Hannah Arendt
Parte II
IMPERIALISMO
Se eu pudesse, anexaria os planetas.
Cecil Rhodes
1.1 - A Expansão e o Estado-Nação
"A expansão é tudo", disse Cecil Rhodes, deprimido ao ver no céu "essas estrelas (...) esses vastos
mundos que nunca poderemos atingir. Se eu pudesse, anexaria os planetas".[2] Em menos de duas décadas,
as possessões coloniais britânicas cresceram em 11,5 milhões de km2 e 66 milhões de habitantes, a França
ganhou 9 milhões de km2e 26 milhões de pessoas, os alemães formaram um novo império com 13
milhões de nativos, e a Bélgica adquiriu 2,5 milhões de km2 com uma população de 8,5 milhões [3]. No
entanto, num rasgo de sabedoria, Rhodes reconhecia ao mesmo tempo a inerente loucura dessa época e a
sua contradição com a natureza humana. Naturalmente, nem essa sabedoria nem a tristeza dela decorrente
alteraram o seu modo de agir. A ele pouco importavam esses rasgos de clarividência que o levavam muito
além da capacidade normal de um comerciante ambicioso com fortes tendências de megalomania.
"A política mundial é para uma nação o que a megalomania é para um indivíduo",[4] disse no mesmo
momento Eugen Richter, líder do Partido Progressista alemão. Mas a sua oposição no Reichstag à
proposta de Bismarck de ajudar as companhias particulares a instalarem entrepostos marítimos e de
comércio no ultramar demonstrou claramente que ele não conhecia as necessidades econômicas de uma
nação burguesa daquela época. Parecia que aqueles que se opunham ou ignoravam o imperialismo —
como Eugen Richter na Alemanha, Gladstone na Inglaterra, ou Clemenceau na França — haviam perdido contato com a realidade e
não compreendiam que o comércio e a economia haviam envolvido todas as nações, atrelando-as à
política mundial. O princípio nacionalista conduzia à ignorância provinciana, e a luta contra a loucura
estava perdida.
A oposição dos estadistas à expansão imperialista gerava, ao lado da moderação, a confusão política. Em
1871 Bismarck rejeitou a oferta de possessões francesas na África em troca da Alsácia-Lorena, e vinte
anos mais tarde adquiriu da Grã-Bretanha a pequena ilha de Heligoland, em troca de Uganda, Zanzibar e
Vitu — dois reinos por um banho de mar, como os imperialistas alemães lhe disseram, não sem razão. E
foi assim que, na década de 80 do século XIX, Clemenceau se opôs aos imperialistas da França quando
quiseram enviar uma força expedicionária contra os ingleses no Egito, e trinta anos mais tarde cedeu à
Inglaterra os campos de petróleo do Mossul em troca da aliança anglo-francesa. E foi por atitudes
parecidas que Gladstone foi denunciado por Cromer como "um homem a quem os destinos do Império
Britânico não podem ser confiados com segurança".
Não era sem motivo que os estadistas — homens que pensavam primariamente em termos do território
nacional estabelecido — desconfiavam do imperialismo, mas este superava o que eles chamavam
simploriamente de "aventuras de ultramar". Sabiam, mais por instinto que por discernimento, que esse
movimento de expansão, no qual "o patriotismo (...) se mede mais pelos lucros" (Huebbe-Schleiden) e a
bandeira nacional é um "trunfo econômico" (Rhodes), só podia destruir o corpo político do Estado-nação.
A conquista de novas terras e a fundação de um império eram alvos que haviam perdido a respeitabilidade
por motivos muito sólidos. Foram realizadas com êxito por governos que, como o da República Romana,
eram primariamente baseados na lei, de modo que a conquista podia levar à integração de povos
heterogêneos graças à imposição de uma lei comum. Contudo, baseado no ativo consentimento (le
plebiscite de tous lesjours [5]) dado ao governo pela população homogênea o Estado-nação ignorava esse
princípio unificador e, em caso de conquista, teria de assimilar e não integrar, impor o consentimento e
não a justiça, degenerando assim em tirania. Já Robespierre sabia disso muito bem quando exclamou:
Périssent les colonies si elles nous coutent 1'honneur, Ia liberte. [Morram as colônias se elas nos custam
a honra e a liberdade.]
A expansão como objetivo permanente e supremo da política é a ideia central do imperialismo. Não
implica a pilhagem temporária nem a assimilação duradoura, características da conquista. Parecia um
conceito inteiramente novo na longa história do pensamento e ação políticos, embora na realidade não
fosse um conceito político, mas econômico, já que a expansão visa ao permanente crescimento da produção industrial e das transações comerciais, alvos supremos do século XIX.
