Émile Zola
Tradução de Francisco Bittencourt
Tradução de Francisco Bittencourt
Primeira Parte
VI
No elevador que o levava para cima, amontoado com mais quatro, Etienne resolveu voltar ao seu andarilhar faminto pelas estradas. Melhor seria morrer lá mesmo do que voltar ao fundo daquele inferno, onde nem sequer conseguia ganhar o suficiente para o pão. Catherine, encurralada acima dele, não mais estava ali, a seu lado, entorpecendo-o com o seu calor. Sim, era melhor que nem pensasse mais nessas bobagens, que se fosse... Sendo mais instruído que eles, não podia sentir essa resignação de rebanho, e acabaria por estrangular um chefe qualquer.
De repente, não enxergou mais nada; a subida fora tão rápida que
ficou aturdido com a claridade, os olhos piscando, desabituados com a luz.
Contudo, não deixou de ser um alívio para ele quando sentiu que o elevador
se firmava nos ferrolhos. Um carregador abriu a porta, e uma vaga de
operários saltou dos vagonetes.
— Como é, Mouque — murmurou Zacharie ao ouvido do
carregador —, vamos ao Volcan esta noite?
O Volcan era um café-concerto de Montsou; o jovem Mouque
piscou o olho esquerdo e riu silenciosamente, mas com toda a boca. Baixo e
gordo como o pai, tinha um nariz arrebitado, típico desses rapazes que tudo
esbanjam, sem qualquer preocupação com o futuro. Nesse momento, a irmã
saía de dentro do elevador, e ele pespegou-lhe uma enorme palmada no
traseiro, de pura ternura fraternal.
Etienne quase não reconhecia a nave alta de recepção que à noite
lhe parecera tenebrosa, sob a luz bruxuleante dos lampiões. Agora não era
mais que nua e suja. Uma claridade terrosa entrava pelas janelas
empoeiradas. Só a máquina luzia seus cobres ao fundo da peça. Os cabos de
aço, cobertos de graxa, corriam como fitas encharcadas de tinta, e as
roldanas no alto, as enormes vigas que as sustentavam, os elevadores, os
vagonetes, todo esse imenso aparato metálico escurecia a sala com a sua
opacidade de ferragem gasta. O ruído surdo das rodas fazia que as lajes de
ferro fundido tivessem um estremecimento contínuo, e da hulha
transportada subia uma poeira fina de carvão que tisnava o solo, as paredes
e até as traves da torre do sino de rebate.
Chaval, tendo dado uma vista de olhos no quadro de lançamentos,
no pequeno escritório envidraçado do recebedor, voltou furioso; constatara
que dois vagonetes dos seus tinham sido recusados; um por não conter a
quantidade regulamentar, outro porque a hulha estava suja.
— O dia está completo! — gritou ele. — São vinte soldos a menos!
A culpa é da gente, empregar vagabundos que se servem dos braços como
um porco do rabo...
E, com um olhar de viés para Etienne, completou seu pensamento.
O rapaz esteve a ponto de responder com um murro, mas conteve-se; para
quê? Não ia embora? Esse incidente veio persuadi-lo de uma vez por todas.
— No primeiro dia não se pode fazer tudo direito — disse Maheu
para pacificar. — Amanhã ele fará melhor.
Mas todos estavam exasperados, prontos para brigar. Ao passarem
pelo depósito de lâmpadas, Levaque agarrou-se com o encarregado, que ele
acusou de não limpar a sua como devia. Só no vestiário é que se acalmaram
um pouco; ali o fogo continuava a arder tão forte que o fogão estava em
brasa; o enorme compartimento sem janelas parecia estar em chamas com
os reflexos purpúreos do braseiro dançando nas paredes. Houve
exclamações de satisfação, todos se puseram a aquecer as costas a certa
distância, fumegantes como pratos de sopa; quando os rins queimavam,
punham as barrigas para cozer. A filha de Mouque, com toda a calma, tinha
descido as calças para secar a camisa. Os rapazes começaram a soltar
piadas; de repente, houve uma gargalhada geral, com a moça mostrando-lhes o traseiro, o que, para ela, era extrema expressão de desdém.
— Eu me vou — disse Chaval, que tinha fechado suas ferramentas
na caixa.
Ninguém se mexeu. Só a filha de Mouque se apressou, correu atrás
dele, pretextando que ambos iam para Montsou. Mas as brincadeiras a seu
respeito continuaram, todos sabiam que Chaval não queria mais nada com
ela.
Catherine, no entanto, preocupada, falava com o pai em voz baixa.
Este, a princípio, mostrou-se espantado, depois fez um movimento de
aprovação com a cabeça e chamou Etienne para lhe entregar o embrulho.
— Escute — murmurou ele. — Se você está sem dinheiro, vai
morrer de fome antes do fim da quinzena. Quer que lhe arranje crédito em
algum lugar?
O jovem não soube o que responder, embaraçado; ia justamente
pedir seus trinta soldos e partir, mas teve vergonha diante da moça que o
olhava fixamente; talvez fosse pensar que ele não gostava de trabalhar.
— Mas não lhe prometo nada — continuou Maheu. — Podem
muito bem não querer dar.
Etienne resolveu não dizer que não; era certo que recusariam o tal
crédito. E, além do mais, isso em nada o comprometia, podia ir embora
quando quisesse, depois de haver comido alguma coisa. Mas em seguida
arrependeu-se por ter aceito, ao ver a alegria de Catherine, seu riso aberto,
seu olhar de amizade, sua satisfação por ter podido ajudar. De que serviria
tudo aquilo?
Tendo apanhado os tamancos e fechado as caixas, Maheu e os filhos
deixaram o vestiário, atrás dos camaradas que partiam depois de se
aquecerem. Etienne seguiu-os, e Levaque e seu filho incorporaram-se ao
grupo. Ao atravessarem a triagem, uma cena violenta fê-los parar.
Era um galpão, amplo, com o vigamento negro de pó e grandes
persianas por onde soprava constantemente uma corrente de ar. Os carros de
hulha vinham para ali diretamente da recepção, em seguida eram
derramados por basculadores nas tremonhas, longas calhas metálicas de
transporte; à direita e à esquerda destas, as separadoras, trepadas em
degraus e armadas de pá e ancinho, retiravam as pedras e empurravam o
carvão limpo que, em seguida, caía através de funis nos vagões do caminho
de ferro construído sob o galpão.
Philomène Levaque trabalhava ali, franzina e pálida, com ar
resignado de moça que põe sangue pela boca. A cabeça protegida por um
farrapo de lã azul, mãos e braços negros até os cotovelos, fazia a sua
triagem logo depois de uma velha bruxa, a mãe da mulher de Pierron, a
Queimada, como a chamavam, terrível com seus olhos de coruja e lábios
comprimidos como a bolsa de um avarento. As duas estavam brigando; a
jovem acusava a velha de surrupiar suas pedras, de modo que não conseguia
encher um cesto em dez minutos.
Eram pagas por cestos, daí nascerem disputas a cada momento;
cabelos desfeitos, mãos marcadas a preto nos rostos vermelhos...
— Vamos, dá-lhe um soco! — gritou Zacharie lá de cima para a
amante.
Todas as separadoras começaram a rir, mas a Queimada investiu
furiosa contra o rapaz.
— Indecente! Era melhor que reconhecesses os dois filhos que
fizeste nela! Imaginem! Nessa pateta de dezoito anos que nem consegue
ficar em pé.
Maheu teve de impedir o filho de descer para ver, como ele disse, a
cor da pele daquela carcaça. Um fiscal acorreu e os ancinhos puseram-se de
novo a remexer o carvão. Não se via, do alto até o ponto mais baixo das
tremonhas, senão as costas curvadas das mulheres encarniçadas a se
disputarem as pedras.
Lá fora o vento amainara subitamente, um frio úmido caía do céu
cinzento. Os mineiros encolheram os ombros, cruzaram os braços e
partiram em debandada, com um movimento de cadeiras que tornava
salientes seus ossos enormes sob a fazenda fina das roupas. À luz do dia,
mais pareciam uma tropilha de negros que tivessem caído no lodo. Alguns
deles não tinham comido todo o sanduíche, e esse resto de pão, enfiado
entre a camisa e a jaqueta, tornava-os corcundas.
— Olha, lá vai o Bouteloup — disse Zacharie, rindo. Levaque, sem
parar, trocou duas frases com o seu inquilino, um homem gordo de trinta e
cinco anos, de jeito calmo e honesto.
— Como é, Louis, a sopa está pronta?
— Acho que sim.
— Então a mulher está andando direito hoje?
— Sim, acho que sim.
Outros mineiros do desaterro estavam chegando, grupos novos e um
a um, eram engolidos pela mina. Era o turno das três horas, mais homens para
a fome do poço e cujas equipes iam substituir os britadores de empreitada
no fundo dos filões. A mina nunca parava, noite e dia havia insetos
humanos cavando a rocha, seiscentos metros abaixo dos campos de
beterraba.
Os meninos agora caminhavam na frente. Jeanlin confiava a Bébert
um plano complicado para conseguir quatro soldos de tabaco a crédito,
enquanto Lydie se conservava, respeitosamente, a distância. Catherine
caminhava com Zacharie e Etienne; nenhum deles falava. Em frente à
taberna Avantage, Maheu e Levaque alcançaram o grupo.
— Chegamos — disse o primeiro a Etienne. — Você quer entrar?
Separaram-se. Catherine tinha ficado um instante imóvel, olhando
por uma última vez o rapaz com seus olhos grandes, límpidos e glaucos
como água de fonte, encravados no rosto negro, o que mais ressaltava seu
brilho. Ela sorriu e desapareceu com os outros no caminho ascendente que
conduzia ao conjunto habitacional.
A taberna encontrava-se entre este e a mina, no cruzamento dos
dois caminhos; era uma casa de tijolos de dois andares, caiada de alto a
baixo, com as janelas emolduradas de largas faixas de um alegre azul-claro.
Por cima da porta havia uma tabuleta com os seguintes dizeres pintados em
amarelo: À Avantage, taberna, administrada por Rasseneur. Por trás da casa
havia uma cancha para jogo de boliche cercada por uma sebe viva. A
companhia, que tudo fizera para comprar esse terreno encravado em suas
vastas terras, não se conformava com uma taberna aberta em pleno campo,
às portas da Voreux.
— Entre — repetiu Maheu a Etienne.
continua na página 59...
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Primeira Parte - (VI.a) não encontraram ninguém
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O pai de Zola tinha 44 anos quando conheceu Émilie-Aurélie Aubert, numa de suas viagens a Paris. Apesar da grande diferença de idade — a moça não chegara aos vinte anos —, acabaram casando — se. O resultado dessa união foi Émile Zola, nascido em 12 de abril de 1840, durante uma estada do casal em Paris. O menino mal conheceu o pai: em 1847, François faleceu.
As coisas ficaram difíceis. Sozinha e com grandes esforços, a mãe procurou equilibrar o orçamento doméstico e fazer que o filho estudasse. De certa forma, ela teve sucesso: Zola foi aluno do Colégio Notre-Dame e do Colégio de Aix. Quando o rapaz atingiu a maioridade, partiu com Émilie para Paris e, graças a um amigo da família, conseguiu um emprego na Alfândega.
Em dezembro de 1859, concluía sua primeira obra em prosa, Les Grisettes de Provence (As Costureirinhas de Provença). Continuava, porém, desconhecido e insatisfeito. Ele mesmo costumava dizer: "Ser sempre desconhecido é chegar a duvidar de si; nada engrandece os pensamentos de um autor como o sucesso".
Assim, no início de 1866, deixou o emprego para dedicar-se à literatura.
Abandonou o romantismo de seus anos de adolescência e passou a admirar outros autores: Balzac (1799-1850), Stendhal (1783-1842), Flaubert (1821-1880). Essa guinada para o realismo devia-se principalmente às suas últimas leituras: das teorias evolucionistas de Darwin (1809-1882) até o Tratado da Hereditariedade Natural do Dr. Lucas, passando pela Filosofia da Arte de Taine (1328-1893). No entanto, o que parece tê-lo feito decidir-se pelo realismo foi a Introdução ao Estudo da Medicina Experimental (1865), de Claude Bernard (1813-1878). Essa obra foi importante para o rumo que Zola imprimiria a toda a sua obra: o rigor científico no romance, cujo objetivo, diria ele, é o mesmo das experiências de laboratório, isto é, o conhecimento da realidade. O que Claude Bernard havia feito com o corpo humano Zola faria com as paixões e os meios sociais.
Para fazer Germinal, Zola não se satisfez com a simples busca de documentos. Foi passar alguns meses numa região mineira. Morou em cortiços, bebeu cerveja e genebra nos botequins e desceu ao fundo dos poços para observar de perto o trabalho dos operários. Aos poucos foi se familiarizando com o meio onde viviam aqueles homens. Descobriu quais as principais doenças causadas pela mineração. Sentiu o problema dos baixos salários, os sacrifícios dos mineiros, a gota que cai com uma regularidade incrível sobre seus rostos, a dificuldade de empurrar um vagonete por um corredor estreito, o drama do salto na escuridão que eles têm de dar para poderem sobreviver. Numa passagem admirável, descreve a emoção de uma greve de operários. Mostra seu ódio animal. Um ódio que destrói tudo à sua passagem. Uma violência viva nos corpos que querem libertar-se, mesmo à custa da total destruição. Mostra também o amor feito sobre o carvão, os pequenos dramas das dívidas, as brigas no cortiço, a promiscuidade de pais e filhos em casas muito pequenas. A obra obteve enorme repercussão.
Em 29 de setembro de 1901, em Paris, Émile Zola morre asfixiado pelo gás do aquecedor.
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