em busca do tempo perdido
volume IIIO Caminho de Guermantes
Segunda Parte
Segunda Parte
continuando...
Dentre os elementos que, ausentes dos outros dois ou três salões, mais ou menos equivalentes que estavam à frente do faubourg de Sant-Germain, diferenciavam destes o salão da duquesa de Guermantes, com Leibnitz admite que cada mônada, refletindo todo o universo, acresceu lhe algo particular, um dos menos simpáticos era habitualmente fornecido por uma ou duas mulheres muito belas que ali só se achavam por sua beleza, pelo uso dela fizera o Sr. como em outros salões, certo era um ardente apreciador de pouco, pois o duque possuía voltas e majestosas, de Vitória de Samotrácia, muitas vezes ruivas, como a mais viscondessa d'Arpajon, que ele teve tempo a lhe enviar até dez duquesas, correspondendo-se estava em Guermantes, e de ser capaz de passar, que, num inverno todas as semanas a Paris, fazia de ordinário, essas beldades que já não o eram como a Sra. Oriane. Todavia, talvez o prestígio da esperança de serem recebidas em sem meio bastante aristocrático - decidido, mais até que pelo desejo deste. Além do mais, resolutas que elas penetrassem para encontrar uma aliada, graças o Sr. de Guermantes recusava apaixonado por outra. Assim em casa da duquesa quando antes de que o duque, cada vez por um simples capricho, em trouxesse para o salão de sua esposa. Por um primeiro beijo, porque contara, ou, ao contrário, por vezes a gratidão, o desejo do que a expectativa e o intenção dessa oferta era obstada por mulheres que haviam correspondido as vezes até quando ainda não tivessem sido sequestradas por ele, que passava junto delas quase por seus filhos, aos quais às vezes chegava a dar um irmão e a apresentação à Sra. De Guermantes o duque, desempenhara um papel no espírito da amante, a própria ligação transformara os pontos de vista desta; o duque não era mais, para ela, o marido da mais elegante mulher de Paris, mas um homem amado por nova amante, um homem que frequentemente lhe proporcionara os meios e o gosto de mais luxo e que invertera a ordem anterior de importância, - questões de esnobismo e de interesse; enfim, por vezes, um ciúme de todos os tipos animava as amantes do duque contra a Sra. de Guermantes.
Mas este era o caso mais raro; aliás, quando por fim chegava o dia da apresentação (num
momento em que a amante já era, em geral, bem indiferente ao duque, cujos atos, como os de
todo mundo, eram o mais das vezes comandados pelos atos anteriores, cujo móvel primeiro já
não existia), ocorria seguidamente que era a Sra. de Guermantes quem procurava receber a
amante, em que esperava e tinha tanta necessidade de encontrar, contra seu terrível marido, uma
preciosa aliada. Não que, salvo em raros momentos, em casa, onde, quando a duquesa falava
demais, ele deixava escapar algo, mas palavras e sobretudo silêncios fulminantes, o Sr. de
Guermantes faltasse, quanto à esposa, com o que se chama "as formalidades". As pessoas que
os não conheciam podiam enganar-se. Às vezes, no outono, entre as coloridas de Deauville, as
águas, a partida para Guermantes e as caçadas, em poucas semanas que passavam em Paris,
como a duquesa apreciavam o café-concerto, o duque lá ia com ela passar uma noite. O público
reparava logo, numa dessas frias descobertas onde só cabem duas pessoas - aquele Hércules de
smoking (pois na França dá-se a tudo que seja mais ou menos britânico o nome que já não se usa
na Inglaterra), de monóculo no olho, tendo na mão, gorda porém bonita, em cujo dedo anular
brilhava um anel de safira, um enorme charuto de que de vez em quando tirava uma baforada, os
olhos normalmente voltados para o palco, mas, quando os deixava cair sobre a plateia, onde aliás
não conhecia absolutamente ninguém, abrandava os olhares com um ar de doçura, de reserva, de
polidez e consideração. Quando uma peça lhe parecia engraçada, não muito indecente, o duque
se voltava risonho para a mulher, partilhava com ela, como um sinal de inteligência, de bondade, a
alegria inocente que lhe proporcionava a nova canção. E os espectadores podiam crer que não
havia melhor marido que ele, nem ninguém mais invejável do que a duquesa aquela mulher que
estava fora de todos os interesses do duque nesta vida, aquela mulher que ele não amava, a
quem jamais deixara de trair; quando a duquesa se sentia cansada, via-se o Sr. de Guermantes
levantar-se, colar-lhe ele próprio a capa, arrumando-lhe os colares para que não se
enganchassem no forro, e abrir-lhe caminho até a saída, com os cuidados explícitos e respeitosos
que ela recebia com a frieza da mundana; e às vezes até com a amargura um tanto irônica da
esposa desabusada que não tem mais qualquer ilusão a perder. Mas, apesar dessas
exterioridades, outra porção dessa polidez que tem feito subirem os deveres das profundezas à
superfície, em uma época já antiga, mas que ainda permanece quanto aos sobreviventes, a vida
da duquesa era difícil. O Sr. de Guermantes só se tornava generoso e humano para uma nova
amante, a qual tomava, como acontecia com freqüência, o partido da duquesa; esta via tornarem
se de novo possíveis, para ela, generosidades para com os inferiores, caridades para os pobres, e
até para ela própria, mais tarde, um novo e magnífico automóvel. Mas da irritação que, de hábito,
vinha bem depressa para a Sra. de Guermantes quanto às pessoas que lhe eram muito
submissas, não se excetuavam as amantes do duque. Em breve a duquesa se aborrecia delas.
