quinta-feira, 2 de março de 2017

O Brasil nação - v1: § 27 – De Olinda, por Vergueiro e Holanda, a Montezuma - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil nação volume 1





PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS



capítulo 3
o novo malogro






§ 27 – De Olinda, por Vergueiro e Holanda, a Montezuma




Para contrapor-se a Feijó, Araújo Lima era nitidamente o oposto, em tudo. Por isso, acabou marquês, se bem que, com o primeiro Império, parecesse acabada a fábrica deles. Fora injustiça, porém, que lhe não coubesse esta honra. Ninguém representou melhor a espécie nem possuía melhores qualidades para ser figura primacial, na política do Brasil, apanágio dos dois Impérios. Do cérebro nunca lhe saiu ideia válida, ou em forma distinguível. No entanto, esteve sempre no primeiro plano das grandes funções políticas: deputado às cortes, deputado à Constituinte, deputado na primeira assembleia comum, ministro de Pedro I, ministro da Regência, regente, ministro de Pedro II, repetidamente ministro enquanto foi vivo... Logo nas cortes, muito se distinguiu pela moderação... Antecipadamente moderado, ele o era, principalmente, no brasileirismo, tanto que não sentiu necessidade de acompanhar os brasileiros ostensivos – Feijó, Antônio Carlos, Barata... quando tiveram de fugir ao ambiente hostil de Lisboa. Na Constituinte, ainda bem moço, já era um medalhão, tanto que foi deixado livre, quando o imperante a dissolveu, como foi convidado imediatamente para ministro ao lado de Vilela Barbosa. Aceitou, mas, no fim de três dias, palpitou-lhe o instinto que mais segura carreira faria se se inclinasse para uma moderada oposição: deixou o governo, partiu para a Europa, sendo contado, por isso, como oposicionista.


De faro infalível, foi o primeiro oportunista no Brasil. Eleito para a Assembleia de 1826, esperou que as coisas se definissem: só veio tornar assento em 1827, e, chegado, postou-se como oposição moderada e parlamentar. Por isso mesmo, quando Pedro I fingiu fazer governo nacional e parlamentar, chamou-o para o gabinete, e ele aceitou. Costa Carvalho, apesar de que será o futuro Montalegre, carrasco de Feijó, convidado na mesma ocasião, não aceitou o convite – por não lhe merecer confiança Pedro I. Ao lado de Calmon e Barbacena, no famoso ministério parlamentar, Araújo Lima se achou muito bem. Nunca chegou a chefe de partido: ninguém o contava como tal, porque não era homem para posições definidas, como devem ser as de um chefe; mas, qualquer que fosse o momento político, estava sempre à mão para ser governo. Todos o aceitavam: parecia quase inócuo. O próprio Feijó o escolheu dentre os adversários, isto é, dentre os conservadores a mando de Bernardo de Vasconcelos, para ser o ministro a quem ele entregasse a Regência, porque Vasconcelos estava certo de cavalgá-lo sempre. De fato, foi a criatura do iniciador de regresso, até que, bem traiçoeiramente, o deu por terra, nomeando um senador impoliticamente, contra a decisão do chefe partido, o mesmo Vasconcelos. E começou, no Brasil, a mudança de governo sem motivos plausíveis, pelo simples alvedrio do chefe da nação. Vasconcelos não se deu por achado, deixou o gabinete, mas continuou tirando de Araújo Lima o que podia, e este valorizava-se com o dar o governo aos ostensivamente conservadores. Tito Franco dirá dele: “Judas de todos os tempos e partidos, Saturno
de tantos caracteres...”
120  Teve outro realce o seu reinado: timbrou em inclinar a soberania do Brasil aos pés da Santa Sé, e isso o fazia para ser, bem nitidamente, oposto à política de Feijó. E, com esse, outros méritos: multiplicava as adulações e salamaleques ao imperial menino, criando o inefável beija-mão, ao mesmo tempo que era inexorável contra os republicanos da Sabinada, os quais, no entanto, haviam sido estimulados por Vasconcelos, empenhado em criar dificuldades a Feijó. Contudo, amava as suas funções majestativas, e foi preciso que o arrancassem dali. Por outra: o oportunismo não lhe deu para atinar com a solução realmente oportuna. Quando lhe pareceu que a coisa era inevitável, foi indagar da imperial criança se, de fato, queria, mesmo, ir imediatamente para o trono, e o precoce Pedro II respondeu-lhe, naturalmente, que não... Araújo Lima deixou-se ficar, parecendo, com isto, opor-se à imperial vontade. Rápida nuvem: Pedro II logo reconheceu a utilidade que tinha nele, e, na coroação mesmo, o sagrou – visconde com grandeza. Daí por diante, Olinda foi tudo, como conviesse à política do segundo Império, onde devia haver os dois partidos da mascarada parlamentar. Aí, utilidade permanente, ele deu quanto convinha e o para que servia – conservador, liberal, coligado, novo liberal em contraste com os liberais antigos... E tudo lhe foi possível porque havia tanta compostura nos seus manejos, que fazia esquecer a pulhice dos motivos reais. Oportunismo por dentro, no vazio das ideias e convicções, sisudez e solenidade por fora, e temos um dos mais prolongados estadistas, dos três Brasis – reinados e regências, um dos mais constantes nesse trabalho de rebaixamento da política brasileira,