Na esfera econômica, a expansão correspondia ao crescimento industrial — realidade desejada e
exequível, porquanto a expansão significava o aumento da produção de bens a serem
consumidos. O processo de produção é tão ilimitado quanto a capacidade do homem de
organizar, produzir, fornecer e consumir. Quando se reduzem a produção e o crescimento
econômico, as causas são mais políticas do que econômicas, já que a produção depende de
muitos povos diferentes, organizados em corpos políticos diversos que produzem e consomem
de maneira incontrolavelmente desigual.
O imperialismo surgiu quando a classe detentora da produção capitalista rejeitou as fronteiras
nacionais como barreira à expansão econômica. A burguesia ingressou na política por
necessidade econômica: como não desejava abandonar o sistema capitalista, cuja lei básica é o
constante crescimento econômico, a burguesia tinha de impor essa lei aos governos, para que a
expansão se tornasse o objetivo final da política externa.
Com o lema "expansão por amor à expansão", a burguesia tentou — e parcialmente conseguiu
— persuadir os governos nacionais a enveredarem pelo caminho da política mundial. Durante
algum tempo, a política proposta parecia ter limites e equilíbrios decorrentes da simultaneidade
da competição expansionista entre as nações. Em sua fase inicial, o imperialismo podia ainda
ser descrito como uma luta de "impérios em concorrência", diferente "da ideia de império no
mundo antigo e medieval, [que] era a de federação de Estados, sob uma hegemonia, cobrindo
(...) todo o mundo conhecido". [6] Mas, de acordo com o princípio nacional ainda em voga, a
humanidade constituía uma família de nações que disputavam a primazia e entre as quais a
competição estabilizaria automaticamente seus limites antes que um competidor se impusesse
sobre os demais. Esse feliz equilíbrio, no entanto, certamente não correspondia ao inevitável
resultado de misteriosas leis econômicas; antes, dependia de instituições políticas e, ainda mais,
de instituições policiais que não permitiam aos concorrentes o uso de revólveres. Dificilmente
se pode compreender como a concorrência entre empresas comerciais — impérios — armadas
até os dentes terminasse de outro modo que não a vitória para uma e morte para as outras. Em
outras palavras, a concorrência — como a expansão — não é um princípio político: ambas se
baseiam em força política.
Contrariamente à estrutura econômica, a estrutura política não pode expandir-se infinitamente,
porque não se baseia na produtividade do homem, que é de certo modo ilimitada, pelo menos
teoricamente. De todas as formas de governo e organização de povos, o Estado-nação é a que
menos se presta ao crescimento ilimitado, porque a sua base, que é o consentimento genuíno da
nação, não pode ser distendida além do próprio grupo nacional, dificilmente conseguindo o
apoio dos povos conquistados. Nenhum Estado-nação pode, em sã consciência, tentar conquistar
povos estrangeiros, a não ser que essa consciência advenha da convicção que a nação conquistadora tem de estar impondo uma lei superior
—• a sua — a um povo de bárbaros. [7] A nação, porém, concebe as leis como produto da sua
substância nacional que é única, e não é válida além dos limites do seu próprio território, não
correspondendo aos valores e anseios dos outros povos.
Sempre que o Estado-nação surgia como conquistador, despertava a consciência nacional e o
desejo de soberania no povo conquistado, criando com esse ato um obstáculo para a execução
da sua tentativa de construir um império. Assim foi que os franceses incorporaram a Argélia
como província da nação-mãe, sem jamais conseguirem impor suas leis a um povo diferente. Ao
contrário, acabaram respeitando a lei muçulmana e concedendo status especial aos cidadãos
árabes nominalmente franceses, o que produzia a híbrida insensatez de um território
juridicamente francês, que por lei era tão parte da França quanto o Département de la Seine,
mas cujos habitantes, supostamente cidadãos franceses, não eram cidadãos franceses, pois
adquiriram a consciência da sua diferenciação nacional quando a perderam legalmente, por
imposição.
Os antigos "fundadores de impérios" britânicos, confiando na conquista como método
permanente de domínio, jamais conseguiram incorporar à vasta estrutura do Império Britânico
ou da Comunidade Britânica de Nações os seus vizinhos mais próximos, os irlandeses. Essa
mais antiga "possessão" denunciou unilateralmente sua condição de domínio (em 1937) e
rompeu todos os laços com a nação inglesa quando se recusou a participar da guerra. A
conquista permanente — o fato de a Inglaterra ter "simplesmente deixado de destruir" a Irlanda
(Chesterton) — despertou muito menos "o gênio do imperialismo" [8] nos ingleses do que havia
despertado nos irlandeses o espírito de resistência nacional.
