Fiódor Dostoiévski
Tradução portuguesa por José Geraldo Vieira
Quarta Parte
10.
continuando...
. Estas advertências relativas a Rogójin foram feitas na véspera do casamento.
A
tarde, o príncipe viu Nastássia Filíppovna pela última vez antes do casamento. E
ela não estava em estado de o deixar sossegado. Pelo contrário, ultimamente o
pusera mais e mais apreensivo.
Até aquela tarde, isto é, dias antes quando ela o
via, se esforçava por encorajá-lo, estando terrivelmente assustada com a sua
expressão melancólica. Chegou a cantar para ele. Coisas assim alegres, que lhe
vinham à mente, ao que o príncipe, fingindo, ria cordialmente.
Algumas vezes, porém, ele ria de verdade ante a maneira brilhante, o talento e o
sentimento puro que ela punha ao lhe contar histórias, deixando-se levar pelo
assunto, inefavelmente. Alegrava-a a alegria do príncipe e começava a orgulhar
se dele. Mas, de hora a hora, a tristeza e a ansiedade cresciam mais marcada
mente nele.
A sua opinião sobre Nastássia Filíppovna estava feita, senão a atitude
dela lhe pareceria incompreensível e enigmática; acreditou, porém, que ela se
refaria. Fora sincero quando disse a Evguénii Pávlovitch que a amava verdadeira
e sinceramente e que em seu amor havia um elemento de ternura para com uma
criança doente e infeliz que não podia ser deixada entregue a si mesma. Não
explicou a mais ninguém o seu sentimento por ela e
de fato o desagradava falar nisso quando lhe era impossível evitar o assunto.
Quando estavam os dois juntos, não discutiam “os seus sentimentos”, como se
nisso houvesse uma tácita promessa mútua. Qualquer pessoa podia testemunhar a
alegria e a agitada conversação diária de ambos. Dária Aleksiéievna costumava
dizer, muito depois, que não fizera outra coisa aqueles dias senão admirar-se e
rejubilar, olhando-os. Mas a sua noção sobre a condição mental e espiritual de
Nastássia Filíppovna, em certo grau o poupava de muitas perplexidades.
Ela,
agora, era uma mulher completamente diferente da mulher que conhecera três
meses antes. Não achou paradoxal, por exemplo, que ela, que preferira fugir a
casar com ele, e fugir com lágrimas de maldições e de reprimendas, insistisse
agora no casamento, o que o fez acreditar que ela já não julgava mais que tal
casamento o desgraçaria.
Tão rápida prova de confiança em si mesma, no ver
do príncipe, não parecia natural; e muito menos decorrer apenas do seu ódio para
com Agláia Ivánovna, conquanto fosse capaz de sentir sobremaneira tal ódio.
Não podia provir também do temor do seu destino com Rogójin. muito embora
tanto esta como as outras coisas pudessem sedimentar dentro dela.
Mas o que
claramente ficava patente ao seu espírito era a desconfiança antiga: isto é, que
aquela pobre alma estivesse estilhaçada. Se tais conhecimentos lhe poupavam
perplexidades, não eram de molde; todavia, a lhe dar paz e sossego. todo esse
tempo.
As vezes experimentava não pensar em nada disso; punha-se a encarar o seu
casamento apenas como qualquer formalidade comum: muito menos se
inquietava com o próprio destino. Quanto a certos protestos, como no gênero dos
da conversa com Evguénii Pávlovitch. se sentia totalmente incapaz de responder
a eles, tal incapacidade sendo de tal ordem que o melhor era esquecer qualquer
referência.
Percebeu porém que Nastássia Filíppovna sabia e compreendia perfeitamente
bem tudo quanto Agláia Ivánovna significava para ele. Nunca lhe dissera nada,
mas naqueles dias em que ele teimara em ir à casa dos Epantchín, o rosto dela
mostrava bem sua apreensão; esse rosto só tendo ficado calmo e radiante quando
ela veio a saber que tal família deixara Pávlovsk.
Embora fosse o príncipe pouco
perspicaz, o pensamento de que Nastássia Filíppovna podia armar algum
escândalo para obrigar Agláia a sair de Pávlovsk, tinha-o atormentado até a
partida dos Epantchín. As conversas e o nervosismo em todas as vilas de Pávlovsk
por causa de tal casamento eram sem dúvida sustentados por Nastássia
Filíppovna com o proposito de irritar a sua
rival.
E como, naqueles dias, fora difícil encontrar os Epantchín, Nastássia
Filíppovna deu um jeito de passar em frente das janelas deles, com o príncipe ao
lado, na carruagem. O príncipe caiu nessa armadilha, só percebendo, e muito
surpreso (o que estava de acordo com seu atarantamento), quando a caleça já se
achava rente à fachada e já era tarde demais para evitar o escândalo. Não ousou
fazer nenhuma reprimenda, mas ficou doente dois dias de onde ela não repetir a
experiência.
