A Montanha Mágica
Capítulo VI
Neve
Cinco vezes por dia manifestava-se em torno das sete mesas o descontentamento
unânime com o tempo que o inverno ia oferecendo esse ano. Julgavam que ele não se
desempenhava senão insuficientemente dos deveres de um inverno alpino, que estava longe de
proporcionar os recursos meteorológicos aos quais a região devia a sua fama, na medida garantida
pelo prospecto e na intensidade a que os veteranos estavam acostumados, e que os novatos
haviam imaginado encontrar. Registrava-se um grave déficit de sol, de radiação solar, esse
importante fator do tratamento, e sem o concurso do qual a cura indubitavelmente seria
retardada... Pensasse o que pensasse o Sr. Settembrini quanto à sinceridade com que os hóspedes
da montanha se empenhavam em recuperar a saúde e em regressar da “pátria” à planície – em
todo caso reclamavam eles os seus direitos, reivindicavam o que se lhes devia pelo seu bom
dinheiro ou por aquele com que seus pais ou seus maridos pagavam a sua estadia, e não cessavam
de resmungar nas suas conversas à mesa, no elevador e no vestíbulo. Também a direção geral
demonstrou estar plenamente inteirada da sua obrigação de remediar a falta e de indenizar os
pensionistas. Foi adquirido um novo aparelho de “sol artificial”, porque os dois que o sanatório
já possuía não bastavam para corresponder às necessidades dos pensionistas desejosos de
bronzear a pele pelos raios ultravioleta, o que favorecia muito as garotas e as mulheres moças e
dava ao mundo masculino, apesar da sua vida horizontal, a aparência de magníficos desportistas e
conquistadores. E essa aparência trazia frutos reais: as mulheres, embora estivessem
perfeitamente a par da origem técnica e cosmética dessa virilidade, eram bastante tolas ou
matreiras, bastante ávidas de miragens sensuais, para deixar-se embriagar por essa ilusão. – Meu
Deus! – disse a Srª. Schönfeld, uma enferma ruiva, de olhos avermelhados, procedente de
Berlim, quando, certa noite, encontrou no vestíbulo um cavalheiro de pernas compridas e peito
encovado, que no seu cartão de visitas se apresentava como “aviateur diplomé et enseigne de la marine
allemande”, fora submetido ao pneumotórax, vestia o smoking para o almoço e tirava-o para o
jantar, afirmando que o regulamento da marinha o prescrevia assim. – Meu Deus! – repetiu ela,
enquanto contemplava o enseigne com os olhos cúpidos. – Como ele está tostado pelos raios
ultravioleta! Que maravilha! Parece um caçador de águias esse diabo!
– Cuidado, ondina! – murmurou ele ao seu ouvido, no elevador, e ela arrepiou-se toda. –
Você me pagará seus olhares sedutores! – E pelas sacadas, contornando as divisões de vidro, o
diabo caçador de águias foi unir-se à ondina...
Contudo, faltava muito para que o sol artificial fosse considerado compensação
satisfatória do saldo devedor de genuína luz solar que exibia o balanço desse ano. Dois ou três
dias de sol puro por mês – dias que brilhavam, na verdade, sobremodo esplêndidos, com um
profundíssimo azul de veludo atrás dos cumes alvos, com uma cintilação de diamantes, e com
uma deliciosa ardência na nuca e na face dos homens, dias livres do confuso cinzento das brumas
e dos véus espessos – dois ou três dias assim, no curso de semanas inteiras, eram muito pouco
para a alma de pessoas cujo destino justificava exigências excepcionais em matéria de consolo, e
que intimamente insistiam no cumprimento de um pacto que lhes assegurava, em troca da
renúncia aos prazeres e às atribuições da humanidade dos países planos, uma existência inerte,
sem dúvida, mas sumamente fácil e divertida, despreocupada até a abolição do tempo e
favorecida sob todos os aspectos. Pouco adiantava que o conselheiro lhes chamasse à memória
que, mesmo sob essas circunstâncias, a vida no Berghof estava longe de se parecer com um
calabouço ou uma mina siberiana, e elogiasse o ar da região, tão leve e tão fino, semelhante ao
éter vazio do universo, pobre em acréscimos terrestres, em elementos bons ou maus, esse ar que
até na ausência do sol levava enormes vantagens sobre a fumaceira e as emanações da planície.