A estrutura nacional do Reino Unido tornara impossível a pronta assimilação e incorporação dos
povos conquistados; a Comunidade Britânica nunca foi — apesar do nome — uma
"Comunidade de Nações", mas sim um herdeiro multiterritorial do Reino Unido, em que os
ingleses quiseram ver uma só nação espalhada pelo mundo. A dispersão e a colonização
transplantavam, sem expandi-la, a estrutura política. Os ingleses visavam ligar por meio de leis
comuns as nações membros do novo corpo federado ao seu país natal. Mas o exemplo irlandês
mostra quão despreparado estava o Reino Unido para criar uma estrutura imperial na qual
muitos povos diferentes pudessem viver juntos a contento. [9] A nação britânica revelou desconhecer a arte romana de criar um império, embora
cultivasse o modelo grego de colonização. Em lugar de conquistar povos estrangeiros impondo
lhes a sua lei, os colonizadores ingleses estabeleciam-se nos territórios recém-conquistados mas,
onde quer que estivessem, nos quatro cantos do mundo, permaneciam membros da mesma
nação britânica. [10] A estrutura federativa da Comunidade, admiravelmente baseada — em teoria
— na realidade de uma nação espalhada sobre a terra, não foi suficientemente adequada para
aceitar povos permanentemente não-britânicos como "sócios da empresa", igualmente
habilitados para geri-la. A condição de Domínio da índia, absolutamente rejeitada pelos
nacionalistas indianos ainda durante a Segunda Guerra Mundial, foi considerada apenas uma
solução temporária e transitória. [11]
A inerente contradição entre o corpo político da nação e a conquista como mecanismo político
tornou-se óbvia desde o fracasso do sonho napoleônico. Foi devido a essa experiência, e não por
motivos humanitários, que a conquista foi desde então condenada como método de ação do
Estado-nação, passando a ter importância insignificante mesmo no ajuste de conflitos
fronteiriços. O fracasso de Napoleão na tentativa de unir a Europa sob a bandeira francesa
indicou que a conquista leva o povo conquistado ao despertar da sua consciência nacional e à
consequente rebelião contra o conquistador ou à tirania deste. E, embora a tirania, por não necessitar de consentimento, possa dominar com sucesso povos estrangeiros,
só pode permanecer como forma de poder se destruir, antes de mais nada, as instituições
nacionais do seu próprio povo.
Os franceses, em contraste com os britânicos e todas as outras nações da Europa, chegaram a
tentar, ainda antes da Segunda Guerra Mundial, uma combinação de ius com imperium, para
fundar um império no velho sentido romano. Procuraram transformar a estrutura política da
nação numa estrutura política imperial, e acreditavam que "a nação francesa [estivesse]
marchando (...) para disseminar os benefícios da civilização francesa''. Queriam incorporar à
estrutura nacional as possessões ultramarinas, tratando os povos conquistados como "irmãos e
súditos — irmãos na fraternidade da civilização francesa comum, e súditos no sentido de serem
discípulos da luz francesa e seguidores da liderança francesa". [12] Em parte, isso foi realizado
quando representantes de populações africanas sentaram-se no Parlamento francês e quando a
Argélia foi declarada departamento da França. Mas o resultado desse empreendimento foi uma
exploração particularmente brutal das possessões de ultramar em benefício da nação. A despeito
de todas as teorias em contrário, o Império Francês era realmente avaliado do ponto de vista da
defesa nacional, [13] e as colônias eram consideradas terras de soldados, capazes de produzir uma
force noire que protegesse os habitantes da França contra os seus inimigos naturais. A famosa
frase de Poincaré de 1923 — "a França não é um país de 40 milhões; é um país de 100 milhões" — indicava simplesmente a descoberta de uma ' 'forma econômica de dispor de carne para
canhão''. [14]
Quando Clemenceau insistiu, na mesa de conferência de paz em 1918, em que nada lhe
importava senão "o direito ilimitado de recrutar tropas para ajudar a defesa do território francês
na Europa, se a França viesse a ser atacada no futuro pela Alemanha", [15] não salvou a nação
francesa da agressão alemã, embora o seu plano fosse posto em prática pelo Estado-Maior, mas
assestou um golpe mortal na possibilidade ainda hipotética de um Império Francês. [16] Em comparação com esse nacionalismo cego e desesperado, os imperialistas britânicos, aceitando o
sistema de mandatos, pareciam guardiões da autodeterminação dos povos, apesar do fato de
terem abusado do sistema através dos "governos indiretos", um método que permite ao
administrador governar um povo "não diretamente, mas através das autoridades tribais e
locais". [17]
Os britânicos procuraram criar o império abandonando os povos conquistados aos mecanismos
de sua própria cultura, religião e lei, mantendo-se afastados e evitando disseminar a lei e a
cultura britânicas. Isso não impediu que os nativos desenvolvessem o sentimento de consciência
nacional e clamassem por soberania e independência, embora possa ter retardado o processo.
