Becos sem saída - O nascimento
IV
baitasar
O
doutor plantonista termina o comportamento de revisão com a Cariciosa e acaba
com a visitação, afinal, ainda não é hora de felicitação e serviço de
acompanhamento é só no privativo — Seu Manualdo, o senhor precisa sair.
— Já vou.
— Fica mais um pouquinho, amorzinho...
— Não vão deixar, minha preta. — pede que
se acalme, tudo vai funcionar.
Importava
que a Maria Cariciosa estava no alcance das mãos sublimes do doutor plantonista
e as confusões dos trabalhos do nascimento nas mãos de Deus. Desenhou o sinal
de cruz e moveu os lábios de um jeito delicado e solene, para que os dois – o
plantonista e Deus - tomassem decisões de acertar para o seu filho e a sua
mulher. Manualdo olhou ao redor e sentiu falta de mais ajudantes-de-ordens, mas
ficou calado, não queria preocupar sua Cariciosa. Era muito nascimento em vias
de nascerem com aquela dupla de plantonistas de emergência. Já estava se
despedindo das rezas quando lembrou de mais uma coisinha, ficou zumbindo na
orelha de Nhãnderú
— Meu Pai, criador de tudo que existe, não
deixe de vir a calhar dois nascimentos na mesma hora, o rapaz não vai saber como
assobiar e chupar cana... e Deus é apenas o supervisor. — depois das preces feitas, decidiu dar um
enrolão no doutor. Foi ao banheiro. Voltou de toca e querendo arranjar-se com o
tapa-boca, resmungava incompreensões de pai angustiado — Só queria saber como é
que se amarra esse babeiro na cara. — ficou sem chinelos, descalço, assim mexia
melhor de um lugar para outro. Fazia fingimento de médico no labirinto das
camas e gemidos, desconfiava que se a segurança do hospital lhe alcançasse
seria uma desgraça.
Mas já
havia decidido que não ficava longe. A empilhadeira teve que esperar.
Tudo, por
ali, na sala branca dos nascimentos, continuava igual. Na espera, na angústia,
no medo, no amor, na vontade de tudo acabar logo, ficou ao lado da Cariciosa,
aguardando qualquer garantia de que o guri estava vindo — Manualdo... — O que
foi, minha preta?
— Avisa que vai nascer.
— Tem certeza? — Avisa, por favor.
Manualdo,
segurado pela mão da sua Cariciosa, chamou pelo doutor plantonista. Um grito
comedido de educação, cuidado de não enervar as outras moças no serviço de
parir. Esperou o tempo necessário, ninguém apareceu. Então, fez uso do grito
das matas pra assustar assombração — Doutor plantonista! — O senhor por aqui...
A sua
mulher não chorava nem gritava, deixava os gritos para o Manualdo, apenas
abraçava seus dedos com todas as suas forças de mãe preparando o nascimento — Doutor,
acho que vai nascer... — O senhor não pode estar aqui.
— É que já vai nascer, doutor.
— Não, ainda leva um tempinho. — Acho que
não, doutor plantonista. — o parteiro inexperiente de plantão aproxima para
examinar a mãezinha, ergue o lençol e nem precisa enfiar os olhos perto da
preta — Caramba, a cabeça já quase se vem vindo!
Manualdo
deu um salto, ficou do lado do doutor plantonista. Olhavam a cabeça do guri se
enfiando para fora da mãe. O guri ainda não havia escorrido da mãe e as
lágrimas ameaçando rechear os olhos do pai — Peludo na cabeça... — O que foi
Manualdo?
— O que a gente faz agora, doutor
plantonista? — os dois estão frente um ao outro, os olhos passam pelo salão das
barrigas enchidas até o gargalo, prontas para estourar feito a rolha do
champanhe, nenhuma ajuda nas vistas — Calma, ainda tem tempo. — Seu doutor,
acho que não.
— O senhor está sabendo alguma coisa que
eu não sei?
— A Maria me cochichou que tá sentindo o
nosso bebe passando.
— Acabei de examinar essa mocinha... — dito
e feito, o doutor subiu novamente o lençol e o guri já estava desabrochando — Lá
vem ele!
— O que foi doutor? A minha Maria tá
fazendo feio?
— A cabeça está passando... — Precisa de
ajuda?
— Não. — começaram a correria com a cama e
a Maria em cima, até o privativo dos nascimentos. Manualdo fingia que está
sentado no muro da escola namorando a sua Cariciosa. Apalpando e apertando. Ela
lhe rodeava a mão sem nenhuma xingação. Estava a acalmá-lo. Manualdo, Maria
Cariciosa, o doutor parteiro do plantão médico e o guri nascendo. A vida estava
chamando e se mostrando para os três. Menina danada feito lua cheia. Boa de
namorar. O doutor não estava sozinho, tinha a mãe fazendo força e o pai a desenhar
o sinal da cruz
— Meu Pai Nhãndurú, criador de tudo que
existe, é agora a hora do seu reforço de atenção! — estavam juntos, prontos
para cantar a vida. Morriam de susto. O pai do nascendo olhava e pedia. Queria
imaginar o que dizer, mas nada lhe vinha pela garganta, somente uma frase
fajuta e atravancada
— Tudo vai dar certo, isso é certo, o
doutor plantonista tem sabedoria e energia. — a sua preta foi corajosa. Não
desviava o olhar e ficava em silêncio, nenhum aiaiai. O pai futuroso reconhecia
a dor na Maria Cariciosa, no aperto da sua mão. O aguerrido ficou se apertando
com o olhar fixo na cabeça branca daquele doutor, todo de branco — Droga!