Apesar disso, generalizavam-se o mau humor e os protestos. Ameaças de partidas “em falso”
tornavam-se comuns, e acontecia mesmo que se realizassem, apesar de haver exemplos como o
bem recente da melancólica volta da Srª. Salomon, cujo caso a princípio não era grave, embora
demorado, mas que em consequência da estadia não autorizada na úmida e ventosa Amsterdam
transformara-se em incurável...
Em lugar do sol, porém, veio a neve, enormes quantidades de neve, uma abundância
tamanha como Hans Castorp nunca vira em toda a sua vida. O inverno anterior não deixara
realmente nada a desejar a esse respeito; mas a sua produção fora exígua em comparação com a
do ano em curso. O que este oferecia era monstruoso, desmesurado, e fazia a alma consciente da
natureza excêntrica e aventureira dessa região. Nevava dia e noite, ora neve fininha, ora
torvelinhos densos; caía neve sem cessar. Os poucos caminhos que estavam sendo mantidos em
estado praticável pareciam desfiladeiros, com muralhas de neve mais altas do que um homem de
ambos os lados. Exibiam superfícies lisas de alabastro, agradáveis à vista no seu esplendor
granuloso e cristalino, e que serviam aos hóspedes da montanha para rabiscos, desenhos, e para
transmissão de toda espécie de recados, brincadeiras e motejos. No entanto, mesmo entre essas
muralhas caminhava-se sobre uma camada de neve bastante elevada, por profundas que fossem
as escavações. Isso se notava nas partes fofas do solo e nos buracos em que o pé subitamente
afundava, às vezes até o joelho. Era preciso andar com muito cuidado, para não quebrar, de
repente, uma perna. Os bancos haviam desaparecido, submersos. Algum pedaço do espaldar
emergia aqui ou ali da sepultura branca. Lá embaixo, na aldeia, o nível das ruas modificara-se tão
estranhamente que as lojas tinham baixado do rés-do-chão ao subsolo, que se alcançava descendo
da calçada, por degraus talhados na neve.
E continuava nevando sobre as massas já amontoadas, todos os dias, com a neve caindo
mansinha e com um frio moderado de dez a quinze graus abaixo de zero, que não chegava a
congelar a medula da gente. Sentia-se pouco esse frio. Era como se não se registrassem mais dois
ou cinco graus, uma vez que a calmaria e a secura do ar não permitiam que o frio cortasse. Pela
manhã reinava muita obscuridade. Tomava-se o café sob o luar artificial dos lustres que pendiam
do teto da sala com os arcos alegremente coloridos das abóbadas. Lá fora estendia-se o vácuo
sombrio. O mundo estava embrulhado num algodão alvacento, que se comprimia de encontro às
vidraças, e totalmente oculto pela neve e pela cerração. Desaparecera a cordilheira. O máximo
que se divisava, de tempos em tempos, eram algumas das coníferas mais próximas; erguiam-se
carregadas de neve e rapidamente se perdiam na bruma. De vez em quando um abeto, agitando
se, desembaraçava-se do excesso de carga e despejava uma poeira branca no ambiente gris. Pelas
dez horas, o sol surgia por cima da montanha, qual uma fumarada vagamente luzente; era como
se tencionasse dar uma vida débil e fantasmagórica, um tênue reflexo de realidade, à paisagem
anulada e irreconhecível. Mas tudo permanecia diluído numa espectral delicadeza e palidez, sem
contornos que os olhos pudessem traçar com segurança. As linhas dos picos confundiam-se,
dissolviam-se na névoa, desapareciam na bruma. Os lençóis de neve, iluminados por uma luz
lívida, estendendo-se uns ao lado e acima dos outros, guiavam o olhar ao nada. Às vezes, uma
nuvem irradiada, fumacenta, pairava por muito tempo diante de um paredão rochoso, sem
modificar a sua forma.