Ora, naquele momento as relações do duque com a Sra. d'Arpajon chegavam ao fim. Uma outra
amante despontava.
Sem dúvida, o amor que o Sr. de Guermantes tivera sucessivamente por todas elas
recomeçava um dia a se fazer sentir: primeiro, esse amor, ao morrer, legava-as, como belos
mármores mármores lindos para o duque, que assim se fazia parcialmente artista, porque as
havia amado e agora era sensível às linhas que não teria apreciado sem o amor que
justapunham, no salão da duquesa, suas formas durante longo tempo inimigas, devoradas pelos
ciúmes e as querelas, e por fim reconciliadas na paz da amizade; depois, essa mesma amizade
era um efeito do amor, que fizera com que o duque de Guermantes reparasse, em suas amantes,
virtudes que existem em todo ser humano, mas que só à volúpia são perceptíveis, por mais que a
ex-amante, que se torna "uma excelente camarada" que faria qualquer coisa por nós, seja um
clichê, como o médico ou o pai que não são um médico ou um pai, e sim um amigo. Mas, durante
um primeiro período, a mulher que o Sr. de Guermantes começava a abandonar se queixava,
fazia cenas, mostrava-se exigente, parecia indiscreta, intrigante. O duque principiava a embirrar
com ela. Então a Sra. de Guermantes tinha ocasião de pôr em evidência os defeitos verdadeiros
ou supostos de uma pessoa que a irritava. Conhecida pela bondade, a Sra. de Guermantes
recebia os telefonemas, as confidências, as lágrimas da abandonada, e não se queixava. Ria
daquilo com seu marido, e depois com alguns íntimos. E, julgando, por essa piedade que
mostrava à infortunada, ter o direito de escarnecê-la em sua própria presença, por qualquer coisa
que dissesse, contanto que isso pudesse entrar no quadro do caráter ridículo que o duque e a
duquesa lhe haviam forjado recentemente, a Sra. de Guermantes não se vexava de trocar olhares
de irônica inteligência com o marido.
Entretanto, sentando-se à mesa, a princesa de Parma se lembrava que desejava convidar
a Sra. d'Heudicourt para a ópera e, querendo saber se isso não desagradaria à Sra. de
Guermantes, procurou sondá-la. Neste,momento entrou o Sr. de Grouchy, cujo trem, devido a um
descarrilamento tivera um atraso de uma hora. Desculpou-se como pôde; se sua mulher fosse
uma Courvoisier, teria morrido de vergonha. Mas não era à toa que a Sra. de Grouchy era uma
Guermantes. Como o seu marido se desculpara pelo atraso:
- Vejo - disse ela tomando a palavra que, até para as pequenas coisas, estar atrasado é
uma tradição em sua família.
- Sente-se, Grouchy, e não fique embaraçado - disse o duque.- Sempre caminhando com o
meu tempo, sou forçado a reconhecer que a batalha de Waterloo teve algo de bom, pois permitiu
a restauração do Bourbons e, melhor ainda, de um jeito que os fez impopulares. Mas vale que o
senhor é um verdadeiro Nimrod!