Agindo assim, os britânicos fortaleciam o conceito imperialista baseado em superioridade
fundamental de "elementos elevados" sobre os "inferiores". Por sua vez, tal conceito exacerbava
a luta pela liberdade entre os povos dominados, e os impedia de aceitarem os indiscutíveis
benefícios do domínio britânico. A atitude dos administradores que, "embora respeitassem os
nativos como povo e em alguns casos sentissem até amor por eles (...) quase unanimemente
descriam que eles fossem ou jamais viessem a ser capazes de se governarem sem supervisão", [18] levava os "nativos" a concluírem que o colonizador os excluía e separava para sempre do resto
da humanidade.
Imperialismo não é construção de impérios, e expansão não é conquista. Os conquistadores
britânicos, os velhos "infratores da lei na índia" (Burke), tinham pouco em comum com os
exportadores de dinheiro britânico ou com os administradores dos povos indianos. Se esses
últimos elaborassem leis em vez de baixar decretos, poderiam ter-se tornado construtores de um
império. O fato, contudo, é que a nação inglesa não estava interessada nisso, e dificilmente tê-los-ia apoiado. O que aconteceu é que os negociantes de mentalidade imperialista foram
seguidos por funcionários desejosos de deixar "o africano permanecer africano", enquanto um bom número de outros, apegados ainda ao que Harold Nicolson
chamou certa vez de "ideais de infância", [19] "queriam ajudá-lo a "tornar-se um africano melhor" [20] — seja lá o que isso pudesse significar, mas de nenhum modo estavam "dispostos a aplicar o
sistema administrador e político do seu país para governar as populações atrasadas" [21] e
realmente unir as vastas possessões da Coroa Britânica à nação inglesa.
Contrariamente às verdadeiras estruturas imperiais, em que as instituições da nação-mãe se
integram de várias maneiras às do império que criam, é característico do imperialismo
permanecerem as instituições nacionais separadas da administração colonial, embora se lhes
permita exercer controle. O verdadeiro motivo dessa separação estava na curiosa mistura de
arrogância e respeito — a arrogância dos administradores que sabiam lidar com "populações
atrasadas" ou "raças inferiores", contrabalançada pelo respeito dos estadistas antiquados no país
de origem, que acalentavam as ideias de que nenhuma nação tinha o direito de impor sua lei
sobre um povo estrangeiro. A arrogância yeio a ser um meio de domínio, enquanto o respeito
idealista, tornado negativo, não produziu nenhuma nova forma de convívio entre os povos, mal
conseguindo conservar dentro de certos limites as autoridades imperialistas que governavam por
decretos. Mas os serviços coloniais nunca cessaram de protestar contra a interferência da
"maioria inexperiente" — isto é, a nação — que tentava forçar a "minoria experiente" — os
administradores imperialistas — "na direção da imitação", [22] ou seja, na linha do governo
norteado pelos padrões gerais de justiça e liberdade, válidos apenas no país de origem.
O surgimento de um movimento de expansão em Estados-nações que, mais que qualquer outro
corpo político, eram definidos por fronteiras e pelas limitações de possíveis conquistas é um
exemplo das disparidades aparentemente absurdas entre causa e efeito que assinalam a história
moderna. A terrível confusão da terminologia histórica moderna é apenas um subproduto dessas
disparidades. Fazendo comparações com os impérios antigos, os historiadores modernos
confundem expansão com conquista, desprezam a diferença entre Comunidade e Império (como
os historiadores pré-imperialistas confundiam a diferença entre plantações e possessões, ou
colônias e dependências, ou, mais tarde, colonialismo e imperialismo [23]) e ignoram, em outras
palavras, a diversificação essencial existente entre a exportação de gente (britânica) e a exportação de
dinheiro (britânico). [24]
Os historiadores contemporâneos, diante do espetáculo proporcionado pelos capitalistas
engajados em buscas predatórias empreendidas em todo o mundo por novas possibilidades de
investimentos, atribuem ao imperialismo a antiga grandeza de Roma e de Alexandre, grandeza
que tornaria as consequências do imperialismo mais toleráveis do ponto de vista humano.