Por volta do meio-dia, o sol, penetrando parcialmente a neblina, costumava fazer um
esforço de converter a bruma em azul. A tentativa, entretanto, ficava longe de se transformar em
realidade. Mas havia momentos em que se vislumbravam traços do azul celeste, e a luz escassa
bastava para fazer cintilar ao longe com reflexos diamantinos a paisagem estranhamente
desfigurada pela aventura da neve. A essa hora, geralmente, cessava a nevada, como para permitir
uma visão de conjunto dos resultados obtidos. Os raros e esparsos dias de sol pareciam servir à
mesma finalidade. Descansavam então os torvelinhos, e o repentino calor celestial procurava
derreter a superfície deliciosamente pura das massas de neve recém-caída. O aspecto do mundo
era feérico, infantil e burlesco. Os espessos e macios almofadões que jaziam, como que afofados,
sobre os galhos das árvores; as corcovas do solo, sob as quais se escondiam arbustos rasteiros ou
rochas salientes; a aparência agachada, submersa, grotescamente mascarada, da paisagem – tudo
isso originava um “ridículo” mundo de gnomos, que parecia ter saído de um livro de contos de
fadas. Mas, ao passo que o cenário imediato, através do qual as pessoas se movimentavam
laboriosamente, despertava ideias fantásticas e picarescas, eram de magnificência e de santidade as
sensações que inspirava o fundo longínquo, com a alterosa estatuária dos Alpes envoltos em
neve.
De tarde, das duas às quatro, Hans Castorp achava-se estendido no seu compartimento
da sacada, e muito bem agasalhado, com a cabeça apoiada no espaldar nem baixo demais nem
excessivamente alto da excelente espreguiçadeira, deixava os olhos vagar, por sobre o parapeito
almofadado, em direção aos bosques e às montanhas. A plantação de pinheiros, verde-negra e
carregada de neve, escalava as encostas, e entre as árvores o solo estava em toda parte coberto de
neve, que se apresentava fofa como um coxim. Mais para cima levantava-se a serra rochosa, de
um cinza esbranquiçado, com imensas áreas de neve, interrompidas aqui e ali por proeminentes
penedos de cor mais escura, e com as cristas delicadamente veladas. Nevava silenciosamente. O
quadro ia-se tornando mais e mais borrado. O olhar, perdendo-se num vazio suave, passava
facilmente para o cochilo. Um estremecimento acompanhava o instante da transição, mas depois
não podia haver sono mais puro do que esse em meio ao frio glacial, sono sem sonhos, não
afetado por qualquer reminiscência do peso da vida orgânica, uma vez que a respiração do ar
rarefeito, inconsistente e inodoro, não era mais difícil para o corpo vivo do que a não-respiração
para o morto. Na hora do despertar, a cordilheira sumira por completo atrás da bruma nevosa, e
só por alguns momentos apontavam certos fragmentos dela, um pico aqui, uma rocha saliente ali,
que logo tornavam a ocultar-se. Esse jogo silencioso de espectros era sumamente divertido.
Precisava-se muita atenção para acompanhar todas as fases dessa fantasmagoria de véus. Bravio e
grandioso, desprendendo-se da cerração, exibia-se um grupo de penhascos, cujos cumes e bases
permaneciam invisíveis; mas o olhar que os abandonasse por um minuto apenas já não os
tornaria a encontrar.