- De fato, consegui algumas boas peças. Vou me permitir enviar amanhã à duquesa uma
dúzia de faisões.
Um pensamento pareceu passar pelos olhos azuis da Sra. Guermantes. Ela insistiu para
que o Sr. de Grouchy não se incomodasse em mandar os faisões. E, fazendo um sinal para o
lacaio noivo, com quem conversara ao deixar a sala dos Elstirs:
- Poullein - disse ela-; você irá buscar os faisões do senhor e os trará imediatamente, pois,
não é mesmo, Grouchy, o senhor permite que eu faça algumas gentilezas? Nós dois, Basin e eu,
não comeremos faisões.
- Mas depois de amanhã haverá tempo - observou o Sr. de Grouchy.
- Não, prefiro amanhã - insistiu a duquesa.
Poullein empalidecera; seu encontro com a noiva havia falhado. Aquilo bastava para a
distração da duquesa, que fazia questão de que tudo mantivesse um aspecto humano.
- Sei que é o seu dia de folga - disse ela a Poullein-; não tenho mais que trocar com
Georges, que sairá amanhã e ficará trabalhando depois de amanhã.
- Mas depois de amanhã a noiva de Poullein não estaria livre; por isso importa ter folga.
Logo que Poullein saiu da sala, todos cumprimentaram a duquesa por sua bondade com os
criados.
- Mas eu só faço com eles o que gostaria que fizessem comigo. - Exatamente! Eles podem dizer que tem um bom lugar na casa.
- Não é tanto assim. Mas acho que me estimam. Este é um pouco irritante porque está
apaixonado; julga dever tomar uns ares melancólicos.
Nesse momento, Poullein voltou.
- De fato - disse o Sr. de Grouchy -, ele não parece risonho.- Com essa gente é preciso ser
bom, mas não bom demais.
- Reconheço que não sou terrível; durante o dia inteiro ele não terá mais a fazer que ir
buscar os seus faisões, ficar aqui sem fazer nada e comer a sua porção.
- Muita gente gostaria de estar em seu lugar - disse o Sr. de Grouchy -, pois a inveja é
cega.
- Oriane - disse a princesa de Parma -, tive outro dia a visita de sua prima d'Heudicourt;
evidentemente, é uma mulher de inteligência superior. É uma Guermantes, e isso diz tudo, mas
falam que é maldizente...
O duque lançou à mulher um longo olhar de intencional espanto. A Sra. de Guermantes se
pôs a rir. A princesa acabou percebendo.
- Mas... quer dizer que não são... da minha opinião?... - indagou ela, inquieta.
- Mas Vossa Alteza é boa demais para se importar com as caras de Basin. Vamos, Basin,
não dê impressão de estar insinuando coisas más sobre nossos parentes.
- Ele a considera muito má? - perguntou vivamente a princesa.
- Absolutamente - replicou a duquesa. - Não sei quem disse a Vossa Alteza que ela era
maldizente. Pelo contrário, é uma criatura excelente, jamais diz mal de ninguém, nem faz mal a
quem quer que seja.
- Ah! - disse a Sra. de Parma, aliviada. - Nem eu tampouco notara coisa alguma. Mas,
como sei que muitas vezes é difícil não ter um pouco de malícia quando se possui bastante
espírito...
- Ah, isto, por exemplo, ela possui ainda menos.
- Menos espírito? - indagou a princesa, pasma.
- Olhe, Oriane - interrompeu o duque em tom queixoso e lançando a seu redor, à direita e à
esquerda, olhares divertidos -, você está ouvindo que a princesa lhe diz que se trata de uma
mulher superior.
- E não é?
- Pelo menos é superiormente gorda.
- Não o escute, Alteza, ele não está sendo sincero. Ela é estúpida, como - disse com voz
forte e rouca a Sra. de Guermantes, que literalmente "um ganso", como se diz na província.
Bem mais "França antiga" ainda que o duque quando não cuidava disso, procurava muitas
vezes sê-lo, porém de uma forma oposta ao gênero "punho de renda" e deliquescente do marido
e, na realidade, bem mais fina, por uma espécie de pronúncia quase camponesa que possuía um
áspero e delicioso sabor de terra.