A única grandeza do imperialismo está na batalha que a nação trava — e perde — contra ele. A
tragédia dessa oposição hesitante não está apenas no fato de muitos representantes nacionais
terem sido comprados pelos novos comerciantes imperialistas, pois pior do que a corrupção era
a convicção dos incorruptos de que o imperialismo era a única maneira de conduzir a política
mundial. Uma vez que os entrepostos marítimos e o acesso às matérias-primas eram realmente
necessários a todas as nações, eles passaram a acreditar que a anexação e a expansão
contribuíam para salvar o país. Foram os primeiros a confundir a diferença fundamental entre o
estabelecimento de entrepostos marítimos e mercantis para fins de comércio e a nova política de
expansão. Acreditaram em Cecil Rhodes quando ele lhes aconselhou que "acordassem para o
fato de que não podiam viver sem o comércio mundial", "que seu comércio é o mundo, e sua
vida é o mundo — e não a Inglaterra", e que, portanto, deviam "cuidar dás questões de expansão
e de retenção do mundo". [25] Sem querer, e às vezes mesmo sem o saber, tornavam-se não apenas
cúmplices da política imperialista, mas também os primeiros a serem culpados e condenados por
seu "imperialismo". Foi este o caso de Clemenceau, que, por preocupar-se desesperadamente
com o futuro da nação francesa, virou "imperialista" na esperança de que a mão-de-obra
colonial protegesse os cidadãos franceses contra a agressão.
A consciência da nação, representada pelo Parlamento e pela imprensa livre, funcionou e foi
sentida pelos administradores coloniais em todos os países europeus colonizadores. Na
Inglaterra, para diferenciar entre o governo imperialista, sediado em Londres e controlado pelo
Parlamento, e os administradores coloniais, essa influência foi chamada de "fator imperial".
Assim, creditaram-se ao imperialismo os méritos e o remanescente da justiça que ele tão
ansiosamente buscava eliminar. [26] O "fator imperial" era expresso politicamente no conceito de que os nativos eram não apenas protegidos mas, de certa forma, representados pelo
Parlamento britânico, o "Parlamento Imperial". [27] Com esse conceito, os ingleses se
aproximaram da experiência imperial francesa, embora nunca tivessem chegado a outorgar
representação real aos povos conquistados. Contudo, esperavam que a nação como um todo
soubesse agir como espécie de curador em relação ao povos dominados,, e é verdade que
sempre fizeram o possível para evitar o pior.
O conflito entre os representantes do "fator imperial" (que seria melhor chamar de fator
nacional) e os administradores coloniais marca indelevelmente toda a história do imperialismo
britânico. A "prece" que Cromer dirigiu a lorde Salisbury durante sua administração do Egito
em 1896 — "Deus me livre dos Departamentos Ingleses" [28] — foi repetidamente ouvida, até que,
na década dos 20 do século XX, a nação e tudo o que ela representava foram abertamente
responsabilizados pelos imperialistas pela futura perda da índia que já se esboçava. Os
imperialistas nunca se haviam conformado com o fato de o governo colonial da índia ter de
"justificar sua existência e sua política perante a opinião pública da Inglaterra"; esse controle
impossibilitava lançar mão daquelas medidas de "massacres administrativos" [29] que,
imediatamente após a Primeira Guerra Mundial, haviam sido ocasionalmente experimentadas
em toda parte como meio radical de pacificação, [30] e que realmente poderiam ter impedido a independência da Índia.
Hostilidade semelhante prevaleceu na Alemanha entre os representantes nacionais e os
administradores coloniais da África. Em 1897, Carl Peters foi removido do seu posto no Sudeste
Africano Alemão e teve de se demitir do serviço público devido a atrocidades ali cometidas
contra os nativos. O mesmo sucedeu ao governador Zimmerer. E em 1905 os chefes tribais dirigiram suas queixas pela
primeira vez ao Reichstag, de forma que, quando os administradores coloniais os aprisionaram,
o governo alemão interveio. [31]
O mesmo ocorreu com o domínio francês. Os governadores-gerais nomeados pelo governo
estavam sujeitos a fortes pressões dos colonos franceses, como na Argélia, ou simplesmente se
recusavam a realizar reformas no tratamento dos nativos, inspiradas, segundo eles, nos "frágeis
princípios democráticos de [seu] governo". [32] Em toda parte, os administradores imperialistas
achavam que o controle da nação-mãe constituía uma carga insuportável e uma ameaça à
dominação.
