quarta-feira, 29 de março de 2017

Charles Dickens: Um Conto de Natal 15 - Fim

Um Conto de Natal


Charles Dickens

15



EPÍLOGO 



A esta hora, as ruas regurgitavam de gente, tais como as tinha visto em companhia do fantasma do Natal presente.

Com as mãos atrás das costas, Scrooge via cada um dos transeuntes com os lábios desabrochados em sorriso. Seu ar era tão alegre, tão irresistivelmente amável, que dois ou três rapazes lhe atiraram, ao passar, um “Bom dia, senhor! Feliz Natal!”. E pelo correr do tempo adiante, Scrooge declarou e repetia com frequência, que de todas as palavras agradáveis que ouvira, nenhuma fora tão agradável de ouvir como aquelas.

Ainda não tinha andado muito, quando viu, caminhando em sentido contrário, o cavalheiro imponente, que no dia anterior tinha vindo ao seu escritório dizendo: “Scrooge & Marley, se não me engano?”.

A ideia do olhar que aquele cavalheiro faria pairar sobre ele, quando o visse, comprimiu-lhe o coração. Ele, porém, conhecia qual a rua que o cavalheiro ia tomar e adiantou-se para ela rapidamente.

– Meu caro senhor – disse ele, abordando alegremente o cavalheiro e apertando-lhe cordialmente as duas mãos – , como vai? Espero que a sua coleta de ontem tenha sido boa. Bela obra a sua! Desejo-lhe um feliz Natal, cavalheiro!

– É o senhor Scrooge?

– Perfeitamente, senhor. Receio que meu nome não lhe seja bastante simpático. Permita-me que lhe apresente minhas escusas, e queira ter a bondade...

Aqui, Scrooge segredou-lhe qualquer coisa ao ouvido.

– Jesus! – exclamou o velho cavalheiro, quase sufocado. – Meu caro senhor Scrooge, está falando sério?

– Peço-lhe que aceite, – disse Scrooge –, nem um centavo a menos. Não faço mais que pagar velhas dívidas atrasadas. Quer fazer-me este favor?

– Meu caro senhor, – disse-lhe o outro apertando-lhe a mão, estou petrificado diante de tal generosi...

– Não falemos mais nisso, por obséquio, interrompeu Scrooge, e venha procurar-me em minha casa. Virá?

– Oh, não faltarei! – exclamou o velho senhor, com uma expressão que denotava a firme resolução de o fazer.

– Agradeço, senhor, fico-lhe muito obrigado, mil vezes grato! Que Deus o abençoe!

Saindo dali, Scrooge dirigiu-se para a igreja, saindo, após o ofício, para passear pelas ruas, contemplando os transeuntes que iam e vinham atarefadamente, dando tapinhas amáveis nas faces das crianças, interrogando os mendigos, interessando-se pelo que se passava nas cozinhas, no subsolo, olhando pelas janelas das casas e notando que tudo isso lhe agradava e divertia.

Jamais teria imaginado que um simples passeio pudesse proporcionar-lhe tão grande satisfação.

A tarde, Scrooge dirigiu-se para casa de seu sobrinho. Antes de subir os degraus da escada, passou por diante da casa uma dezena de vezes.

Finalmente, cheio de coragem, avançou para a porta e bateu resolutamente.

– O patrão está em casa, minha filha? – perguntou à criada. (Gentil esta menina, sim senhor!)

– Está, cavalheiro.

– E onde está ele, minha bela menina?

– Na sala de jantar, com a senhora. Se o cavalheiro quiser subir ao salão...

– Obrigado, eu sou da família, – disse Scrooge, já com a mão na maçaneta da porta da sala de jantar. Vou entrar, minha menina.

Scrooge virou brandamente a maçaneta e passou a cabeça pela porta entreaberta. Em pé diante da mesa, o sobrinho e a sobrinha passavam em revista os talheres arrumados elegantemente para uma recepção, porque os jovens recém-casados davam grande importância a estes pormenores e queriam certificar-se de que nada faltava.

– Fred! – chamou Scrooge.

Céus! Como sua sobrinha ficou sobressaltada!

Scrooge já se esquecera das palavras que lhe ouvira quando ela estava sentada ao canto da sala com outras senhoras. Se lembrava, perdoara-as.

– Meu Deus! – exclamou Fred, quem é que vejo?!

– Sou eu, teu tio Scrooge, que vem almoçar. Posso entrar, Fred?

