é a arma de que dispõe. E não vim lutar batendo boca. 
- Ah! Então viestes lutar comigo? Pois acreditai que vos julgava mais fina.

     Olharam uma para a outra sem esconder seus mútuos despeitos. Uma delas era a mulher que havia escrito aquelas cartas à outra. E agora, ao primeiro encontro, tudo caía aos pedaços. E ainda assim nenhuma das quatro pessoas que se achavam naquela sala parecia haver percebido tão estranho fenômeno.
     O príncipe, que um dia antes nem por sonhos admitira a possibilidade disso, estava ali, olhando e ouvindo, como se desde muito houvesse previsto tudo. O mais fantástico dos sonhos se convertia assim nitidamente na mais viva e cabal realidade. Uma dessas mulheres desprezava naquele momento a outra, e de tal maneira, querendo lhe exprimir com tamanha intensidade esse desprezo (viera somente para isso, conforme Rogójin declararia no dia seguinte) que, não contando de antemão com o desordenado intelecto e a alma tenaz da rival, cuidou que esta não adotara previamente nenhuma idéia a usar contra tal desprezo maligno tão tipicamente feminino.
     O príncipe certificou-se logo que Nastássia Filíppovna espontaneamente não faria menção às cartas. Essas cartas o afligiam agora a ponto de dar metade de sua vida para que Agláia não se referisse a elas. Mas parece que Agláia repentinamente se contagiou na atmosfera de contenção pois, já se dominando, disse:

- A senhora me compreendeu mal. Não vim lutar, muito embora não a estime... Eu vim.., apenas conversar, como um ser humano se dirigindo a outro ser humano. Quando a mandei procurar já havia decidido o que lhe haveria de dizer e não quero me afastar agora de uma tal decisão, mesmo que não fosse neste momento compreendida de todo. Seria pior para uma de nós, ou melhor... não para mim! Desejei responder-lhe ao que me escreveu e vim fazê-lo pessoalmente por me parecer mais conveniente. Ouça agora a minha resposta a todas as suas cartas: tive pelo Príncipe Liév Nikoláíevitch, desde o dia em que o conheci e principalmente depois que me contaram o que lhe aconteceu na recepção da senhora, tive pena dele porque é um homem tão puro de coração que chegou a acreditar, mercê de sua ingenuidade, que poderia ser feliz com... uma mulher... de tal caráter. Do que temi que lhe viesse a suceder tudo já se deu, pois a senhora foi incapaz de amá-lo. Antes, o torturou e o abandonou. Não o pôde amar porque é muito orgulhosa... Não, expressei-me mal, porque... é muito vã... Ainda não é o termo que quero... Porque o seu egoísmo deu em crescer... crescer até ao ponto de vir a ser loucura, do que as suas cartas são uma prova concludente. Não podia amar um homem simples como ele e muito provavelmente no íntimo o desprezava e achava ridículo. A senhora não pode amar coisa nenhuma, exceto a sua própria vergonha e esse seu contínuo pensamento, que já é mania, de que foi posta pelos homens debaixo da ignomínia e da humilhação. Se a sua ignomínia fosse menor e, pudesse, por isso, se libertar dela de vez, seria muito menos infeliz... - Agláia sentia prazer em pronunciar palavras ponderadas e desde muito preparadas, mas ainda assim, agora, pronunciava, demasiado apressadamente, essas palavras que tinha escolhido antes da entrevista; mas, apesar do nervoso, examinava o efeito delas no rosto contraído de Nastássia Filíppovna. - Deve a senhora se recordar bem que ele me escreveu uma carta naquela ocasião. Sei que a senhora soube e leu essa carta, pois ele me disse, depois. Pois bem, aquela carta me fez entender tudo e de maneira bem correta. Ele já teve ocasião de me confirmar tudo isto que lhe estou agora quase que repetindo palavra por palavra. Depois da carta, esperei. Estava certa de que a senhora viria para aqui porque sem Petersburgo a senhora não pode existir. A senhora ainda é muito nova e bem parecida para as províncias. Aliás, estas palavras não são minhas - acrescentou enrubescendo vivamente e desde então a coloração não lhe abandonou mais as faces, até acabar de falar. - Quando revi o príncipe, me senti cruelmente tocada e ferida, por causa dele. Não ria. Se a senhora rir é porque não está capacitada para entender o que estou dizendo. 
- Bem vedes que não estou rindo - disse Nastássia Filíppovna de um modo grave e quase lúgubre.
- Aliás, tanto se me dá. Pode rir, se quiser. Às primeiras perguntas que a ele dirigi, me respondeu que tinha cessado desde muito de a amar e que até a sua lembrança lhe causava tortura, mas que... sentia pena da senhora... e que quando pensava na senhora o coração lhe ficava trespassado. Tenho a dizer-lhe, também, que nunca, em minha vida, encontrei um homem como ele, de uma simplicidade tão nobre e de uma confiança tão ilimitada. Compreendi, só pelo modo dele falar, que quem quisesse o podia enganar e que ele perdoaria quem o enganasse; eis porque o fiquei querendo mais.  

