sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXXIX - [Brancas Aparições]

Cruz e Sousa

Obra Completa
Volume 1
POESIA



O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos

Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos




OUTROS SONETOS 







[BRANCAS APARIÇÕES]


Brancas Aparições, Visões renanas,
Imagens dos Ascetas peregrinos,
Hinos nevoentos, neblinosos hinos
Das brumosas igrejas luteranas.


Vago mistério das regiões indianas,
Sonhos do Azul dos astros cristalinos,
Coros de Arcanjos, claros sons divinos
Dos Arcanjos, nas tiorbas soberanas.


Tudo ressurge na minh’alma e vaga
Num fluido ideal que me arrebata e alaga,
No abandono mais lânguido, mais lasso...


Quando lá nos sacrários do Cruzeiro
A lua rasga o trêmulo nevoeiro,
Magoada de vigílias e cansaço...







VIOLINOS


Pelas bizarras, góticas janelas
De um tempo medieval o sol ondula:
Nunca os vitrais viram visões mais belas
Quando, no ocaso, o sol os doura e oscula...


Doces, multicores aquarelas
Sobre um saudoso céu que além se azula...
Calma, serena, divinal, entre elas,
A pomba ideal dos Angelus arrula...


Rezam de joelhos anjos de mãos postas
Através dos vitrais, e nas encostas
Dos montes sobe a claridade ondeando...


É a lua de Deus, que as curvas meigas
Foi ondular pelos vergéis e veigas
Magnólias e lírios desfolhando...







GUERRA JUNQUEIRO



Quando ele do Universo o largo supedâneo
Galgou como os clarões – quebrando o que não serve,
Fazendo que explodissem os astros de seu crânio,
As gemas da razão e os músculos da verve;


Quando ele esfuziou nos páramos as trompas,
As trompas marciais – as liras do estupendo,
Pejadas de prodígios, assombros e de pompas,
Crescendo em proporções, crescendo e recrescendo;


Quando ele retesou os nervos e as artérias
Do verso orbicular – rasgando das misérias
O ventre do Ideal na forte hematemese.


Clamando – é minha a luz, que o século propague-a,
Quando ele avassalou os píncaros da águia
E o sol do Equador vibrou-lhe aquelas teses!






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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu
corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.



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