E estavam absolutamente certos. Conheciam bem as maneiras de subjugar os povos, melhor do
que aqueles que, de um lado, protestavam contra o governo por meio de decretos e contra a
burocracia arbitrária e, do outro, esperavam conservar para sempre suas possessões para a glória
maior do país. Os imperialistas sabiam, melhor que os nacionalistas, que a estrutura política da
nação era capaz de construir impérios. Sabiam perfeitamente que a marcha da nação e a
conquista de outros povos, se seguissem o seu curso natural, terminariam com os povos
conquistados constituindo-se em nações e derrotando o conquistador. Os métodos franceses,
portanto, que sempre buscavam combinar as aspirações nacionais com o estabelecimento de um
império, tiveram muito menos sucesso que os métodos ingleses, os quais, após a década de 80,
eram abertamente imperialistas, embora refreados por uma nação-mãe que conservava suas
instituições democráticas nacionais.
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Parte II Imperialismo (1.1 - A Expansão e o Estado-Nação)
[2] S. Gertrude Millin, Rhodes, Londres, 1933, p. 138.
[3] Esses algarismos, citados por Cartton H. H. Hayes, A generation ofmaterialism, Nova York, 1941, p. 237, referem-se ao
período de 1871 a 1900. Ver também Hobson, op. cit., p. 19.
[4] Ernst Hasse, Deutsche Weltpolitik [Política mundial alemã], Flugschriften des All-deutschen Verbandes [Folhas da Liga
Pangermânica], n? 5, 1897, p. 1.
[5] Ernest Renan, em seu clássico ensaio Qu 'est-ce quune nation?, Paris, 1882, acentuava que "o real consentimento, o desejo
de viver em comum, a vontade de preservar dignamente a herança indivisível que foi legada" eram os principais elementos
que mantêm juntos os membros de um povo de modo a que eles constituam uma nação.
[6] Hobson, op. cit.
[7] Essa má-consciência, florescendo da crença no consenso enquanto fundamento de toda organização política, é bem descrita por
Harold Nicolson, Curzon: the last phase 1919-1925, Boston-Nova York, 1934, na discussão da política britânica no Egito: "A
justificação de nossa presença no Egito permanece baseada, não no defensável direito de conquista, ou na força, mas na nossa
própria crença no elemento do consenso. Esse elemento, em 1919, não existia em nenhuma forma articulada. Ele foi dramaticamente
desafiado pela explosão egípcia de março de 1919".
[8] Como lorde Salisbury colocou a questão, regozijando-se com a derrota do primeiro Home Rule Bill de Gladstone. Durante os
vinte anos seguintes de governo conservador e, àquela época (1885-1905), imperialista, o conflito anglo-irlandês não apenas não se
resolveu, mas também tornou-se muito mais agudo. Ver também Gilbert K. Chesterton, The crimes of England, 1915, pp. 57 ss.
[9] É difícil entender por que, durante a fase inicial de desenvolvimento nacional inglês dos Tudor, a Irlanda não foi
incorporada à Grã-Bretanha como os Valois haviam conseguido incorporar a Bretanha e a Borgonha à França. Pode
ser, no entanto, que um processo semelhante tenha sido brutalmente interrompido pelo regime de Cromwell, que
tratou a Irlanda como se fosse um simples despojo de guerra, a ser dividido entre os seus seguidores. De qualquer
forma, após a Revolução de Cromwell, que foi tão crucial para a formação da nação britânica como a Revolução
Francesa foi para os franceses, o Reino Unido já havia atingido aquele estágio de maturidade que é sempre seguido
da perda de poder de assimilação e integração, que o corpo político da nação possui somente em seus estágios
iniciais. O que se seguiu depois foi, realmente, uma longa e triste história de "coação imposta não para que o povo
pudesse viver em paz, mas para que o povo pudesse morrer em paz" (Chesterton, op. cit., p. 60).
Para um estudo histórico da questão irlandesa, ver o excelente e imparcial Britam and Ireland,
de NicholasMansergh, LongmansPamphletson theBritish Commonwealth, Londres, 1942.