     Agláia parou um momento, como que espantada, não acreditando ter ousado e podido pronunciar tais palavras. Mas, ao mesmo tempo, um orgulho infinito apareceu em seus olhos. Agora parecia de fato não se importar se “aquela outra mulher” se risse, imediatamente, ante a confissão saída de sua boca.

- Já lhe disse tudo e agora, sem dúvida, entendeu o que quero da senhora.
- Talvez tenha entendido, mas seria melhor se vós mesma mo dissésseis - respondeu Nastássia Filíppovna, mansamente.

     Houve um brilho de cólera no rosto de Agláia.

- Queria que me fizesse saber - pronunciou com firmeza e de modo bem perceptível - que direito tem de se misturar nos sentimentos dele por mim? Com que direito ousou mandar-me aquelas cartas? Com que direito andou declarando a ele e a mim que o ama, para abandoná-lo em seguida, por vontade própria, fugindo de maneira tão degradante e insultante?
- Nunca declarei a ele, ou a vós, que o amo - articulou Nastássia Filíppovna com esforço. - E tendes razão em dizer que fugi dele - acrescentou tão baixo que o tom foi quase inaudível.
- Então nunca o declarou a mim, nem a ele? - gritou Agláia - E as suas cartas? Quem lhe pediu para começar lutando e pedindo que eu me casasse com ele? Não era isso declaração? Por que se interpôs? Pensei, no começo, que tentasse fazer erguer-se em mim uma aversão por ele, ao interferir contra nós, obrigando-me, assim, a desistir. Foi só depois que adivinhei o que isso tudo significava, Simplesmente imaginou que estava fazendo algo de heroico e de maravilhoso trabalhando assim a favor de suas pretensões Como há de amá-lo, se ama tanto a sua vaidade? Por que, então, não se foi simplesmente embora daqui em vez de ficar a me escrever cartas tão absurdas? Por que então não se casa com o homem que com generosidade a ama e a honra, com o lhe oferecer a sua mão? E claro, porque se se casasse com Rogójin de que se haveria de queixar? Ao contrário, teria feito muita honra a si mesma. Evguénii Pávlovitch disse muito bem que a senhora leu Poesia demais e teve educação demasiada para a sua... situação que é “saia e blusa” e quer ser “dalmática”; que vive na indolência querendo heroísmos... Junte-se agora, a isso, que ele caracterizou tão bem, a vaidade! E logo se tem uma explicação de tudo.  
- E vós, não viveis na indolência?

     Com excessiva rapidez e crueldade as coisas haviam chegado a um extremo tão inesperado; inesperado, porque Nastássia Filíppovna, ao dirigir-se a Pávlovsk, imaginava que tudo se passaria de maneira bem diferente, muito embora os seus pressentimentos fossem antes maus do que bons. Agláia deixou-se levar de modo tão absoluto pelo impulso do momento como se, estando a cair precipício abaixo, não pudesse resistir à alegria tenebrosa da vingança. Era positivamente estranho para Nastássia Filíppovna, ver Agláia neste estado. Olhou-a e não pôde acreditar em seus olhos, ficando, nos primeiros instantes, completamente estupefata. E apesar de, como dissera Evguénii Pávlovitch, ser uma mulher que havia lido poesia demais, ou fosse uma louca como Míchkin estava convencido, de qualquer modo, muito embora às vezes se comportasse com cinismo e impudência, ainda assim estava longe de não ser uma mulher modesta, mansa e sincera (mais até do que se poderia acreditar). Por mais cheia que andasse de ideias românticas, de fantasias caprichosas e cismas egoísticas, ainda assim, havia nela muita coisa de forte e de profundo!... O príncipe compreendeu isso. E agora a expressão do seu rosto era de indizível sofrimento. Agláia percebeu, tremeu de desdém, e com indescritível altivez disse em resposta à exclamação de Nastássia Filíppovna: 

