quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Moby Dick: 32 - Cetologia (b)

Moby Dick

Herman Melville

32 - Cetologia

continuando...

      I. A BALEIA IN-FÓLIO; II. A BALEIA IN-OCTAVO; III. A BALEIA IN-DUODECIMO.
 
     Como tipo do IN-FÓLIO apresento o Cachalote; do IN-OCTAVO, a Orca; do IN-DUODE CIMO, a Marsopa.

IN-FÓLIOS. Nestes incluo os seguintes capítulos: – I. O Cachalote; II. A Baleia Franca; III. A Baleia de barbatana dorsal; IV. A Baleia Corcunda; V. A Baleia dorso-de navalha; VI. A Baleia Barriga-de-enxofre.

     LIVRO I. (In-fólio), CAPÍTULO I. (Cachalote). – Esta baleia entre os antigos Ingleses era vagamente conhecida como baleia Trumpa, baleia Physeter, baleia Anvil Headed; é o atual Cachalot dos Franceses, o Pottfisch dos Alemães e o Macrocephalus dos Palavras Longas. Sem dúvida nenhuma, é o maior habitante do globo; a baleia mais formidável de se encontrar; a de aspecto mais majestoso; e, por fim, é de longe a mais valiosa para o comércio; é a única criatura da qual aquela valiosa substância, o espermacete, é extraída. Em muitos outros lugares irei discorrer mais longamente sobre todas as suas particularidades. É principalmente de seu nome que vou tratar agora [Sperm Whale]. Considerado do ponto de vista da Filologia, é um absurdo. Há alguns séculos, quando o cachalote era quase totalmente desconhecido em sua própria individualidade e quando seu óleo era acidentalmente obtido dos peixes que ficavam encalhados, parece que naquele tempo se achava que o espermacete era tirado de uma criatura idêntica àquela conhecida na Inglaterra como baleia da Groenlândia ou baleia franca. Pensava-se mesmo que o espermacete era o fluido fecundante da baleia da Groenlândia, que está expresso literalmente na palavra. Naquele tempo também, o espermacete era muito raro, não sendo usado para iluminação, mas apenas como unguento ou medicamento. Só se podia obtê-lo de farmacêuticos, como hoje você compra uma onça de ruibarbo. Julgo que, com o passar do tempo, quando a verdadeira origem do espermacete se tornou conhecida, os comerciantes mantiveram seu nome original; sem dúvida, para aumentar seu valor, associando-o à ideia tão estranhamente significativa de raridade. Foi assim que o nome deve ter sido dado à baleia da qual o espermacete realmente provinha.
      LIVRO I. (In-fólio), CAPÍTULO II. (Baleia Franca). – Sob determinado aspecto este é o Leviatã mais venerável de todos, sendo o primeiro a ser regularmente pescado pelo homem. Fornece o produto mais conhecido como “barba-de-baleia” ou “barbatana”; e o óleo especialmente conhecido como “óleo de baleia”, um produto inferior no comércio. Entre os pescadores, é designada indiscriminadamente das seguintes formas: a Baleia; a Baleia da Groenlândia; a Baleia Negra; a Grande Baleia; a Baleia Verdadeira; a Baleia Franca. Há muitos pontos obscuros em relação à identidade dessa espécie tão diferentemente batizada. Qual é então a baleia que eu incluo como a segunda espécie dos meus fólios? É a Grande Mysticetus dos naturalistas Ingleses; a Baleia da Groenlândia dos baleeiros Ingleses; a Baleia Ordinaire dos baleeiros Franceses, ou a Gronlands Walfisk dos Suecos? É a baleia que há mais de dois séculos é pescada pelo Holandês e pelo Inglês nos mares Árticos; é a baleia que há muito os pescadores norte-americanos perseguiram no oceano Índico, nas Encostas do Brasil, na Costa noroeste, e em várias outras partes do mundo, chamadas por eles de Regiões de Pesca da Baleia Verdadeira.
Alguns pretendem ver uma diferença entre a baleia da Groenlândia do Inglês e a baleia franca dos norte-americanos. Mas concordam exatamente quanto às características principais; também nunca apresentaram um único fato determinante que justificasse uma distinção tão radical. Deve-se às subdivisões intermináveis baseadas em diferenças inconclusivas que algumas áreas da História Natural se tornem tão repulsivamente complexas. A baleia franca será tratada minuciosamente mais adiante, com o objetivo de esclarecer a natureza do cachalote.
      LIVRO I. (In-fólio), CAPÍTULO III. (Baleia de barbatana dorsal). – Sob este título coloco um monstro que, com diferentes nomes, Dorso-de-barbatana, Jato alto e João comprido, foi visto em quase todos os oceanos; é comumente a baleia cujo jato, a distância, foi tantas vezes descrito por passageiros que atravessavam o Atlântico, na rota dos vapores de Nova York. Pelo comprimento que alcança, e por suas barbas, a baleia de barbatana dorsal se assemelha à baleia franca, mas tem uma medida de cintura menor e uma cor mais clara, próxima do azeitonado. Seus grandes lábios apresentam o aspecto de cabo, formados pelas dobras entrelaçadas e oblíquas de enormes rugas. O principal traço que a distingue, a barbatana, que dá origem ao seu nome, é frequentemente um objeto notável. Essa barbatana possui uns três ou quatro pés de comprimento e cresce verticalmente na parte posterior das costas, com um formato angular e uma ponta muito aguda. Mesmo quando nem a menor parte dessa criatura é visível, a barbatana pode, às vezes, ser distintamente vista projetando-se à