[10] Muito característica é a seguinte declaração de J. A. Froude, feita pouco antes do início da era imperialista:
"Que fique estabelecido de uma vez que um inglês que emigrou para o Canadá, ou para o Cabo, ou para a Austrália,
ou para a Nova Zelândia, não renunciou à sua nacionalidade, mas permaneceu em solo inglês como se estivesse em
Devonshire ou Yorkshire, e permanecerá inglês enquanto durar o Império Britânico; e que, se gastássemos um quarto
do dinheiro que foi atolado nos pântanos de Balaclava para enviar e estabelecer dois milhões de ingleses nessas
colônias, isso contribuiria mais para a força do nosso país do que todas as guerras em que nos metemos, de Agincourt
a Waterloo". Citado por Robert Livingston Schuyler, The fali of the old colonial system, Nova York, 1945, pp. 280-1.
[11] O eminente escritor sul-africano, Jan Disselboom, expressou com bastante crueza a atitude dos povos da
Comunidade a esse respeito: "A Grã-Bretanha é meramente um sócio da firma (constituída de) descendentes da
mesma estirpe. (...) As partes do Império não habitadas pelas raças a que isso se aplica, nunca foram sócias da firma.
Eram a propriedade privada do sócio importante. (...) Pode-se ter o domínio branco, ou pode-se ter o Domínio da
Índia, mas não a ambos". (Citado por A. Carthill, The lost dominion, 1924.)
[12] Ernest Baker, Ideas and ideais ofthe British Empire, Cambridge, 1941, p. 4.
Ver também as observações introdutórias sobre os fundamentos do Império Francês em The French Colonial Empire,
Information Department Papers, n? 25, publicados pelo Royal Instirute of International Affairs, Londres, 1941, pp. 9
ss. "O objetivo é assimilar ao povo francês os povos coloniais ou, quando isso não for possível nas comunidades mais
primitivas, associá-los, de modo que cada vez mais a diferença entre Ia France metrópole e Ia France d'outremer seja
geográfica e não fundamental."
[13] Ver G. Hanotaux, "Le General Mangin", em Revue des Deux Mondes (1925), t. 27.
[14] W. P. Crozier, "France and her "black empire'", em New Republic, 23 de janeiro de 1924.
[15] David Lloyd George, Memoirs ofthe Peace Conference, New Haven, 1939, I, 362 ss. [A presença das tropas
africanas na Europa provocou uma veemente reação de Hitler, que, em Mein Kampf, acusa a França de "conspurcar"
assim a pureza da raça branca na Europa. (N.E.)]
[16] Uma tentativa semelhante de exploração das possessões de ultramar em favor da nação foi feita pela Holanda
nas índias Orientais Holandesas, depois que a derrota de Napoleão devolveu as colônias holandesas à mãe-pátria
muito empobrecida. Os nativos foram reduzidos à escravidão em benefício do governo da Holanda.
O Max Havelaar de Multatuli, publicado pela primeira vez nos anos 60 do século passado, destinava-se ao governo na metrópole, e
não aos serviços no exterior. (Ver De Kat Angelino, Colo-nialpolicy, vol. II, The Dutch Eastíndia, Chicago, 1931, p. 45.)
Esse sistema foi logo abandonado, e as Índias Holandesas, durante algum tempo, mereceram "a admiração de todas as nações
colonizadoras" (Sir Hesketh Bell, ex-governador da Uganda, da Nigéria do Norte etc, em Foreign colonial administration in the Far
East, 1928, parte I). Os métodos holandeses assemelham-se aos dos franceses: a outorga de status de europeus aos nativos que o
"mereciam", introdução de um sistema escolar europeu, e de outros meios de assimilação. Com isso, os holandeses conseguiram o
mesmo resultado: um forte movimento de independência nacional entre o povo dominado.
No presente estudo, deixamos de lado o imperialismo holandês e o belga. O primeiro é uma mistura curiosa e mutável de métodos
franceses e ingleses; o segundo não é a história da expansão da nação belga, nem mesmo da burguesia belga, mas da expansão do rei
belga, pessoalmente, irrefreada por qualquer instituição. Tanto o imperialismo holandês como o belga são atípicos. A Holanda não
se expandiu durante os anos 80, mas apenas consolidou e modernizou suas antigas possessões. Por outro lado, as atrocidades sem
paralelo cometidas no Congo Belga pela companhia colonizadora pertencente ao rei não espelham o que estava acontecendo de
modo geral nas demais possessões europeias de ultramar.
[17] Ernest Barker, op. cit., p. 69.