- Mas é a melhor mulher do mundo. E depois, nem sei mesmo se, em tal grau, pode-se
chamar a isso de estupidez. Acho que jamais conheci criatura semelhante; é caso para um
médico, aquilo tem algo de patológico, é uma espécie de "inocente", de cretina, de "retardada",
como nos melodramas ou como na Arlesiana. Sempre me pergunto, quando ela está aqui, se não
chegou o momento em que sua inteligência vai despertar o que sempre dá um pouco de medo. -
A princesa se maravilhava dessas expressões, sempre se mostrando estupefata com o veredicto.
- Ela me falou, bem como a Sra. d'Épinay, na sua frase acerca de Taquin, o Soberbo. É
deliciosa - concluiu.
O Sr. de Guermantes explicou-me a frase. Tive vontade de lhe dizer que seu irmão, que
pretendia não me conhecer, esperava-me naquela mesma noite às onze horas. Mas eu não tinha
perguntado a Robert se poderia falar desse encontro e, como o Sr. de Charlus quase me
houvesse fixado tal encontro, em contradição com o que dissera à duquesa, achei mais delicado
calar-me.
- Taquin, o Soberbo não é nada mau- disse o Sr. de Guermantes-, mas a Sra. d'Heudicourt
provavelmente não lhe contou uma frase bem mais bonita que Oriane disse outro dia, em resposta
a um convite para almoçar.
- Oh, não! Diga-a.
- Ora, Basin, cale-se; primeiro, é uma frase estúpida e vai me fazer ser julgada pela
princesa como inferior à tola da minha prima. E depois não sei por que digo minha prima. É uma
prima de Basin. Ainda assim um pouco parenta minha.
- Oh! - exclamou a princesa de Parma à ideia de que poderia achar estúpida a Sra. de
Guermantes, e protestando desesperadamente que nada podia fazer com que a duquesa
decaísse do posto que ocupava em sua admiração.
- E depois, já lhe retiramos as qualidades do espírito; como a expressão tende a negar-lhe
certos dons do coração, parece-me inoportuna.
- Negar! Inoportuna!
- Como ela se exprime bem! - disse o duque com uma ironia fingida e para que
admirassem a duquesa.
- Ora, Basin, não zombe de sua mulher.
- É preciso dizer a Vossa Alteza Real - replicou o duque - que a prima de Oriane é
superior, bondosa, gorda, tudo o que quiserem, mas precisamente, como direi... pródiga.
- Sim, eu sei; ela é bem avarenta - interrompeu a princesa.
- Eu não me permitiria esta expressão, mas a senhora achou a palavra exata. Isto se
traduz na casa bem arrumada e particularmente na cozinha, que é excelente, mas medida.
- Isto chega mesmo a dar lugar a cenas bem cômicas - interrompeu o Sr. de Bréauté. -
Assim, meu caro Basin, fui passar um dia em Heudicourt, onde você e Oriane eram esperados.
Haviam feito suntuosos preparativos quando, de tarde, um lacaio trouxe um despacho de vocês
dizendo que não vinham mais.
- Isto não me espanta - disse a duquesa, que não só era difícil de apanhar, como queria
que todos o soubessem.
- Sua prima leu o telegrama, ficou desolada e, logo após, sem me perturbar e dizendo não
ser necessário fazer tantas despesas inúteis relativamente a um senhor sem importância como
eu, chamou o lacaio: "Diga ao cozinheiro-chefe para retirar o frango", gritou-lhe. E de noite, ouvi
que perguntava ao mordomo: "E então? E os restos do boi de ontem? Não vai servi-los?"
- De resto, é preciso reconhecer que o passadio ali é perfeito - disse o duque, julgando
mostrar-se ancien régime ao empregar esse termo. - Não conheço casa onde melhor se coma.
- Nem menos - acrescentou a duquesa.
- É muito saudável, e o bastante para o que se chama um plebeu vulgar feito eu -
continuou o duque -; a gente fica com fome.
- Ah, como dieta é de fato mais higiênico do que opulento. Aliás, não é tão bom assim
devolveu a duquesa, que não gostava muito que dessem o título de melhor mesa de Paris a outra
que não a sua.
- Acontece com minha prima o mesmo que se dá com os autores constipados que põem
uma peça em um ato, ou um soneto, a cada quinze anos. É o que se chama de pequenas obras
primas, ninharias que são joias, numa palavra, a coisa de que mais tenho horror. Na casa de
Zénaïde, a cozinha não é ruim, mas poderiam achá-la mais a contento se ela não fosse tão
parcimoniosa. Há umas coisas que o cozinheiro-chefe produz bem, mas há outras coisas em que
ele falha. Já tive ali, como em toda parte, jantares horríveis; mas me fizeram menos mal do que
em outro lugar, porque o estômago, no fundo, é mais sensível à quantidade que à qualidade.