superfície. Quando o mar está moderadamente calmo, ligeiramente marcado por ondulações, e essa barbatana gnomônica se ergue e lança sombras na superfície enrugada, pode-se imaginar que o círculo de água ao seu redor lembra um relógio de sol, com o ponteiro e as marcas de horas gravadas nele. Nesse relógio de sol de Ahaz, a sombra frequentemente se retrai. A baleia de barbatana dorsal não é gregária. Parece que odeia baleias, como certos homens odeiam homens. Muito tímida; sempre sozinha; surgindo inesperadamente na superfície das águas mais remotas e sombrias; erguendo seu jato vertical, alto e único como uma comprida lança misantrópica em terras áridas; dotada de poderes tão maravilhosos e de tanta velocidade no nado, que é como se desafiasse toda a atual perseguição do homem; esse Leviatã parece ser, banido e inconquistável, o Caim de sua raça, trazendo o estigma desse estilete nas costas. Por ter a barba na boca, a baleia de barbatana dorsal é às vezes incluída juntamente com a baleia franca numa espécie em teoria chamada de baleias de Barba, ou seja, baleias com barbatanas na boca. Dessas chamadas baleias de Barba parece haver diversas variedades, mas que são pouco conhecidas. Baleias de focinho largo e baleias de bico; baleias de cabeça de lança; baleias de bando; baleias de queixada e baleias narigudas são alguns nomes que os pescadores lhes dão.
Em relação a esta expressão “baleias de Barba”, é importante mencionar que, muito embora tal nomenclatura possa servir para facilitar as referências a um certo tipo de baleias, é contudo inútil tentar uma classificação coerente do Leviatã baseando-se em sua barba, ou corcova, ou barbatana, ou dentes; ainda que essas partes ou características sejam aparentemente mais propícias para fornecer a base de um sistema regular para a Cetologia do que quaisquer outras particularidades físicas que cada tipo de baleia apresente. E agora? A barba, a corcova, a barbatana dorsal e os dentes; essas são coisas cujas particularidades estão indiscriminadamente dispersas por todos os tipos de baleias, sem qualquer relação com o que pode ser a natureza de sua estrutura em outras e mais essenciais particularidades. Desse modo, tanto o cachalote quanto a baleia corcunda têm uma corcova; mas a semelhança cessa aí. A mesma baleia corcunda e a baleia da Groenlândia têm barbas, mas a semelhança também cessa aí. O mesmo ocorre com as outras partes acima mencionadas. Em vários tipos de baleias essas partes formam combinações muito irregulares; ou, no caso de se dar destaque a qualquer uma dessas baleias, o que existe é um isolamento irregular, como se, por fim, se desafiasse todo o método geral criado a partir dessa base. Nesta rocha, todos os naturalistas de baleias encalharam.
 Mas pode-se pensar que nas partes internas da baleia, em sua anatomia – ali, ao fim e ao cabo, será possível encontrar uma classificação acertada. Engano: o que há de mais notável na anatomia da baleia da Groenlândia do que sua barba? Já vimos que por sua barba é impossível classificar corretamente a baleia da Groenlândia. E se você descer às entranhas dos diferentes Leviatãs, não encontrará ali a quinquagésima parte das diferenças externas já enumeradas. O que resta, então? Nada além de considerar as baleias em seu conjunto, em todo seu enorme volume, e, com ousadia, classificá-las a partir dessa base. E esse é o sistema bibliográfico adotado aqui; e é o único que pode dar certo, pois é o único praticável. Continuemos.
     LIVRO I. (In-fólio), CAPÍTULO IV. (Baleia corcunda). – Esta baleia é vista com frequência na costa setentrional dos Estados Unidos, onde é capturada e rebocada para o porto. Tem no dorso um grande pacote, como um mascate. Pode-se chamá-la de baleia Elefante ou Castelo. De qualquer maneira, seu nome mais conhecido não a diferencia das outras, porque o cachalote também tem uma corcova, embora menor. Seu óleo não tem muito valor. Tem nadadeiras. É a mais brincalhona e feliz de todas as baleias, formando mais da alegre espuma e espalhando mais água do que qualquer outra.
      LIVRO I. (In-fólio), CAPÍTULO V. (Baleia dorso-de-navalha). – Pouco se sabe a respeito desta baleia além de seu nome. Eu a vi a distância ao largo do cabo Horn. Recolhida por natureza, evita tanto os pescadores quanto os filósofos. Embora não seja covarde, nunca mostra nada de seu corpo além do dorso, quando se ergue numa escarpa afiada. Deixe que se vá. Não sei muito mais sobre ela, nem ninguém sabe além disso.
     LIVRO I. (In-fólio), CAPÍTULO VI. (Baleia barriga-de-enxofre). – Outra baleia esquiva, com uma barriga cor de enxofre, sem dúvida adquirida ao roçar-se nas telhas do Tártaro, quando dos mergulhos mais profundos. Raras vezes é vista; pelo menos nunca a vi exceto nos mais ermos Mares do Sul, e sempre tão ao longe, que mal podia divisar seu semblante. Nunca é caçada, porque fugiria com todas as reservas de cordas. Sobre ela, contam-se maravilhas. Adeus, barriga-de-enxofre! Nada mais posso contar que seja verdadeiro sobre ti, e nem tampouco o poderia o homem mais velho de Nantucket.
     Assim termina o LIVRO I. (In-fólio).
 
