terça-feira, 28 de março de 2017

O Brasil nação - v1: § 31 – O triunfo sobre Feijó - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil nação volume 1





PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS



capítulo 3
o novo malogro






§ 31 – O triunfo sobre Feijó




Desambicioso, Feijó aceitou a candidatura à regência por instâncias de Evaristo, que foi o seu grande sustentáculo... Esta circunstância basta para patentear a fragilidade da situação inaugurada em 1835. Elegera-se o regente Feijó, mas a política, quer dizer a situação de fato, pertencia aos Hermeto, Vasconcelos, Rodrigues Torres... completados pelos Calmon e Araújo Lima. Foi possível levar o grande ituano a chefe da Nação, mas não era isto o bastante para deter a decomposição do mundo político, e que já era uma recomposição em misérias. Que o diga o Sr. P. Silva:


Quão diversa era a época em que agora assumira Feijó a regência, daquela em que ocupara o ministério da justiça!... Já não eram as mesmas paixões, os mesmos entusiasmos, que dirigiam os homens públicos... Lutara-se na primeira quadra com o ardor juvenil e pujante que incitam as ideias... Sucedera agora um desânimo, uma prostração e mesmo uma tendência à dissolução dos partidos... a qual os fazia oscilar e tripudiar, conforme as novas circunstâncias, que, não raro, surpreendiam os mais perspicazes...132


132 De 1831 a 1840 , cap. VI.


Qual a causa disto? A mesma pena, na mesma página o diz: “A revolução de 7 de abril fora contida e sopeada em seus efeitos e consequências... Novas combinações se pactearam entre os políticos, que lograram prever as metamorfoses que deviam sofrer os partidos até então pleiteantes. A maior parte dos antigos restauradores se ajuntou ao núcleo constitucional monárquico (HermetoVasconcelos), que, ainda em embrião, patenteava, todavia, abonos seguros de desenvolvimento e influência futura. Os grupos exaltados reuniram-se de preferência aos sustentadores do governo do regente (Feijó).” Tem toda razão o homem da Fundação: esse embrião, que foi o próprio embrião do constitucionalismo parlamentar do segundo Império, dominou o futuro, e conformou definitivamente a política nacional. Segue-se a história da torva, rude, encarniçada e deselegante oposição ao padre regente. Havia a profícua abundância de quantidades nos processos implacáveis a completarem-se: a viscosidade de Araújo Lima, a esperteza tortuosa de Carneiro Leão, a ambição inexorável e tabética de Vasconcelos, a unctuosidade de Araújo Viana, a constante traição de Sousa Carvalho, a precocidade política de Rodrigues Torres e, até, o servilismo de Ledo. Enquanto isto, já na falta de Evaristo, teve Feijó de amparar-se no mercenarismo de Montezuma – quando contra ele se uniam todos os tradicionais reacionários, de Vilela Barbosa a Martim Francisco.

Como prenúncio do que seriam aqueles tempos, nas eleições de 1834, a portuguesada do Rio de Janeiro dera os seus sufrágios a José Clemente, e ao constante partidário de Pedro I. Então, foram eleitos os mais decididos, dos novos adversários, na futura oposição a Feijó; Rodrigues Torres, Paulino Torres... Nesse mesmo tempo, o absolutismo de Pinto Madeira, o protegido de Andréa, ensanguentava o Ceará, enquanto o mesmo Andrea façanhava no Pará. Com tais antecedentes, é lógica a formidável oposição, que anulou a Regência de Feijó, e o obrigou a deixar o poder. Franco atirador contra os radicais de 1832-35, Carneiro Leão despertou as invejas e desencadeou a ganância de poder de Vasconcelos, que, logo depois de eleito Feijó, contra este organizou a oposição conservadora, furiosa investida para o poder. Acreditando que o enaltecia, o panegirista Macedo pinta a situação e retrata o homem:


Vasconcelos observou... sentiu a reação antiliberal no espírito de muitos... os antigos partidaristas do ex-imperador fazendo causa comum com os diversos grupos de oposição, prevendo próximas e inevitáveis combinações futuras, estadista vidente, habilíssimo e astuto, encaminhou-as, coligou os grupos dissidentes, pronunciou a palavra regresso, separou-se dos liberais (quantos, então?), e organizou... o partido conservador...


Faltou ao biografista contar – que a astúcia do conservador tabético o levou, até, a fomentar revoluções, para crescerem as dificuldades da Regência (Sabinada). Conservadores, os Hermeto e Vasconcelos, atirados contra Feijó, negavam-lhe tudo do que era necessário para meios de governo. Negaram-lhe, até, esses esteios da ordem, o estado de sítio, para o Sul em franca revolução.133  Ao mesmo tempo, acusavam-no de ficar inerte em face da revolução. Feijó, sacerdote virtuoso, mas brasileiro integral, defendia as prerrogativas do Estado brasileiro contra as investidas da Santa Sé, e Vasconcelos, secundado pela hipocrisia de Araújo Lima, encontra nisto mais um motivo para, a pretexto de zelar pelos direitos dos católicos, atacar a política democrática do Regente. Note-se, a Santa Sé tanto não se sentia ferida, que nomeara Feijó para o bispado de Diamantina. Assim atacado, o grande regente respondeu com energia, nas formas que lhe eram próprias. Ao encerrar-se a legislatura (de 1836), marcou-os, aos adversários, com a censura pública: “Seis meses de sessão não bastaram para descobrir remédios adequados aos males públicos. Eles infelizmente foram em progresso. Oxalá, que na futura sessão o patriotismo e a sabedoria assembleia geral possam satisfazer às urgentíssimas necessidades, do Estado.” Responderam em doestos, e ele replicou:


Como me interesso muito pela prosperidade do Brasil, e pela observância da constituição, não posso estar de acordo com o princípio emitido no segundo período da resposta à fala do trono: e sem me importar com os elementos de que se compõe a Câmara dos srs. deputados, prestarei a mais franca e leal cooperação à Câmara, esperando que ao menos desta vez cumpram as promessas tantas vezes repetidas de tomar em consideração as propostas do governo.


133 Vasconcelos, Hermeto e Rodrigues Torres, depois de garantirem a não votação do sítio, deram-lhe, por esperteza, os seus votos pessoais.


Araújo Lima, como presidente, passou o recibo; é certo, porém, que Feijó não pretendia fazer efeito sobre o parlamento onde mandavam os seus adversários: falava para a nação, a mostrar que não tinha como obrigá-los a esquecer os seus interesses, para atender aos interesses do país, e que, não tendo meios de obrigar os Hermeto e Vasconcelos a serem probos, preferia demitir-se a ser, mentirosamente, rei constitucional, para o parlamentarismo que eles ensaiavam, e que não era da Constituição. Coerente com o seu programa, deixou a Regência. Ainda chamou companheiros a quem a entregasse: nenhum aceitou, e o padre foi honesto até o ponto de fazer de Araújo Lima seu ministro, para passar-lhe o governo.

A regência de Feijó foi estéril, comentam os historiadores bragantistas; estéril e de um democratismo incoerente, inorgânico... A língua em que Feijó falava não lhe permitia as longas explicações, para mostrar como não lhe cabia a culpa de nada, e que não era – nem incoerente nem inorgânico. Não há exemplo, mesmo, na política brasileira, de tanta coerência, tanta intransigência em torno de um programa. Já o mostramos – que a política dos moderados, mesmo os radicais e sinceros como Feijó, estava condenada à esterilidade, uma vez que não ousou realizar revolucionariamente os fins da revolução. No mais, se falhou a ação de Feijó foi porque, no mundo dos homens onde ele teve de agir, não havia o com que organizar uma obra de longos efeitos, a não ser aquilo mesmo que os Hermeto e Vasconcelos nos deixaram, e que lhe inutilizou todos os esforços em prol do Brasil. De fato, Feijó nada fez: prisioneiro da ordem legal, cuja garantia eficaz fora ele mesmo, eram-lhe carcereiros os próprios encarniçados inimigos. O parlamento, onde estes mandavam, fechou-lhe todas as possibilidades, e ele, o Feijó enérgico, pessoal e indomável, não quis sair da legalidade: nunca saiu da legalidade, exemplo único, na sequência dos chefes de Estado do Brasil. E, assim, foi um governo estéril a sua regência; isto, porém, não prova incapacidade de ação política, em quem já havia dado as provas que ele dera. Falhou, mas toda a falência proveio do vazio hostil e estéril em que agia. Não havia, não podia haver, a colaboração eficaz de companheiros superiores aos egoísmos dissolventes,134  companheiros, como ele, lealmente votados à realização do bem comum, A estreiteza de critério do Sr. P. da Silva o leva a afirmar que, com o decorrer de três anos, mudara a orientação dos espíritos, e não eram mais as mesmas paixões a conduzir os políticos... Não: era tudo o mesmo; apenas mudara a fase do desenvolvimento, na obra que pelos Vasconcelos e Hermeto se realizava. Como o Brasil era uma vida, em ânsia de afirmar-se, houve o 7 de Abril; como, dentre os dirigentes e políticos, um grande terço se veio colocar nas filas da revolução, o Brasil foi por estes empolgado: é a fase do assalto às posições. Passados, porém, os fogaréus da refrega, vem a acomodação: à beira da cova, afastam-se as dificuldades e eliminam-se os díscolos. Para os políticos que, em definitiva, organizaram a política do Império brasileiro, Feijó era um díscolo. Naquele mundo de insinceros e pulhas, mas ativos e fortes, ocupados exclusivamente em firmar a situação própria e pessoal, não havia lugar para a ação sincera e desinteressada do padre que havia recusado o bispado, e que, padre, em defesa do Brasil, arcara com a má vontade da Santa Sé. Os que inutilizaram a tentativa de Feijó, em julho de 1832, foram os mesmos que fizeram votar a lei de interpretação, e que, equivalente a uma reforma da Constituição, não podia ser feita pelo parlamento comum, incompetente para o caso...


134 Foi a propósito desta fala que o Sr. Rocha Pombo tisnou o grande Feijó, assimilando a sua franqueza sã à grosseria de Pedro I: Está encerrada a sessão...





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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira



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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).


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