De quando em quando desencadeavam-se tempestades de neve que impossibilitavam
absolutamente a permanência na sacada, porque o torvelinho branco, invadindo o
compartimento em grandes quantidades, cobria tudo, tanto o chão como os móveis, com uma
camada espessa. Sim, havia até tempestades nesse vale alto, cercado de montanhas. Tumultuava
então a atmosfera inconsistente; os flocos pululavam nela com tamanha abundância que nada se
enxergava a um passo de distância. Rajadas de um vigor sufocante imprimiam à neve um
movimento selvagem, flutuante, oblíquo, arrastando-a de baixo para cima e fazendo-a remoinhar
numa dança louca. Isso já não era nevada, era um caos de trevas alvas, uma monstruosidade, a
extravagância fenomenal de uma região distante da zona temperada, onde somente os tentilhões
brancos que de repente apareciam em enormes bandos eram capazes de sentir-se em casa e de
orientar-se.
Não obstante, Hans Castorp amava aquela vida na neve. Achava-a, sob diversos aspectos,
muito parecida com a vida à beira-mar. A monotonia primitiva da natureza era comum aos dois
ambientes. A neve, aquele pó de neve, profundo, fofo, imaculado, desempenhava ali o mesmo
papel que lá embaixo cabia à areia de brancura amarelada. O conluio com uma e outra era
igualmente limpo. O pó seco e frio era sacudido dos sapatos e das roupas, como na planície os
pulverizados detritos de conchas e pedras, oriundos do fundo do mar, sem que deixasse nenhum
vestígio. Caminhar pela neve era laborioso, tal e qual um passeio pelas dunas, a não ser que as
superfícies derretidas de dia pelo ardor do sol tivessem endurecido em virtude do frio da noite.
Então se andava ali mais ligeiro e mais agradavelmente do que sobre um assoalho, com a mesma
facilidade e o mesmo prazer que sente quem passeia sobre a areia lisa, firme, úmida e elástica à
beira-mar.
Esse ano, porém, trouxera consigo nevadas e quantidades de neve depositada que
restringiam fortemente as possibilidades de exercícios ao ar livre, para todos, exceção feita nos
esquiadores. Mourejavam os arados limpa-neves, mas só a muito custo conseguiam manter as
veredas mais frequentadas e a rua principal de Davos num estado de precária praticabilidade. Os
poucos caminhos que continuavam abertos, e rapidamente acabavam em zonas intransitáveis,
estavam abarrotados de pessoas sadias ou enfermas, nativas ou pertencentes à sociedade
internacional dos hotéis. As pernas dos pedestres eram atropeladas pelos trenós que, gingando e
jogando, precipitavam-se encosta abaixo, guiados por homens e mulheres que lançavam gritos de
advertência, cujo tom patenteava o quanto essa gente, no seu veículo infantil, estava
compenetrada da importância das suas atividades. Chegados embaixo, logo voltavam a subir,
arrastando atrás de si, numa corda, o seu brinquedo da moda.
Hans Castorp estava mais do que farto desse tipo de passeio. Tinha dois desejos, entre os
quais o mais forte era ficar a sós com seus pensamentos e sonhos. Para esse fim, o seu
compartimento de sacada poderia bastar-lhe, embora de um modo superficial. O outro desejo,
porém, que acompanhava o primeiro, fazia-o anelar vivamente um contato mais íntimo e mais
livre com as montanhas assoladas pela neve, a qual o jovem começara a querer bem. Mas esse
desejo era irrealizável, enquanto o peito que o abrigava pertencesse a um pedestre desprovido de
asas e de instrumentos. Pois imediatamente mergulharia até o pescoço no elemento branco, se
tentasse avançar além dos caminhos habituais, abertos com a pá, e cujo fim se alcançava depressa
em toda parte.