Continua na página 137...
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Leia também:

Moby Dick: Etimologia, Excertos, Citações
Moby Dick: 1  - Miragens
Moby Dick: 32 - Cetologia (b)
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Moby Dick é um romance do escritor estadunidense Herman Melvillesobre um cachalote (grande animal marinho) de cor branca que foi perseguido, e mesmo ferido várias vezes por baleeiros, conseguiu se defender e destruí-los, nas aventuras narradas pelo marinheiro Ishmael junto com o Capitão Ahab e o primeiro imediato Starbuck a bordo do baleeiro Pequod. Originalmente foi publicado em três fascículos com o título "Moby-Dick, A Baleia" em Londres e em Nova York em 1851,
O livro foi revolucionário para a época, com descrições intrincadas e imaginativas do personagem-narrador, suas reflexões pessoais e grandes trechos de não-ficção, sobre variados assuntos, como baleias, métodos de caça a elas, arpões, a cor do animal, detalhes sobre as embarcações, funcionamentos e armazenamento de produtos extraídos das baleias.
O romance foi inspirado no naufrágio do navio Essex, comandado pelo capitão George Pollard, que perseguiu teimosamente uma baleia e ao tentar destruí-la, afundou. Outra fonte de inspiração foi o cachalote albino Mocha Dick, supostamente morta na década de 1830 ao largo da ilha chilena de Mocha, que se defendia dos navios que a perturbavam.
A obra foi inicialmente mal recebida pelos críticos, assim como pelo público por ser a visão unicamente destrutiva do ser humano contra os seres marinhos. O sabor da amarga aventura e o quanto o homem pode ser mortal por razões tolas como o instinto animal, sendo capaz de criar seus fantasmas justamente por sua pretensão e soberba, pode valer a leitura.


E você com o quê se identifica?

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