120 Cons. Tito Furtado, pág. 14.

Entre os dois extremos – Feijó-Araújo Lima, está Vergueiro. Liberal-democrata-constitucional-português... Feito em Portugal, veio já jurista de Coimbra; mas, em São Paulo, num lar brasileiro, a vida bem brasileira de lavrador, o idealista liberal adotou sinceramente a causa do Brasil. Foi aclamado para a junta da província de São Paulo, com José Bonifácio. Deputado às cortes, foi tão pelo Brasil como os Feijó e Barata, com a diferença – de menos veemência. Assim, subscrevendo, embora, o protesto dos deputados brasileiros, ele não teve necessidade de ganhar o estrangeiro para escapar à fúria do constitucionalismo desembestado contra o Brasil, e, enquanto os companheiros embarcavam para Plymouth, ele se limitava a vilegiaturar no seu lugarejo de Valporto – Bragança. Contudo, ninguém desconfiou dele, e, de volta, elegeram-no deputado à Constituinte, onde foi oposição liberal, nítida o bastante para que o prendessem em seguida à dissolução. Conta Varnhagem que, no dia seguinte, o imperador ordenava aos seus esbirros: deportem os Andradas e mais brasileiros ardentes, e soltem Vergueiro. Solto, o ex-constituinte foi para a sua fazenda, onde ninguém o incomodou senão para fazê-lo deputado em 1826. Absolutamente coerente, Vergueiro foi um dos definitivos liberais e oposicionistas. Esteve frequentemente na tribuna, atacando, sobretudo, as tentativas de absolutismo, do imperador e dos seus marqueses. Vergueiro valia, entre todos, pela compostura austera, perfeitamente aturável, porque repousava em sinceridade. O testemunho de Armitage é muito elucidativo: “... sempre impassível, inalterável e tranquilo (modelagem viva da sensatez), mas corajoso, estava bem qualificado para estimular os tímidos e irresolutos (os moderados) e para conter os ânimos ardentes e indiscretos (os exaltados)...” Um tanto tímido e pouco ativo, Vergueiro servia principalmente de – conselho, orientação, conforto moral. Tal foi o seu papel em 1831: os liberais brasileiros nunca suspeitaram dele, e, nas vésperas do movimento, cercaram-no como chefe, de quem Evaristo era o segundo. No entanto, já havia sido escolhido e procurado pelo imperador (que o havia escolhido senador), para formar-lhe o ministério salvador. Nada disto, porém, pode fazer duvidar da sinceridade do político, justamente amado do liberalismo brasileiro. Como liberal, Vergueiro foi dos que se iludiram – pensando que o novo Bragança, empossado no trono, lhes daria apoio contra a já temível oligarquia conservadora dos Vasconcelos, Hermeto, Rodrigues Torres... Iludido, como Otoni e Alencar, formou com os Andradas e Vilela Barbosa, para o tétrico liberalismo da maioridade. Dada a monstruosa amostra política de 1840-41, Vergueiro voltou para a oposição, onde esteve em espírito com os revolucionários de 1842, e, como o seu companheiro Feijó, quis tomar a responsabilidade ostensiva do movimento. Finalmente tudo passou, sem maiores consequências, porque, então, na política do Brasil, atitudes não tinham mais significação. Feijó, se sobrevivesse, certamente continuaria naquela intransigência necessária ao seu caráter; Vergueiro, mais manso, voltou a colaborar na choldra dos partidos, onde eram grandes, e definitivos, os Hermeto e Soares de Souza.121  Foi ministro, ainda, e respeitável dirigente até morrer. Todavia não foi visconde, nem marquês, como os Costa Carvalho, Araújo Lima, Calmon, Holanda Cavalcanti...