- Ousa dirigir-se deste modo a mim?
- Deveis ter-me ouvido mal - disse Nastássia Filíppovna, com surpresa - Como foi que me dirigi a vós?
- Se, realmente, queria ser uma mulher respeitável, por que, tão simplesmente, não abandonou o seu sedutor, Tótskii, sem cenas teatrais? - disse Agláia. Subitamente, desviando a orientação da conversa. 
- Que sabeis vós da minha situação, para assim ousar julgar-me? - indagou Nastássía Filíppovna, trêmula: estava ficando terrivelmente branca. 
- Que sei? Pergunta isso a mim? Sei que a senhora não foi trabalhar, mas que se meteu com um homem rico, Rogójin, para fingir de anjo decaído. Não me espanta que Tótskii tente até se dar um tiro, para se livrar de um tal anjo decaído.
- Não faleis assim! - Nastássia Filíppovna fez um ar tanto de repulsa como de angústia. - Vós me entendeis tanto quanto a criada de Dária Aleksiéievna que se foi queixar ao juiz do noivo! Ela entenderia melhor do que vós. 
- E que tem de mais que entendesse?! Muito provavelmente! Uma rapariga respeitável que trabalha para viver! Por que se refere com tamanho desprezo a uma empregada doméstica?
- Não sinto desprezo pelo trabalho, e sim por vós, quando falais de trabalho! 
- Se quisesse ser respeitável tinha de começar por se tornar primeiro uma lavadeira! 

     Ambas se ergueram e se olharam, lívidas.

- Agláia, pare; isso é injusto! - exclamou o príncipe, zonzo. 

     Rogójin já não sorria, mas estava escutando com os lábios cerrados, de braços cruzados.

- Vede! Olhai-a! - disse Nastássia Filíppovna, fremindo de cólera. - Olhai essa jovem! E eu que a tomava por um anjo! Vieste à minha casa, tu, Agláia Ivánovna, sem trazeres uma governanta? Bem, já que assim preferes.., vou dizer-te imediatamente, e em cheio, por que me vieste ver. Tinhas medo, eis por que vieste. 
- Medo de ti? - perguntou Agláia, fora de si, com uma admiração ingénua, insultada por aquela mulher lhe ousar falar desta forma. 
- De mim, sim.., naturalmente que de mim! Tiveste medo. Se resolveste vir aqui, é que tinhas medo de mim. Não desprezamos aqueles dos quais temos medo. E dizer-se que respeitei isso que está aí, até este momento! Mas queres saber o teu medo qual é e qual o teu fim, o teu propósito principal agora, nisto tudo? Queres descobrir tu mesma, se ele te ama mais do que a mim ... Não passas de uma terrível ciumenta!... 
- Ele já me disse que te odeia! - murmurou Agláia.
- Talvez, decerto mesmo, não o mereço... mas penso que estás mentindo! Ele não me pode odiar! Ele não pode ter dito isso! Mas estou pronta a perdoar-te, tendo em vista a posição em que te achas... embora eu esperasse poder pensar melhor a teu respeito. Pensei que fosses mais esperta e bem mais bonita, cheguei a pensar mesmo Está bem, toma o teu tesouro!... Aqui está ele, até está te olhando, está deslumbrado! Toma-o, mas com a condição de deixares esta casa imediatamente! Já, neste minuto!

     Atirou-se em uma poltrona e caiu em pranto. Pouco depois. Porém, ergueu um rosto que se iluminava com um sentimento novo. Olhou com decisão para Agláia, fixou-a bem e se levantou.

- Mas, se duvidas, eu falarei com ele... Basta que eu ordene, estás ouvindo bem? Basta uma palavra minha, e ele te arremessará para longe, imediatamente! E ficará comigo! E casará comigo, ao passo que tu terás de correr para tua casa, escorraçada e sozinha. Devo fazê-lo? Devo? - gritou, como louca, sem saber que era capaz de dizer tal coisa.

     Agláia correu aterrorizada para a porta, mas parou, porque ela continuava a falar.