Enfim, para acabar - concluiu o duque -, Zénaïde insistia para que Oriane fosse almoçar, e, como
a minha mulher não gosta muito de sair de casa, resistia, e procurava saber se, sob o pretexto de
uma refeição íntima não a embarcavam deslealmente numa grande festança e em vão tentava
averiguar quais eram os convidados que haveria para esse almoço. “Vente, vem insistia Zénaïde”,
gabando as coisas boas que haveria para o almoço, - Hás de comer um purê de castanhas, digo
só isto, e haverá pequenas bouchées a Ia reine.
- Sete bouchées - gritou Oriane.
- Enfim é que teremos no mínimo oito!
Ao cabo de alguns instantes, a princesa, tendo entendido, deixou rebentar o seu riso como
o rolar de uma trovoada.
- Ah, então seremos mínimo oito, é sensacional! Como está bem redigido! - disse ela,
tendo num supremo esforço, encontrado a expressão de que se servira a Sra. d'Épinaey e que
desta vez se aplicava melhor.
- Oriane, é muito bonito o que diz a princesa; ela diz que está "bem redigido"
- Mas, meu amigo, não está me dizendo nada de novo; eu sei que a princesa é muito
espirituosa - respondeu a Sra. de Guermantes, que apreciava facilmente uma expressão quando,
a um tempo, era pronunciada por uma Alteza e elogiava o seu próprio espírito. - Estou muito
orgulhosa de que Vossa Alteza aprecie minhas modestas redações. Todavia, não me lembro de
ter dito semelhante coisa. E, se o disse, era para elogiar a minha prima, pois, se tinha sete
bouchées, as bocas, se ouso expressar-me assim, deviam ultrapassar uma dúzia...
Durante todo esse tempo, a condessa d'Arpajon que, antes do jantar, me dissera que sua
tia ficaria muito feliz em me mostrar o seu castelo da Normandia, dizia-me, por sobre a cabeça do
príncipe de Agrigento, que desejaria receber-me, sobretudo, na Côte-d'Or, pois lá, em Pont-le
Duc, ele se achava em casa.
- Os arquivos do castelo lhe interessariam. Há correspondências excessivamente curiosas
entre todas as pessoas mais notáveis dos séculos XVII, XVIII e XIX. Ali passo horas maravilhosas,
vivo no passado- garantiu o Sr. de Guermantes que me prevenira ser fortíssima em literatura.
- Ela possui todos os manuscritos do Sr. de Bornier - retornou a princesa, falando da Sra.
d'Heudicourt, pois desejava fazer valer as boas razões que podia ter para se ligar a ela.
- Ela deve ter sonhado, julgo que nem sequer o conhecia - disse a duquesa.
- O que é principalmente interessante é que tais correspondências são de pessoas de
diversos países - continuou a condessa d'Arpajon que aliada às principais casas ducais e até
soberanas da Europa, sentia-se feliz por lembrá-lo.
- Mas sim, Oriane. Você se lembra muito bem daquele jantar em que teve o Sr. Bornieer
como vizinho.
Mas Basin, interrompeu a duquesa:
- Se quiser me dizer que conheci o Sr. de Bornier, naturalmente; ele até veio várias vezes
para me visitar, mas nunca me decidi a convidá-lo porque, de cada vez, teria sido obrigada a
desinfetar a casa com formol. Quanto a esse jantar, até me recordo muito bem; não foi de jeito
nenhum na casa de Zénaide, que nunca viu Bornier em toda a sua vida, e que deve achar, se
alguém lhe fala da Filha de Roland, que se trata de uma princesa Bonaparte que diziam ser noiva
do filho do rei da Grécia; não, foi na embaixada da Áustria. O encantador Hoyos pensara agradar-me, colocando numa cadeira ao lado da minha esse acadêmico empesteado. Achei que era
vizinha de um esquadrão de gendarmes. Fui obrigada a tapar o nariz como pude durante todo o
jantar, e só tive coragem de respirar no gruyere!
continua na página 218...
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Leia também:
Volume 1
Volume 2
Volume 3
O Caminho de Guermantes (2a.Parte - ausentes dos outros dois ou três salões)
Volume 7
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