Assim, aconteceu, um belo dia desse segundo inverno que Hans Castorp passava ali em
cima, que o jovem decidiu comprar um par de esquis e aprender a servir-se deles, na medida que
o exigiam as suas necessidades reais. Não era desportista; nunca o fora, por falta de uma
mentalidade preocupada com a educação física, e tampouco fingia sê-lo, à maneira de certos
pensionistas do Berghof que, para corresponder à moda e ao espírito do lugar, fantasiavam-se
excentricamente. Sobretudo as mulheres faziam isso; Hermine Kleefeld, por exemplo, que,
embora a respiração insuficiente lhe tingisse de um constante azul a ponta do nariz e os lábios,
gostava de aparecer, à hora do lanche, trajando calças de lã, e depois da refeição costumava
refestelar-se assim numa das poltronas de vime do vestíbulo, abrindo as pernas de modo bastante
inconveniente. Se Hans Castorp tivesse solicitado a autorização do conselheiro para o seu
extravagante intento, decerto teria recebido uma resposta negativa. Atividades desportivas
estavam rigorosamente proibidas à comunidade de enfermos, tanto no Berghof como em outros
lugares, nos estabelecimentos do mesmo gênero. Pois aquela mesma atmosfera que
aparentemente era aspirada com muita facilidade exigia dos músculos cardíacos esforços
violentos, e no que dizia respeito à pessoa de Hans Castorp, continuava em pleno vigor a sua
atilada frase sobre “o hábito de não se habituar”. A tendência febril que Radamanto atribuía a
uma mancha úmida persistia obstinadamente. Não fosse ela, que é que Hans Castorp ia fazer ali
em cima? Seu desejo e seu projeto eram, portanto, incoerentes e ilícitos. Mas convém procurar
compreendê-lo. Hans Castorp não estava aguilhoado pela ambição de igualar-se aos almofadinhas
do ar livre e aos pseudodesportistas que, se a moda o mandasse assim, jogariam cartas numa sala
abafada com o mesmo zelo ardoroso. Sentia-se estreitamente ligado a uma outra comunidade,
menos livre do que a pequena comunidade dos turistas. Sob um ponto de vista mais amplo e
mais novo, devido a certo senso de dignidade, que o distanciava dos demais, e a consciência das
suas obrigações, que lhe restringia os planos, tinha a impressão de que não lhe cabia brincar nas
alturas como aquela gente e rolar pela neve feito um louco. Não tencionava realizar escapadas;
propunha-se proceder com moderação, e Radamanto bem poderia permitir-lhe o que desejava
fazer. Mas Hans Castorp previa que o médico, em nome do regulamento do sanatório, não
deixaria de vetar a realização do intento, e por isso decidiu agir à revelia dele. Numa
oportunidade, comunicou o seu projeto ao Sr. Settembrini. Este quase o abraçou de tanta alegria. – Sim, senhor! Claro! Faça isso, engenheiro, por amor de Deus! Não consulte ninguém e faça-o.
Foi o anjo da guarda quem lhe deu essa ideia. Faça-o imediatamente, antes de perder a vontade
saudável! Irei com o senhor, vou acompanhá-lo até a loja, e juntos adquiriremos sem demora
esses abençoados utensílios! Gostaria até de acompanhá-lo através das montanhas, de correr a
seu lado, com os esquis alados nos pés, como Mercúrio, mas não me é permitido... Ora,
permitido! Se apenas se tratasse da “permissão”, pouco me importaria, mas não posso, porque
sou um homem perdido. Mas o senhor... Isso não lhe fará mal nenhum, absolutamente, desde
que se mostre prudente e não abuse. Tolice, mesmo que lhe fizesse um pouquinho de mal, seria
ainda o seu anjo da guarda quem... Não quero dizer mais nada. Que plano excelente! Encontra-se
aqui faz dois anos e ainda é capaz de ter ideias assim! Sim, senhor, sua natureza íntima é boa. Não
temos motivos para desespero. Bravos, bravos! O senhor pregará uma peça ao príncipe das
trevas. Compre os esquis e mande-os para minha casa, ou para Lukacek, ou para o merceeiro que
mora embaixo. Ali pode buscá-los, quando quiser exercitar-se e deslizar sobre a neve...