Se podia entrar? Pois pouco faltou para que o sobrinho não lhe arrancasse o braço com um aperto de mão!

Não se poderia imaginar mais cordial acolhimento. Em cinco minutos, Scrooge estava como em sua própria casa. A sobrinha imitou o sobrinho, e Topper fez o mesmo, e assim fizeram a irmãzinha rechonchuda e todos os demais convidados, quando chegaram.

Oh, noite deliciosa, deliciosos jogos e divertimentos, amabilíssima companhia! Oh, maravilhoso sentimento de felicidade!

No dia seguinte, Scrooge dirigiu-se logo pela manhã para o escritório, pois se lhe meteu na cabeça ser o primeiro a chegar e pegar Bob Cratchit em flagrante delito de atraso.

E foi o que aconteceu. O relógio bateu as nove, e nada de Bob. Bateu as nove e um quarto, e nada de Bob, que, finalmente, chegou dezoito minutos e meio depois da hora.

A porta fora deixada aberta por Scrooge, que queria vê-lo entrar no cubículo. Antes de entrar, Bob tirou o chapéu e o cachecol, e em menos de dois segundos estava sentado em seu mocho, fazendo deslizar a pena com extrema rapidez, como se quisesse recuperar o tempo perdido.

– Diga-me lá, – grunhiu Scrooge no seu tom de voz de antes, tão bem quanto lhe foi possível imitar –, como se atreve a chegar com semelhante atraso?

– Estou muito penalizado, senhor, – disse Bob –, cheguei um tanto atrasado.

– Um tanto atrasado? – repetiu Scrooge, acredito! –Venha aqui, faça o favor!

– Isso não acontece mais que uma vez por ano, senhor, – alegou Bob pondo a cabeça fora do seu cubículo. – Garanto que isso não acontecerá mais. Ontem me diverti um pouco...

– Muito bem, meu amigo! Vou dizer-lhe o seguinte: – Semelhante estado de coisas não pode continuar por mais tempo! Assim, – prosseguiu Scrooge–, saltando da cadeira abaixo e assentando nas costas de Bob uma tal palmada, que este recuou cambaleando até a entrada do cubículo, assim... a partir de hoje os seus vencimentos serão aumentados.

Bob, a tremer, lançou um olhar para a régua metálica, e por um instante teve a idéia de dar em Scrooge uma tremenda pancada, de imobilizá-lo, e em seguida chamar em seu auxilio as pessoas do prédio para vestir-lhe a camisa-de-força.

– Um feliz Natal, Bob, – continuou Scrooge com tal seriedade, que não era mais possível haver engano. – Um melhor Natal e mais belo, meu rapaz, que todos aqueles que há tantos anos você tem passado sob meu jugo. Vou aumentar seus vencimentos e farei todo o esforço para ajudar a sua laboriosa família. Vamos conversar sobre os seus negócios esta tarde mesmo, diante de um copo de ponche fumegante, que beberemos em honra do Natal, Bob! E agora, antes mesmo de começar a trabalhar, acenda o fogo e vá buscar-me outra lata de carvão, Bob Cratchit!

Scrooge cumpriu a palavra, e foi ainda muito além.

Fez tudo quanto havia resolvido fazer e ainda muito mais. Com referência ao pequeno Tini – que não morreu –, Scrooge foi para ele verdadeiramente um segundo pai. Em breve, tinha-se tornado o melhor amigo, o melhor patrão, o melhor homem que jamais se encontrou em nossa velha cidade ou em qualquer outra velha cidade, aldeia ou povoação do nosso velho mundo.

Alguns riram da mudança operada nele, mas ele os deixou rir e não se incomodou. Scrooge era bastante inteligente para compreender que nada de bom se passa em nosso planeta que não comece por provocar a hilaridade de certas pessoas. E como estas pessoas são destinadas a continuarem cegas, a Scrooge tanto fazia que elas manifestassem seus sentimentos por uma gargalhada ou por uma careta.

Seu próprio coração estava alegre e feliz, e isso lhe bastava. Ele não teve mais relações com os espíritos, mas manteve a melhor das relações com os seus semelhantes, e diziam mesmo que não havia nenhuma pessoa que festejasse com mais entusiasmo as festas de Natal.

Que todos possam dizer de nós a mesma coisa, com a mesma sinceridade. E para terminar, vamos repetir com o pequeno Tim:

– Que Deus abençoe a cada um de nós.

FIM



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