Nos dias anteriores à data do casamento, ela teve crises de tristeza.
Conseguia disfarçar. Recalcava a melancolia, tornava-se cada vez mais
carinhosa e meiga, mas não com o antigo arrebatamento de felicidade. O
príncipe redobrou de atenção. Intrigou-o, como fato curioso, nunca lhe falar de
Rogójin a não ser certa vez, uns cinco dias antes da data do casamento; é que
Daria Aleksiéievna lhe mandou recado urgente para que viesse imediatamente,
visto Nastássia Filíppovna estar em um estado terrível.
Encontrou-a a gritar, a
chorar e a tremer, dizendo que Rogójin estava escondido no jardim, em sua
casa! Que tinha acabado, ainda agora, de vê-lo! Que ele a ia matar, de noite, que
lhe ia cortar a garganta! Não houve meio de acalmá-la. Mas, indo já bem depois
Míchkin ver Ippolít, a viúva do capitão, que acabava de chegar da cidade onde
fora a pequenos negócios seus, lhe contou que Rogójin fora nesse dia ao seu
cômodo e lhe fizera lá perguntas a respeito de Pávlovsk. Em resposta ao relato do
príncipe respondeu ela que Rogójin tinha estado a falar com ela justamente na
hora mesma de suspeita de estar no jardim da casa de Nastássia Filíppovna,
ficando pois, tudo explicado como pura imaginação. Nastássia Filíppovna depois
de fazer insistentes perguntas à viúva do capitão, acabara ficando grandemente
aliviada.
Mas, na véspera do casamento, deixara-a o príncipe em grande
excitação. O enxoval tinha chegado do costureiro, de Petersburgo. O vestido
nupcial, o véu de noiva, e assim por diante. O príncipe não julgava que à vista do
vestido ela ficasse tão nervosa. Gostou de tudo e, segundo as suas expressões,
estava mais feliz do que nunca. Mas deixou também deslizar o que estava em seu
espírito; que ouvira que na cidadezinha havia rancor; que os boêmios da praça
estavam preparando uma espécie de demonstração, uma espécie de charivari,
com música e versos compostos para o momento, tudo com a aprovação geral
da sociedade de Pávlovsk. E que, por isso mesmo, queria erguer a cabeça ainda
mais alto do que nunca, diante deles, para deslumbrá-los a todos com o bom
gosto e a riqueza de seus enfeites. “Deixá-los sussurrar! Que me valem, se são
capazes!” E os seus olhos
dardejavam, ante o só pensamento disso.
Tinha um outro pensamento secreto
que não exteriorizou alto.
Esperava que, por dados motivos, Agláia ou, a seu mando, qualquer outra pessoa,
estivesse também no meio dos curiosos quando houvesse aglomeração, ou às
escondidas na igreja. E secretamente se preparava.
Eram onze horas da noite
quando se separou do príncipe, ficando absorta em tais pensamentos. Mas antes
de soar a meia-noite um mensageiro chegou correndo; queria falar com o
príncipe, da parte de Dária Aleksiéievna, que lhe rogava ‘que viesse
imediatamente, que ela estava muito mal”.
Encontrou o príncipe sua noiva na
cama, chorando, em desespero, em uma grande crise, durante muito tempo não
dando resposta ao que lhe era dito através da porta fechada. Por fim, abriu, não
deixou entrar mais ninguém, senão o príncipe. Caiu de joelhos, diante dele assim,
pelo menos, Dária Aleksiéievna (que conseguiu espiar, contou depois).
- O que
estou fazendo? O que estou fazendo? O que estou fazendo de ti? - gritava,
abraçando-lhe os pés, convulsivamente.
O príncipe teve de passar uma hora
inteira com ela. Não sabemos sobre que conversaram. Contou Dária
Aleksiéievna que se separaram despedindo-se em paz e felicidade. E que,
durante a noite, o príncipe mandara uma vez saber notícias dela, lhe tendo sido
dito que caíra em profundo sono. De manhã, antes mesmo dela ter acordado,
dois recados tinham sido mandados perguntando por ela a Dária Aleksiéievna,
sendo que um terceiro mensageiro veio de lá, depois, dizendo que havia um
verdadeiro enxame de costureiros e cabeleireiros de Petersburgo, em volta de
Nastássia Filíppovna, agora, não havendo nem traço da balbúrdia da véspera ou
da noite. Que estava ela toda atarefada em se embelezar, preparando a toilette do
casamento. E que bem neste minuto, agora. havia uma importante consulta a
respeito de quais diamantes devia pôr, e como pô-los.
O príncipe ficou completamente calmo.
continua página 534...
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Segunda Parte
Terceira Parte
O Idiota: Quarta Parte (10b) - Estas advertências relativas a Rogójin
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