— O que foi, doutor plantonista? — a voz
saiu como se uma esfinge estivesse a devorar o coração do Manualdo, pela boca —
Uma circular...
— O que é isto?
— O cordão do umbigo está na volta do
pescoço. — rezou mais forte e pediu que aquele bom homem ficasse muito melhor,
guiado pela mão do Criador de tudo que existe. O Manualdo viu, ali do lado da
sua Maria, como o coração dentro da sua garganta, quando ele colocou a mão nas
pernas da sua preta e fez um movimento de círculo e respirou aliviado — Pronto,
tudo sob controle.
Cortou
o cordão umbilical e o guri estava solto no mundo, lhe deu coragem de cantar os
cantos sagrados do seu povo, adormecidos pelas línguas da cidade. Evocar os
sentidos dos espíritos da alegria e da força. Ele e a sua preta tinham recriado
a vida com a aprovação de Nhãnderú
— Parabéns, o nascido é uma menina. — Tem
certeza? — o médico os olhou com ternura, resignação de serviço bem feito, mais
uma criança é mais uma vitória
— Seu Manualdo, contra fatos não há
argumentos. — Mas...
— Papai... sem dúvidas, esse bebê é uma
menina. — os dois voltam cuidados de atenção à deitada de parto, com as pernas
dobradas e atadas na vontade de esvaziar a barriga
— O que é, Maria? — Tem alguma coisa se
mexendo... — ainda com a menina nos braços, limpando seu narizinho e boquinha,
escutando seu primeiro chorinho, o doutor olhou para Maria Cariciosa que fez
careta de dor. Não havia mais nenhuma confusão — Mais um?
— Acho que sim, doutor.
— Mais um o que, doutor plantonista? — Outro.
— Outro o quê? — Isso mesmo, papai... tem
mais um nascendo! — não havia tempo para mais preparativos, nem esperar por
socorro, o doutor plantonista chamou pelo pai da guria. Os preparativos já
estavam preparados — Preciso de ajuda.
— O que eu faço? — Segura essa, enquanto
trago o outro... — assim, segurando sua filha, Manualdo pensava nos imprevistos
da vida e no tamanho da fome dos ajudantes do doutor. Gente pra lá de esfomeada
que foi e não voltou. Graças ao Pai de tudo que existe e ao doutor plantonista
com olhar de atenção reforçada, os dois filhos planejados por Nhãnderú estão
chegando — Amorzinho, não existe sossego nesse nosso namoro.
— É perfeito... — Nunca mais vou encher a
barriga!
Manualdo
continuava ali, em pé, segurando nos braços sua primeira filha. Olhava para sua
Cariciosa que jurava não querer mais se encher de barriga, ele afiançava que
era por causa do calor da hora. Com o tempo, ela mudava de ideia. Sabia que as crianças
eram os presentes da vida para eles. A vontade do Pai Nhãnderú falou com eles.
Combinava no espírito o que havia de vir, ocupado com um amor maior de profundo
respeito. Então, era isso, pensava Manualdo, ter filhos fazem dos adultos
flores com frutos. Olhava a filha e imaginava o fruto crescendo, amadurecendo
até ser colhido para semear na terra outros frutos, outros perfumes — Minha
filha, você é o futuro, a Maria que há de ser.
— Tudo bem, seu Manualdo? — Perfeito... — a
porta se abriu e foi como se todos os homens e mulheres de branco do mundo que
foram lanchar, voltassem em correrias. A sala privativa dos nascimentos se
encheu, tiraram Maria Futuro dos seus braços de pai, ainda acompanhava com o olho
de pai a filha — Cuidado com a menina!
— Nasceu e é um menino! — O quê?
— Papai, parabéns... esse é o guri. — A
primeira machadada não derrubou o pau...
Manualdo
e Maria Cariciosa se olham, o encantamento entra pelos olhos. Nenhum sorriso,
nenhum desespero. Mas o carinho da paixão. Depois veio o medo, em seguida a
necessidade de fazer aumentos na casa de fundos — Esse é o nosso Abelaira.
Promessas
de amor. Ele ajudou os carijós a nascerem. Transbordava a vontade de chorar e
vinha de um jeito sem jeito de reprimir. Gotas de água orvalhada percorreram o caminho do rosto - silenciosas e salgadas - e foram recolhidas pelas mãos da
Cariciosa. As lágrimas alagavam. A mãe tinha o rosto do pai nas mãos e o pai
tinha a mãe aliviada para amar.
O tempo
se passou e não passa.
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21 - Bondade não custa favor
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