- Quer que mande Rogójin embora? Achavas, então, que eu ia me casar com Rogójin só para te ser agradável! Pois aqui, na tua presença, vou gritar para Rogójin: “Vai embora!” e vou dizer ao príncipe: “Lembras-te do que me disseste?” Céus, por que me humilhei diante deles? Disseste-me, ou não, príncipe, que me seguirias acontecesse o que acontecesse, que não me abandonarias nunca, e que me amavas.., e que me perdoavas tudo... e que me resp... e... quê?... Sim! Isto também tu disseste! E foi para te deixar livre que fugi aquela vez! Mas agora não fugirei, não! Pergunta, vamos, pergunta a Rogójin, se eu sou uma mulher perdida! Ele o dirá! E agora, que ela me cobriu de vergonha, diante de teus olhos, arredar-te-ás de mim e te retirarás de braço com ela? Bem, então, se tu também maldito, pois eras a única pessoa no mundo em quem eu confiava! 

     Sem saber direito o que estava dizendo, soltando as palavras com esforço, o rosto convulso, os lábios repuxados, disse mais alto ainda:

- Vai-te embora. Rogójin! Não és preciso para nada!

     Evidentemente não acreditava em uma sílaba da sua tétrica eloquência, e ao mesmo tempo desejava prolongar essa situação, por um minuto mais que fosse para iludir-se. O sofrimento foi tanto, que a poderia ter matado (como, pelo menos, pensou o príncipe).

- Aqui está ele. Olha-o! - gritou para Agláia apontando para Míchkin. - Se não vier para mim, imediatamente, se não me tomar, se não desistir de ti, toma- o tu, eu to dou, não o quero!

     Mas ela e Agláia ficaram, nisto, em suspenso, e ambas, como criaturas loucas, olharam para o príncipe. Ele, decerto, não entendeis toda a força deste desafio. De fato! É certo que não entendeu.! Apenas via, diante de si, a frenética e desesperada face que (como uma vez dissera a Agláia) “tinha apunhalado o seu coração para sempre”. E vendo, não pôde suportar mais e se voltou suplicando e repreendendo Agláia, mostrando-lhe Nastássia Filíppovna: “Como podeis...? Não vêdes, então, que criatura infeliz ela é?”
     E não pôde pronunciar mais nada, petrificada pela terrível expressão dos olhos de Agláia. Esse olhar traía tamanho sofrimento, e ao mesmo tempo tão desmesurada cólera que, com um gesto de desespero, correu para ela... Mas era muito tarde. Ela não pudera suportar o instante sequer da sua hesitação. Escondeu o rosto nas mãos, gritou “Ó meu Deus!”, descobriu o rosto e saiu a correr da sala, seguida por Rogójin que foi desaferrolhar a porta. O príncipe instantaneamente correu também, mas já na porta se sentiu agarrado por dois braços, diante do umbral. Diante do seu, se estampava, convulso e desesperado, o rosto de Nastássia Fillíppovna que de modo lancinante lhe disse:

- Tu a segues? A ela?

     E caiu sem sentidos em seus braços. Susteve-a, carregou-a para a sala, depô-la em um canapé, e ficou ali, em pé, marasmado. Havia um copo com um resto de água sobre a mesinha ao lado. Aproximando-se, vindo da porta, Rogójin aspergiu-o sobre o rosto dela. Abrindo, um minuto depois, os olhos, durante outro minuto não se lembrou de nada; mas, subitamente, volveu os olhos em redor, tentou erguer-se, arremessou-se aos braços do príncipe, gritando:

- Meu! És meu!... A jovem orgulhosa já foi embora? Ah! Ah! Ah! - parecia uma histérica em paroxismo. - Ah! Ah! Ah! Eu te ofereci àquela jovem louca! E por quê? Para quê? Eu estava fora de mim! Vá-se embora, Rogójin! Ah! Ah! Ah!... 

     Rogójin olhou-os; não disse palavra. Tomou o chapéu e saiu. Dez minutos depois o príncipe estava sentado ao lado de Nastássia Fílíppovna, com os olhos postos nela, acariciando-lhe o rosto e os cabelos com ambas as mãos, como se ela fosse uma criancinha. Suspirava em resposta às suas risadas e chorava em resposta às suas lágrimas. Não dizia nada. Só lhe escutava o balbucio entrecortado, incoerente e excitado. Não compreendia quase nada do que ela balbuciava, mas lhe sorria meigamente e logo que percebia que recomeçava a afligir-se, a chorar, a queixar-se dele, a lastimar-se, principiava de novo a acariciar-lhe a cabeça, desde os cabelos até ao queixo, acalmando-a, consolando-a como a uma criancinha.

Terceira Parte
O Idiota: Quarta Parte (8c) - Ela também estava vestida
___________________ 

___________________


Nenhum comentário:

Postar um comentário