121 Em 1829, Vergueiro propôs, na Câmara dos deputados, o casamento civil.


Foi este último, uma figura que chegou a emparelhar com a do grande Feijó – na disputada eleição para regente. Além disto, Holanda Cavalcanti tinha outros títulos, a ser nomeado aqui. Oficial de carreira brilhante, e vazia, no exército português, sargento-mor (1819) no batalhão do príncipe regente, ele estava por fora nas outras partes do domínio português, até 1824, quando se lembrou de vir ser brasileiro. Desceu em Pernambuco, e teve, como primeira manifestação de patriotismo, o combater contra os seus conterrâneos – os continuadores, em 1824, do André de Albuquerque Maranhão de 1817. Vencedor com Lima e Silva e Andrea, Holanda Cavalcanti enveredou para a política, e foi eleito para a Assembleia de 1826, onde se fez um dos mais vigorosos oposicionistas à política do Império. Antes de qualquer outro, requereu a acusação dos ministros Teixeira de Gouveia e Oliveira Álvares, dando lugar a um dos momentos mais veementes na vivíssima campanha daqueles dias – 1826-29. No entanto, pouco depois, em novembro de 1830, aceitou uma pasta nos conselhos de Pedro I; ao lado de Paranaguá, cujo contato não podia suportar. Contudo, não deixava a pasta, até que, com os outros Calmons, foi despedido por ocasião das garrafadas. Nestas condições, quando os moderados entenderam que o 7 de Abril se reduziria a restabelecer-se o ministério demitido, o futuro Goiana, voltou a ministro, continuando liberal a seu modo. Em 1832, com Calmon, Martin Francisco, Hermeto e Montezuma, foi contra o golpe de Estado. E daí, incontinenti, passou a ministro, no ministério incolor e nulo dos quarenta dias. Saído do governo, foi ser oposição, e pleiteou a Regência contra Feijó. No entanto, em vez de ficar com os oposicionistas do grande padre, veio ser liberal contra o arbítrio duro de Bernardo de Vasconcelos e as proezas politiqueiras de Carneiro Leão. Esteve, por conseguinte, nas primeiras filas dos maioridadistas. Ministro com a vitória destes, continuou liberal innomine, para ser ainda ministro – de 1844 a 47, e, de novo, em 1862. Valia como os demais, com a diferença da desenvoltura, pois teve a desfaçatez de lhes dizer, em face, as verdade quanto à sinceridade e o mérito real deles. Não cultivava, por conseguinte a sensatez, tanto que a coragem de exclamar, um dia, em plena tribuna do Senado: “Nada se parece mais com um liberal do Brasil do que um conservador... Este país vai mal, e não melhorará enquanto não se enforcar algum ministro...” Ele bem sabia que o remédio nunca seria empregado, e nunca hesitou em aceitar pastas. Era honesto, em assunto de dinheiros públicos?... Coisa comuníssima, naquela época em que os desescrúpulos de Montezuma o destacavam; no entanto, Austricliano de Carvalho o acusa explicitamente de traidor à pátria.

Acaiaba Montezuma fez voz, a 30 de julho de 1832, com os Calmon e Holanda Cavalcanti. Tinha mais talento, certamente, do que qualquer deles, mas era um caráter desarticulado, tido como canalha. Além disto, previa mal, pelo que teve de passar por momentos duros, como qualquer político probo e de convicções, sempre pronto a aceitar mudanças e situações, ainda que tarde, ou mostrava-se tão sôfrego de recompensas que o dispensavam sem cerimônias. Desde cedo, para dar arras de brasileirismo, eliminou os nomes portugueses, pois que era Gomes Brandão, e bom mestiço da Bahia. Ainda rapaz, ao chegar de Coimbra, foi altamente agraciado pelo governo de 1822. Em 1823, deputado constituinte, foi para os liberais – democrata, republicano, como se dizia, então. Iludiu-se com a situação, e, apanhado como oposicionista nos dias de novembro, foi preso e deportado, para voltar somente em 1831, emendado, e tão reacionário que se fez caramuru. Com isso, funcionou como veemente oposicionista, aos primeiros ministérios da Regência, manifestando-se intransigentemente contra as reformas constitucionais. A Bahia ferreteou-o, dando-lhe, apenas, 36 votos, quando se apresentou candidato a deputado. Finalmente, já cansado de ser oposição, aceitou ser ministro do regente Feijó, a quem tanto atacara anteriormente. Passou esta quadra, e Montezuma, eleito, depois, deputado, tomou a posição de liberal e oposicionista, pelo que veio a ser maioridadista. Já não mantinha nenhuma máscara: liberal, conservador,... ele dava à política brasileira o que ela merecia – desprezo, fazendo abertamente a imediata exploração. Dizia-se, então, que era um céptico. E, assim, foi senador e visconde. No entanto, tem a glória de ser, como José Bonifácio e Feijó, um abolicionista de primeira hora.





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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira



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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).


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