E assim foi feito. Sob os olhos do Sr. Settembrini, que se fingia de crítico perito, embora
nada entendesse de esportes, Hans Castorp adquiriu, numa loja especializada da rua principal, um
par de bonitos esquis, de boa madeira de freixo, lustrados com verniz castanho-claro e providos
de magníficas correias e de pontas levantadas. Também comprou os necessários bastões de
pontas de ferro e munidos de pequenas rodas, e fez questão de levar tudo isso nos seus próprios
ombros até o domicílio de Settembrini, onde não teve dificuldade em combinar com o merceeiro
as condições do depósito dos utensílios. Pela observação frequente de outros esquiadores
inteirara-se do modo de usar os esquis, o bastante para que, longe das multidões reunidas nos
campos de exercício, começasse sozinho a dar os primeiros e malsucedidos passos numa encosta
quase despida de árvores e situada nas proximidades do Sanatório Berghof. De vez em quando, o
Sr. Settembrini ia assistir às suas tentativas, de alguma distância, apoiando-se na bengala, com as
pernas graciosamente cruzadas, e premiando com brados de elogio a progressiva habilidade do
jovem. Tudo se passou sem incidentes, mesmo aquele momento em que Hans Castorp, ao descer
pela curva da estrada aberta a pá, na intenção de encaminhar-se à “aldeia” e de deixar os esquis na
casa do merceeiro, encontrou-se com o conselheiro. Behrens não o reconheceu, embora isso se
desse em pleno meio-dia e o principiante quase se chocasse com ele; passou pelo jovem,
envolvendo-se numa nuvem de fumaça de charuto.
continua pág 310...
___________________
___________________
Leia também:
Capítulo II
Da pia batismal e dos dois aspectos do avô
Da pia batismal e dos dois aspectos do avô
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo V
Capítulo VI
Neve (a)
___________________
A Montanha Mágica (Der Zauberberg, no original alemão) é um romance de Thomas Mann que foi publicado em 1924. É considerado o romance mais importante de seu autor e um clássico da literatura de língua alemã do século XX que foi traduzido para inúmeros idiomas, sendo de domínio público em países como Estados Unidos, Espanha, Brasil, entre outros.
Thomas Mann começou a escrever o romance em 1912, após uma visita à sua esposa no Wald Sanatorium em Davos, onde ela foi hospitalizada. Ele inicialmente o concebeu como um romance curto, mas o projeto cresceu ao longo do tempo para se tornar um trabalho muito maior. A obra narra a permanência de seu personagem principal, o jovem Hans Castorp, em um sanatório nos Alpes suíços, onde inicialmente vinha apenas como visitante. A obra tem sido descrita como um romance filosófico, pois, embora se enquadre no molde genérico do Bildungsroman ou romance de aprendizagem, introduz reflexões sobre os mais variados temas, tanto pelo narrador quanto pelos personagens (especialmente Nafta e Settembrini, aqueles encarregados da educação do protagonista). Entre esses temas, o do "tempo" ocupa um lugar preponderante, a ponto de o próprio autor o descrever como um "romance do tempo" (Zeitroman), mas muitas páginas também são dedicadas a discutir a doença, a morte, a estética ou a política.
O romance tem sido visto como um vasto afresco do modo de vida decadente da burguesia europeia nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial.
Thomas Mann começou a escrever o romance em 1912, após uma visita à sua esposa no Wald Sanatorium em Davos, onde ela foi hospitalizada. Ele inicialmente o concebeu como um romance curto, mas o projeto cresceu ao longo do tempo para se tornar um trabalho muito maior. A obra narra a permanência de seu personagem principal, o jovem Hans Castorp, em um sanatório nos Alpes suíços, onde inicialmente vinha apenas como visitante. A obra tem sido descrita como um romance filosófico, pois, embora se enquadre no molde genérico do Bildungsroman ou romance de aprendizagem, introduz reflexões sobre os mais variados temas, tanto pelo narrador quanto pelos personagens (especialmente Nafta e Settembrini, aqueles encarregados da educação do protagonista). Entre esses temas, o do "tempo" ocupa um lugar preponderante, a ponto de o próprio autor o descrever como um "romance do tempo" (Zeitroman), mas muitas páginas também são dedicadas a discutir a doença, a morte, a estética ou a política.
O romance tem sido visto como um vasto afresco do modo de vida decadente da burguesia europeia nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário