Victor Hugo - Os Miseráveis
Terceira Parte - MárioLivro Primeiro — Paris estudado na sua mais tênue parcela
IV - Como pode ser útil
Paris principia pelo basbaque e acaba no gaiato; duas criaturas que nenhuma outra
cidade encerra: a aceitação passiva que se contenta em ver, e a iniciativa sem fim;
Prudhomme e Fouillon. Só Paris é que tem uma coisa semelhante na sua história natural.
No basbaque reside toda a monarquia; no gaiato toda a anarquia.
Este pálido filho dos arrabaldes de Paris vive e cresce, principia e «acaba» no
infortúnio, testemunha pensativa das realidades sociais e as coisas humanas. Julga-se ele
próprio indiferente, mas não é. Olha, pronto a rir, mas pronto também para outra coisa.
Vós, quem quer que sois, que vos chamais Prejuízo, Abuso, Ignomínia, Opressão,
Iniquidade, Despotismo, Injustiça, Fanatismo, Tirania, acautelai-vos do gaiato, se o virdes
boquiaberto.
Esse pequeno crescerá.
De que argila é ele formado? Do primeiro barro que Deus deparou à mão. Um
punhado de lama, um sopro, e eis formado Adão. O essencial é o sopro de Deus, e o
sopro de Deus é sempre o que forma o gaiato. A fortuna coopera também para esta
criaturinha. Por fortuna aqui, entendemos o azar. Este pigmeu amassado com terra
comum, ignorante, falto de instrução, vulgar, plebeu entre os plebeus, será um jónio ou
um beócio! Esperai, currit rota, e o espírito de Paris, o demônio que cria os rapazes do
acaso e os homens do destino, ao avesso do oleiro romano, fará de cântaro uma ânfora.
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Victor-Marie Hugo (1802—1885) foi um novelista, poeta, dramaturgo, ensaísta, artista, estadista e ativista pelos direitos humanos francês de grande atuação política em seu país. É autor de Les Misérables e de Notre-Dame de Paris, entre diversas outras obras clássicas de fama e renome mundial.
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Segunda Parte
Os Miseráveis: Mário, Livro Primeiro - IV - Como pode ser útil
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Victor Hugo
OS MISERÁVEIS
Título original: Les Misérables (1862)
OS MISERÁVEIS
Título original: Les Misérables (1862)
Tradução: Francisco Ferreira da Silva Vieira
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