[18] Selwyn James, South of the Congo, Nova York, 1943, p. 326.
[19] Acerca desses "ideais de infância" e do papel que tiveram no imperialismo britânico, ver o capítulo 7. O modo como surgiram
e foram cultivados é descrito em Rudyard Kipling, Stalky and Company.
[20] Ernest Barker, op. cit., p. 150.
[21] Lorde Cromer, "The government of subject races", em Edinburgh Review, janeiro de 1908.
[22] Ibid.
[23] O primeiro erudito a usar o termo "imperialismo" para distinguir claramente entre o "Império" e a Comunidade foi J. A.
Hobson. Mas a diferença essencial sempre foi bem conhecida. O princípio da "liberdade colonial", por exemplo, acalentado por
todos os estadistas liberais ingleses depois da Revolução Americana, só seria válido se a colônia fosse "constituída de cidadãos
britânicos ou (...) misturas da população britânica, que tornassem segura a introdução de instituições representativas". Ver Robert Livingston Schuyler, op. cit., pp. 236 ss. No século XIX existiam três tipos de
presença ultramarina britânica dentro do Império: as povoações (ou plantações, ou colônias), como a Austrália; os
entrepostos comerciais e possessões, como a índia; e os postos marítimos e militares, como o Cabo da Boa Esperança,
mantidos para garantia dos primeiros.
[24] Ernest Barker, op. cit.
[25] Millin, op. cit., p. 175.
[26] A origem dessa denominação imprópria está provavelmente na história do domínio inglês na África do Sul e
data dos tempos em que os governadores locais, Cecil Rhodes e Jameson, envolveram o "Governo Imperial" de
Londres, contra as intenções deste último, na guerra contra os bôeres. De fato, Rhodes, ou melhor, Jameson, era o
senhor absoluto de um território três vezes maior que a Inglaterra, que podia ser administrado "sem ter de esperar
pelo relutante consentimento ou pela educada censura do alto-comissário", que era o representante de um Governo Imperial, detentor apenas
de "controle nominal". (Reginald Ivan Lovell, The strugglefor South África, 1875-1899, Nova York, 1934, p. 194.) E
o que aconteceu com os territórios nos quais o governo britânico entregou sua jurisdição à população europeia local,
desprovida dos freios tradicionais e constitucionais dos Estados-nações, pode ser visto na trágica história da União da
África do Sul desde a sua independência, isto é, desde quando o governo Imperial" deixou de ter o direito de
interferência.
[27] mento ou pela educada censura do alto-comissário", que era o representante de um Governo Imperial, detentor apenas
de "controle nominal". (Reginald Ivan Lovell, The strugglefor South África, 1875-1899, Nova York, 1934, p. 194.) E
o que aconteceu com os territórios nos quais o governo britânico entregou sua jurisdição à população europeia local,
desprovida dos freios tradicionais e constitucionais dos Estados-nações, pode ser visto na trágica história da União da
África do Sul desde a sua independência, isto é, desde quando o governo Imperial" deixou de ter o direito de
interferência.
[28] LawrenceJ. Zetland, Lord Cromer, 1923, p. 224.
[29] A. Carthill, Thelost dominion, 1924, pp. 41-2, 93.
[30] Um exemplo de "pacificação" no Oriente Próximo foi descrito detalhadamente por T. E. Lawrence num artigo,
"France, Britain and the Arabs", escrito para The Observer (1920): "Diante do sucesso preliminar dos árabes, os
reforços britânicos são enviados em missão punitiva. O objetivo é bombardeado pela artilharia, aviões ou
canhoneiras. Finalmente, incendeia-se uma aldeia e o distrito é pacificado, É estranho que não usemos gases
venenosos nessas oportunidades. Bombardear as casas é um modo inadequado de matar as mulheres e as crianças.
(...) Se atacássemos com gás, toda a população de distritos delinquentes poderia ser eliminada completamente; e,
como método de governo, não seria menos imoral que o sistema atual". Ver suas Letters, editadas por David Garnett,
Nova York, 1939, pp. 311 ss.
[31] Por outro lado, em 1910, o secretário das Colônias Dernburg teve de renunciar ao cargo porque havia antagonizado os
plantadores coloniais protegendo os nativos. Ver Bary E. Townsend, Rise and fali of Germany's colonial Empire, Nova York, 1930,
e P. Leutwein, Kàmpfe um Afrika [Lutas pela África], Luebeck, 1936.
[32] Como disse Léon Cayla, ex-governador-geral de Madagascar e amigo de Pétain.
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